Meses após julgar 16 integrantes do PCC, poderosa facção criminosa que recentemente aterrorizou a capital de São Paulo, o juiz federal Salem Cury perdeu sua esposa e seus dois filhos em um inexplicável acidente de carro. Uma fatalidade ou um atentado criminoso? O drama desse episódio Salem narra no livro O amanhã será eterno – uma família interrompida, lançamento da Ediouro.
Cury, que também julgou crimes cometidos por membros da máfia chinesa e do Esquadrão da Morte, compartilha com o leitor a dor da perda e sua luta para que uma investigação profunda seja realizada do caso de sua família. ?Havia pessoas investidas de poder que, mesmo com todos os indícios de se tratar de um crime de vingança, não agiram. Pensei que toda a trama fazia parte do crime organizado?, comenta Salem Cury.
O amanhã será eterno também permite conhecer a contradição que há na vida de quem escolhe combater o crime e vive coagido. Ao escolher uma carreira em que poderia contribuir com a segurança e a justiça, Cury assistiu sua esposa receber diversos telefonemas ameaçando-os de morte. Até mesmo seu filho, aos seis anos, ouviu ao telefone um homem dizer que deixaria o sangue do seu pai esparramado na sarjeta. ?Parecia que a origem da desgraça era eu, em razão da escolha profissional que fizera?, lamenta Cury.
As ameaças são apenas alguns dos indícios de que o caso é criminal. Outros são expostos no livro, como uma conversa captada por um telefone celular que confirma a realização do ?serviço encomendado contra a família do juiz Cury?. Ou mesmo as estranhas condições em que aconteceu o suposto acidente, descritas no laudo do Núcleo de Perícias Criminalísticas. O motorista que provocou o acidente fugiu e nunca foi identificado.
Além da denúncia, o livro também é um depoimento de auto-ajuda na superação do vazio e da falta de motivação para viver, comum nas situações de grandes perdas. Portanto, qualquer pessoa que tenha perdido um ente encontrará em O amanhã será eterno a trilha para retomar a vida que continua. O livro começou a ser escrito como um diário, no qual o autor registrava as lembranças de momentos de alegria com sua família, com medo de esquecer detalhes daqueles dias.
A vontade de publicar veio da fé de que seu testemunho poderia inspirar pessoas a encontrar seu próprio caminho em meio às trevas. Todas as etapas do luto estão no relato de Cury: a negação do fato, a angústia, a entrega à dor e a superação, impulsionada pela esperança. Só quando esteve literalmente à beira do abismo, a ponto de tentar cometer suicídio, encontrou forças para se renovar, encarar a realidade de uma outra forma e seguir a vida.
Sobre o acidente, ficam as evidências de um crime, mas Cury nada pode afirmar, uma vez que não houve investigação. ?Que a Justiça, e só a Justiça, se encarregue de apontar responsabilidades, coletivas e individuais. Tenho esperança de um dia saber por que silenciaram os que deviam agir em nome dela?, desabafa o juiz federal Salem Cury.
Este é um relato pungente, vívido, que remete aos dias em que vivemos, em que a segurança extrema toma de assalto as grandes cidades como um poder paralelo que decide quem deve viver e morrer.
Sobre o autor
Salem Cury é juiz federal desde 1998 e professor universitário. Formado em direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP e doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de les Illes Balears, na Espanha.
Ficha técnica
Livro: O amanhã será eterno – uma família interrompida. Autor: Salem Cury. Preço: R$ 29,90.
