Documentário lembra morte de Herzog

d71.jpgO cineasta João Batista de Andrade diz que Vlado – 30 anos depois, seu documentário que estreiou sexta-feira no Rio de Janeiro, é o filme que devia ter feito 30 anos atrás, em 1975, quando seu amigo, o jornalista Vladimir Herzog, foi torturado e assassinado numa cela do DOI-Codi. ?Eu, que filmava tudo, não conseguia filmar nada??, lembra o diretor nos momentos iniciais da projeção. Ao filmar, 30 anos depois, um documentário sobre a morte do seu amigo, Andrade não pagou apenas uma dívida pessoal, mas criou um registro fundamental do que significou viver num regime de exceção no Brasil.

 Rio – Vlado não traz novas revelações ou teorias sobre a morte de Vladimir Herzog. Não há testemunhos do ?lado de lá?, de militares ou autoridades da época. A principal contribuição do filme é reunir ?vivências?, como diz o diretor, de quem atravessou o período militar na oposição ao regime, e sobreviveu para contar o que viu. Enquanto a memória documental da repressão continua represada por carimbos de ?sigiloso? e ?confidencial?, a memória afetiva se exibe, dolorosa, no rosto de cada entrevistado, sempre esquadrinhado em close pela câmera de João Batista de Andrade:

?Eu não queria fazer entrevistas, dar explicações. Queria mostrar para as pessoas como foi viver sob a ditadura. Sou chamado muitas vezes para falar em escolas, e a minha fala é sempre totalmente pessoal. As pessoas precisam conhecer bem, entender o que significou aquilo.?

Numa espécie de prólogo que serve para justificar o filme, o diretor aborda pessoas de microfone em punho, perguntando-lhes o que sabem sobre Vladimir Herzog. Em frente à Catedral da Sé, onde 8 mil pessoas se reuniram em 1975 num culto ecumênico em protesto contra a morte do jornalista, a maioria dos entrevistados diz apenas ?não sei?. Quem conhece o nome tem idéias vagas. Vlado quer mostrar que a memória do assassinato de Herzog não deve ficar restrita a amigos ou estudiosos do período.

João Batista faz questão de lembrar que o amigo nunca fez parte de grupos guerrilheiros, nem partiu para a clandestinidade. Herzog tornou-se símbolo da luta pela abertura política no país não apenas por ter sido vítima das práticas de uma ala de militares que desejava, em vez da distensão de Geisel, um recrudescimento autoritário. Seu assassinato é, antes de tudo, a demonstração mais cabal de que a violência e arbítrio da ditadura não eram dirigidos apenas a quem estava disposto a pegar em armas para combater o regime. Herzog sempre defendeu a legalidade e nunca participou da luta armada. Ainda assim, foi preso, torturado e assassinado.

O trabalho de edição e entrevista é habilidoso e bem-sucedido em encontrar os pontos comuns entre as experiências dos entrevistados, e reuni-los para compor um painel dos momentos mais dramáticos vividos por toda uma geração. A seqüência em que, um a um, amigos de Herzog relatam como eles próprios foram detidos e torturados pelos homens do DOI-Codi é emocionante e aterradora.

Os métodos da repressão são descritos em detalhes: o capuz preto, de pano barato, que era usado pelos prisioneiros e tinha, segundo Paulo Markun, ?cheiro de medo?; o constante abrir e fechar de portas e soar de campainhas na prisão, que mantinha todos em estado de apreensão; a diferença entre os gritos de quem é espancado e de quem leva choques; a descrição dos métodos de um torturador específico, que gostava de empapar com amoníaco o capuz das vítimas, ao mesmo tempo em que lhes aplicava choques. 

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