Com percepção afiada da obra de Hatoum, diretor cria filme de poucas palavras

Guilherme Coelho revela uma compreensão afiada da obra de Milton Hatoum. “Creio que Órfãos do Eldorado seja o livro mais imagético da carreira do Milton. Ali, temos uma Amazônia sombria”, observa ele, logo completado pelo escritor. “É certamente o mais interiorizado. Como se trata de uma novela, ou seja, de tamanho ligeiramente menor que um romance, precisei ser mais conciso.” Guilherme buscou a linha mais forte da história que é a alucinação de Arminto, sua obstinação. Com isso, criou um filme de poucas palavras.

Esse era, de fato, o grande desafio do jovem cineasta: enfrentar uma prosa marcada por aspectos míticos e místicos, necessários para conduzir o leitor a uma profunda imersão na alma não apenas do personagem, mas principalmente de um lugar. “Meu desafio era transformar isso em ação sem ser maneirista ou formalista. Tudo era uma questão de tom. Dar um outro tom à Amazônia, dar um outro tom a uma história simples”, conta Guilherme, que descobriu o caminho ao definir primeiro o perfil de seu protagonista.

“Arminto é o anti-herói buckeriano, pois não apresenta uma motivação clara de suas intenções. Assim, escolhi fazer um cinema mais sugestivo, a fim de fazer o espectador imaginar o que está acontecendo”, explica o diretor.

Para isso, foi decisiva a escolha do elenco – e Guilherme confessa ter pensado em Daniel de Oliveira desde o início do processo. Para começar, explica, é um ator que esbanja empatia, fator essencial para se comunicar com o público. “Ao mesmo tempo, ele combina doçura e loucura na medida certa.”

Já Dira Paes trouxe a bagagem pessoal. “Isso foi imprescindível para delinear o personagem de forma adequada. E Dira é, ao mesmo tempo, profissional e intuitiva, pois sabe exatamente onde está a câmera e como deve se posicionar.”

Curiosamente, a história original nasceu também de um caso familiar. Milton Hatoum conta que ouviu do avô a trama que inspiraria seu livro. A partir do relato de um velho com fama de louco, o livro traz a história de um amor impossível cujo pano de fundo é a mitológica região amazônica.

É, de uma certa forma, uma narrativa verdadeira, pois o avô escutou a narrativa de um homem, em uma de suas viagens ao interior do Amazonas. Hatoum conta ter guardados pedaços da conversa, mas o que o impressionou foi a insistência de um homem em esperar pela mulher amada.

A história evoca também um mito amazônico, o da Cidade Encantada. Os nativos acreditam que, no fundo de um rio, existe uma cidade maravilhosa, onde as pessoas vivem em completa harmonia.

“Desde o princípio, eu queria fazer um ‘filme de rio’, em oposição a um ‘filme de mata’. A Amazônia é cheia de rios, e o rio é a fuga, o rio é cinema”, observa Guilherme que, documentarista de formação, descobriu o sabor de dirigir atores na ficção. “Descobri que a relação do diretor com os personagens de um documentário é análoga à relação com os atores em uma obra de ficção”, comenta. “É uma ligação de olho no olho, de integridade, de comunhão.”

Milton Hatoum também figura como ator, fazendo uma ponta no final do filme, como um barqueiro. “Foi justamente a primeira cena que rodamos, o que se tornou algo precioso, pois já contávamos com sua presença”, comenta Guilherme.

Curiosamente, não foi a estreia cinematográfica do grande escritor – em 1981, quando vivia na França, participou de um média-metragem dirigido por Ricardo Paranaguá, como conclusão de um curso de cinema. “Nunca vi como ficou o resultado final tampouco sei qual é o título”, diverte-se ele que, quando jovem, em Manaus, foi o crooner da banda Stepping Stone (nome retirado de uma das canções do grupo The Monkees), que se apresentava tanto em bailes de debutante como em festas na zona do meretrício. “Não sou ator, mas gostei de contracenar com Daniel.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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