Ed Motta troca cordas e metais pelo pop refinado

Depois do preciosismo quase barroco do pseudo-instrumental Dwitza (em que ele cantava, porém sem letra), que sucedeu ao refinamento dos dois Manuais de Festas, Bailes e Afins, parece que Ed Motta sentiu saudade do pop. E isso depois de trocar a poderosa (e popular) Universal pela indie Trama. Acaba de sair do forno Poptical, o primeiro do artista na nova casa.

Poptical (brincadeira com o termo em inglês para ilusão de ótica) é de fato pop. Mas um pop sofisticado, cool, como Ed Motta tem sido ultimamente. Nada a ver com Manuel. Esse ar “pop de butique” já aparece na capa, concebida pelo próprio Ed, onde ele troca a manipulação digital pela prosaica repetição de imagens em espelhos. O resultado ganha contornos psicodélicos.

Musicalmente, o CD é uma salada. Mas uma salada caprese, nada de agrião ou beterraba. “Depois do Dwitza, fiquei com vontade de fazer um disco cantado, com letra; tinha algumas músicas prontas e pedi letras para alguns amigos. E acho que elas acabaram ficando um pouco com a cara de cada um”, explica. Entre esses doze amigos estão Nelson Motta, João Donato, Seu Jorge, Adriana Calcanhotto e Ronaldo Bastos, para citar alguns – cada um assinando uma faixa.

Nelson Motta, por exemplo, escreveu a letra de Minha Casa, Minha Cama, Minha Mesa, que abre o CD – um samba-jazz com um molho de funk antigo e versos ao estilo da fase “sexyagenária” de Roberto Carlos. A faixa seguinte é a mais pop em todos os sentidos: com letra descontraída de Seu Jorge, Tem Espaço na Van é a “música de trabalho”, já está tocando nas rádios e em diversos programas de TV. Remete aos primórdios da carreira de Ed, a bordo da Conexão Japeri, mas ao mesmo tempo soa moderna, com o seu groove poderoso.

De volta para o futuro, a homenagem de Adriana Calcanhotto, Eu Avisei, ganha o reluzente verniz jazzístico dos últimos trabalhos. E uma letra embrulhada para presente: “Quero ver/Conhecer/Pra valer/Mais refinado degustador/Tão bom gourmet/Pra desfrutar seu sabor”, e o refrão “Só não venha, por favor, me dizer/Que você não entende edmottês”.

Seguem-se a balada acústica (só piano e voz) The Rose That Came To Bloom, com cara de desenho animado e letra do parceiro londrino Bluey, líder do Incognito, e a ensolarada Que Bom Voltar, definida pelo artista como uma canção “californiana-tijucana”, assinada pelo paulista Daniel Carlomagno. Atmosfera oitentista por todos os poros, assim como Coincidência.

Depois surge uma valsa, Rainbow?s End, que para Ed tem cara de música de cinema. “Me imagino numa ilha, de smoking branco, tomando um drink de abacaxi”, revela. Mas a grande sacada foi abandonar as cordas e metais jazzy dos últimos trabalhos para recuperar os velhos teclados e sintetizadores do começo dos anos 80. “Isso já estava na minha cabeça há muito tempo, imaginava uma utilização diferente para eles, uma espécie de orquestra de teclados.” A ousadia fica evidente em Pra Se Lembrar, parceria com Jair Oliveira, em que Ed recupera os primeiros teclados e baterias eletrônicas do mundo.

E tem ainda fox – O Fox do Detetive, ao estilo cinematográfico de Ennio Morricone e Henry Mancini, com direito a solo de baixo acústico, uma “incorporada” de Steve Wonder em Gifts and Sorrows e uma linda e sofisticada balada-tango para a letra escrita por Zélia Duncan, Quem Pode Surpreender?, que encerra brilhantemente o disco. E o milagre acontece: Em Poptical, Ed Motta consegue transformar a Fanta laranja dos sintetizadores 80?s no melhor Romanée-Conti.

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