Cenografia de Ciranda de pedra reproduz São Paulo da década de 50

No final dos anos 50s, São Paulo crescia a passos largos e apressados. Acelerada e cada vez mais cinzenta, a cidade era o maior pólo industrial no Brasil em 1958 e já contava com milhares de imigrantes de diversas regiões do País, que chegavam para trabalhar nas fábricas. Simultaneamente ao desenvolvimento tecnológico, São Paulo efervescia culturalmente com a criação de cinemas, teatros e cafés no bairro de Vila Mariana.

Foi nesse clima de euforia, embalado pelo slogan ?50 anos em 5? de Juscelino Kubistchek, que a cenógrafa May Martins idealizou a cidade cenográfica de Ciranda de pedra, da Globo. A trama de Alcides Nogueira, que se passa em 1958, pretende retratar da forma mais crível possível o destaque que a cidade adquiria como a maior do País. ?Em cada construção, penamos na idéia da metrópole engolindo as pessoas. Por isso, muitos prédios têm pé direito duplo?, explica May.

A própria cidade cenográfica da trama também foi construída em dose dupla. O espaço de 6 mil m² no Projac foi dividido para ambientar dois bairros onde se desenrolam grande parte das cenas da história: a Vila Mariana e o Centro de São Paulo. No primeiro, a equipe de May, composta por 13 arquitetos, construiu fachadas de cinema, lojas de roupas, casas de doces e uma pensão. ?Optamos pela Vila Mariana porque era um bairro que florescia culturalmente e que representa bem a classe média da época?, argumenta a cenógrafa.

O mais trabalhoso, segundo May, foi mostrar a agitação do Centro de São Paulo na época. Para representar a movimentação de cruzamentos do bairro, uma equipe gravou centenas de cenas produzidas com figuração com roupas e acessórios da época em diversos horários do dia. Essas imagens serão inseridas num painel de ?chroma key? de 28 m de largura por 12 m de altura. Outra preocupação de May foi planejar ruas largas na cidade cenográfica, onde os espaçosos automóveis da década de 50 pudessem circular e manobrar com facilidade. ?Fizemos um milagre. Tudo foi construído em 50 dias após conversas com historiadores e uma vasta pesquisa sobre a época?, orgulha-se May.

Para os interiores, grande parte do mobiliário foi aproveitado da minissérie Queridos amigos, que exibia referências de móveis modernistas. Segundo a cenógrafa, 70% dos móveis da novela foram garimpados no acervo da emissora e restaurados, enquanto 30% das peças foram compradas em brechós ou foram fabricados para a trama. Para tentar dar mais credibilidade aos ambientes, o mobiliário da época foi misturado com peças mais antigas, menos datadas. ?É difícil encontrar móveis da época em bom estado porque eram muito frágeis. Estávamos na moda dos pés palito. Mas tomamos cuidado para não colocar tudo da década de 50 e não cair na caricatura?, exemplifica May.

Já a fachada dos prédios, todos erguidos com estruturas de madeira, também não apresentam apenas a arquitetura modernista do período. A influência do modernismo foi diluída com referências de linhas art decó e com uma visível mistura de estilos que aproxima os cenários da antiga São Paulo de 50 anos atrás. No entanto, May acredita que essas estruturas utilizadas nas cidades cenográficas ainda são arcaicas. Sua intenção é começar a desenvolver estruturas em aço para a fabricação das fachadas, que são mais rápidas para montar e apresentam melhor acabamento, essencial para a transmissão digital. ?Criamos novas soluções e nos sofisticamos para que o resultado fique mais próximo da realidade?, valoriza a cenógrafa, que começou a trabalhar na Globo em 1981, quando foi contratada como cenógrafa assistente de As Três Marias, dirigida por Herval Rossano.

De lá para cá, May assinou a cenografia de tramas como Era uma vez, Coração de estudante, A muralha, Belíssima e Pé na Jaca, entre outras. ?Cada cidade vira um filho que a gente embala e põe na vida?, valoriza.

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