Dan Stulbach estreia hoje ‘Morte Acidental de Um Anarquista’

As surpresas parecem não ter fim – ao entrar no Teatro Porto Seguro a partir desta quarta, 23, quando estreia a peça Morte Acidental de Um Anarquista, o público vai encontrar o elenco à sua espera. Ok, nenhuma novidade, visto que Denise Fraga já usou esse recurso nas suas mais recentes montagens, Galileu e A Alma Boa de Setsuan. Mas o melhor está por vir: antes do início do espetáculo, os atores Dan Stulbach e Henrique Stroeter mantêm uma rápida conversa com o público.

“Contamos o motivo de termos escolhido essa peça, fazemos um resumo do enredo, lembrando que se baseou em um fato real e, por fim, apresentamos seu autor, Dario Fo, e sua importância para o teatro”, conta Dan. “Nossa intenção não é a de subestimar a inteligência do público, mas a de ajudá-lo a aproveitar melhor essa experiência única proporcionada pela dramaturgia de Fo.”

Ao receber as pessoas na entrada e ter uma conversa preliminar – há, ainda, um convite para um debate pós-espetáculo -, o grupo segue fielmente um dos preceitos teatrais do autor italiano, hoje com 89 anos e detentor do prêmio Nobel de Literatura de 1997. “Buscamos desmistificar a figura da celebridade, que se mantém sempre distante do espectador comum, e ainda fazer a ponte com os assuntos tratados por ele na peça.”

Escrito em 1970, o texto de Morte Acidental de Um Anarquista tem o tom de uma farsa ao acompanhar um louco cuja doença é interpretar pessoas reais. Por causa disso, ele é detido por falsa identidade. Na delegacia, se passa por um juiz na investigação do misterioso caso do anarquista. A polícia afirma que ele teria se jogado pela janela do quarto andar. Mas a imprensa e a população acreditam que foi jogado. Na indefinição dos fatos, o louco engana a todos ao assumir diversas identidades e, brincando com o real e o irreal, desmonta o poder e acaba descobrindo a verdade encoberta por todos.

Fo se baseou em dois fatos verídicos para escrever a peça – em dezembro de 1969, ocorreu o assassinato de Giuseppe Minelli, membro de um círculo anarquista milanês. A polícia, que suspeitava ter sido ele cúmplice em atentados terroristas, informou que Minelli teria “se jogado” do 4.º andar da chefatura de polícia de Milão, algo semelhante ao que teria ocorrido com Salsedo, um emigrante italiano que teria “saltado” do 14.º andar da Policia Central de NY, em 1921.

A peça foi montada por Antonio Fagundes em 1982, um espetáculo à época catártico, pois, sete anos antes, o regime militar que dominava o País divulgou que o jornalista Vladimir Herzog havia “se enforcado” nas dependências do 2.º Exército, em São Paulo.

“Ao nos depararmos com o texto original, percebemos que ainda continua muito atual, especialmente por mostrar que nos acostumamos com os escândalos políticos que apenas se sucedem, quase sempre sem solução”, conta Stroeter, que ficou profundamente marcado ao assistir à versão liderada por Fagundes. “A começar pela atitude dele de ficar na bilheteria, recebendo o público já ali. Creio que foi depois desta montagem que me decidi pela carreira de ator.”

Assim, não foi preciso acrescentar tantos detalhes atuais, como Mensalão ou Lava Jato, à montagem para o público desfrutar de seu teor político. “É impressionante como Morte Acidental ainda é atual. É como se Dario Fo estivesse falando dos dias de hoje, principalmente no Brasil”, conta o diretor da peça, Hugo Coelho. “O que fizemos foi tirar as referências que só faziam sentido para os italianos e a realidade em que viviam nos anos 1970. A fábula, a história na nossa montagem continua intacta. O próprio Fo, a cada remontagem, fazia modificações.”

De fato, fiel à sua convicção de apresentar as ideias no palco antes de as colocar no papel, Dario Fo sempre “atualizou” o texto, que se tornou, por isso, flexível e de fácil adaptação para diversas línguas e realidades. “Quando jovem, estive em um dos encontros com ele no Brasil e percebi sua generosidade com o público”, conta Dan, que abraçou a ideia de montar Morte Acidental quando conversava despreocupadamente com Stroeter, durante um dos intervalos da bem-sucedida temporada de 39 Degraus, peça que esteve em cartaz por um bom tempo.

“Já em 39 Degraus, no qual a estrutura teatral estimula a imaginação do espectador, percebemos a importância dessa interação”, lembra Dan. Assim, decidiram realizar diversas apresentações que serviram como teste. Foram exatas 10 sessões, que ocuparam teatros do interior paulista e o próprio palco da Porto Seguro. “Foi essencial para testarmos a força dos momentos cômicos, polindo melhor os que não funcionavam e incrementando os que davam certo”, conta Stroeter.

O teste principal foram a apresentação antes do início do espetáculo e o debate após a encenação. Para satisfação do elenco, a participação foi efetiva e produtiva – a maioria das pessoas ficou maravilhada com a iniciativa, algo que Antonio Fagundes também promovia nos anos 1980.

Tal estímulo vem ao encontro do teatro provocativo e incômodo defendido por Fo. Em um de seus escritos, o dramaturgo italiano lembra: “Não queremos que os espectadores se sintam aliviados após o final do espetáculo e desabafem com um leve suspiro. A revolta em seu interior deve ficar onde também permanece a risada, no fundo da alma, na mente. A risada os protege do pior perigo que existe, a catarse. A diferença entre o teatro aristocrático e o popular está na seriedade sagrada de um e na cômica de outro”.

O elenco atual é formado por Dan (Louco), Stroeter (Delegado), Fernando Sampaio (Comissário), Riba Carlovich (Secretário de Segurança) e Maira Chasseraux (Jornalista).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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