Com a palavra, o paraninfo professor doutor Mário Braga de Abreu

Este discurso de paraninfo, proferido em dezembro de 1955, pelo professor Mário Braga de Abreu, foi reproduzido, em três partes, neste Jornal O Estado do Paraná, nas edições de 30/04, 7/05 e nesta edição de hoje. No momento em que se comemora o Centenário do inolvidável Profissional Médico Cirurgião e Professor de Medicina da UFPR e da PUCPR, certamente e com justiça, um marco na medicina paranaense, o conteúdo do discurso, excelente aula aos formados em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, merece criteriosa análise e reflexão, face à visão de futuro que expressa.

Conclusão:

?Se destacamos e nos referimos, em especial, ao ensino médico, é porque nos entrosamos dentro dele mais diretamente. Porém, não estaremos fora da realidade, adaptando considerações idênticas a todos os setores do ensino universitário. Os exemplos são de todas as profissões.

 A falta de objetividade e racionalização do ensino técnico e geral, e a técnica por excelência, é objetiva e racional. Afastados, por doutrina, ao chamado tecnicismo, não o confundimos com progresso técnico, que é fundamental à Nação, e julgamos que suas aplicações, mais humaniza o homem, mais acentua a personalidade humana e transforma o técnico, infundindo-lhe direito à dignidade, à livre escolha de liberdade, ao dever da moralidade, e à obrigação da solidariedade.? O homem fica superior ao seu instrumento, e se ele é especializado como técnico, recusa a ser especialista, como homem ?(Lê progres técnique et la personalité humaine Girardeau pág V Pref. Siegfried).

As nossas soluções não podem ser inglesas e nem norte-americanas. A nossa civilização é diferente. O nosso progresso é menor. Os nossos recursos técnicos e financeiros muito inferiores. Demos, portanto, aos nossos problemas as soluções que estão ao alcance da nossa capacidade; o que não podemos é deixar estes problemas agravarem-se continuamente, entregues ao abandono e à descrença geral.

O desajuste flagrante existente entre o progresso técnico e o ensino universitário, acabou por determinar uma orientação normativa, de caráter estatal, para sua eventual solução. Presenciamos, de algum poucos anos para cá, a constituição de algumas Universidades Federais, ao lado das Faculdades ou Universidades livres, o todo constituindo um amalgáma difundindo pelo Brasil, sem qualquer critério diretor, seja geográfico, seja mesológico. Este aspecto global da orientação, mostra que, em muito pouco, se modificou no âmbito nacional, a diretriz fundamental da programação do ensino Universitário, pois continua a possibilidade de formação de Institutos isolados, ou agrupados sob exigências mínimas, e de favor, com base na artimanha política, sem apresentar requisitos e fundamentos, e o tipo de Universidade Federal, atualmente multiplicada e se multiplicando, baseada no prestígio político.

Assim, os encargos se somam e, expressos em números, mostram um dispêndio enorme com o ensino técnico e superior. Porém pela sua dispersão, em ordem inversa da eficiência, porque não se caracterizou por qualquer sentido de necessidade regional e, principalmente, não cogitou de sistematização técnica, mas sim de sistematização burocrática. A Universidade Estatal, ou para-estatal, obedece, em seu conjunto, à ordenação dos bens públicos, e equipara os seus cargos à rigidez da máquina burocrática, com muitos direitos e poucos deveres. Ora, a carreira universitária não pode ser encarada e apreciada fora do seu feitio funcional, e a sua regra deverá ser, necessariamente, vocacional; o seu critério, o da competência, e as suas realizações materiais terão que ser norteadas para um aproveitamento que ultrapassa a compreensão da problemática comum da administração pública. A interferência estatal é compreensível e, com os nossos recursos, talvez mesmo necessária. Porém, é indispensável que não se acredite ser a universidade um simples departamento seccional da direção dos negócios públicos. A universidade é um organismo complexo, de conceito universal e nacional.

Já escrevíamos em 1940, e apesar de muitos anos vividos, parece-nos azado repetir: ?A Universidade é idéia e ato que se associam para concretização, não se medindo por diferença de importância, e só se a devendo compreender realizada e executada, na idéia do seu principio fundamental, refletida na educação nacional.

Um é aplicação; ato, portanto, dependente do País e seu povo, seu grau de civilização e recursos materiais, privados e públicos; outra é idéia, geral e universal, no conceito dirigente da realização!

É o ambiente que formará as elites, esta hoje tão malsinada palavra que, em seu verdadeiro sentido, não se antepõe homem-massa, mas representa, na realidade, o mesmo homem, na mesma sociedade, instruído e educado, no plano alto de todas as atividades humanas, com dignidade e com moral, para a finalidade do bem comum. Diríamos, talvez com acerto, que a instrução aperfeiçoa a inteligência e a educação se sobrepõe à personalidade.

O cultivo da inteligência prepara tipos variáveis de conformação intelectual: o descritivo que vê em extensão, repete com fidelidade, mas raramente conclui; o analítico, que sente as coisas e os fatos acumulados e associados, observa e compara, mesmo que sejam contraditórios, e eles se referem por conclusões, relaciona as causas, induz e deduz, e projeta a síntese. A educação marca o cunho da personalidade, domina o instinto, infunde princípios morais, cria o espírito de solidariedade e eleva as relações humanas.

Se acreditarmos, como Gilson que ?O ser é ato e bem? mostramos que ele pode agir como causa, e sugerimos, ao mesmo tempo, que ele contém uma razão de exercer este poder causal. Porque ser é agir e agir e ser. A habilidade pela qual o Bem se exerce, é, no caso de um inteligível, a livre manifestação da energia pela qual o ser existe.

O sentido das nossas cogitações estabelece um programa para cada um de nós, dificílimo, pois, sem dúvida, numa época como a atual, com sinais evidentes de decadência social e fim de civilização, quando se percebe, como nas fases mais trágicas da civilização cristã, a derrocada da moral natural, a destruição paulatina do profundo significado da família, o abuso desordenado da riqueza, o requinte do luxo, imediatismo do gozo material, e a fuga do sacrifício individual e coletivo.

Podemos e devemos reagir contra esta difusão e generalização, que deturpa e penetra subrepticiamente, os indivíduos e as instituições, e que faz esmorecer os melhores, como a dizer que nada adianta de nada.

É o mundo que devemos viver, mas o homem faz o seu destino e exerce influência pelas idéias e pelos atos.

Estamos ainda convictos que possa ser diferente, caros amigos, e se este problema for o problema de todos, a sua solução será uma reação lenta e certa, com natural reflexo para o bem pessoal, social e nacional.

Ary de Christan Membro Fundador da Academia Paranaense de Medicina

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