Antropologia do sul do Brasil é contada em livro

O livro Memória da antropologia no sul do Brasil tem como autores Cecília Maria Vieira Helm, da UFPR – Universidade Federal do Paraná, Sérgio Alves Teixeira, da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Silvio Coelho dos Santos (org.), da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. A idéia da publicação surgiu das comemorações dos 50 anos da ABA – Associação Brasileira de Antropologia, que se realizaram, em 2005, em diversas cidades do Brasil, inclusive em Curitiba-PR.

O livro foi lançado na 25.ª RBA – Reunião Brasileira de Antropologia, em 11 de junho de 2006, em Goiânia-GO, ?presidida pela professora dra. Mírian Pilar Grossi, da UFSC, então presidente da ABA, cuja gestão caracterizou-se pela atuação dinâmica, pela realização de diversos eventos e iniciativas, como o apoio à publicação do livro?, comentou Helm.

No segundo capítulo, Cecília Helm interpreta a história da antropologia no Paraná de 1950 a 1990. Destaca que ?o fundador do Departamento de Antropologia no Paraná, dr. José Loureiro Fernandes, foi um dos criadores da ABA, no Rio de Janeiro, em 1953, quando começaram as reuniões para discutir a organização de uma associação?. Em entrevista, Helm dá outras informações:

Zélia: Você se empolga ao escrever a respeito do antropólogo José Loureiro. Além de inaugurar o Departamento de Antropologia, em 1958, de especializar-se em Antropologia Física, de elaborar pesquisas entre os caingangues e os xetás, de dar contribuições em diversas áreas do conhecimento antropológico introduzido na Universidade do Paraná, na década de 50, nos cursos de História/Geografia e Ciências Sociais, como relata o livro, o que o faz tão especial?

Continuidade das pesquisas
de José Loureiro Fernandes,
Oswaldo Rodrigues Cabral e
do padre Balduíno Rambo.

Cecília: Além de ilustre professor e fundador da cátedra de Antropologia na Universidade do Paraná, o antropólogo ancestral no sul do Brasil era um cientista; realizou cursos na França em Urologia e Antropologia; convidou vários mestres estrangeiros para ministrarem cursos na então Universidade do Paraná; criou o CEPA – Centro de Estudos e Pesquisas Antropológicas; organizou o MAE – Museu de Arqueologia e Etnologia, localizado na cidade histórica de Paranaguá, e dirigiu o Museu Paranaense, entre outras atividades.

Zélia: Você descreve que Loureiro é responsável por suas primeiras lições em Antropologia e por sua boa formação na graduação em Ciências Sociais na UFPR. Como isso ocorreu?

Cecília: O dr. Loureiro me convidou para ser auxiliar voluntária de ensino em 1960; apoiou meu pedido para realizar o curso de especialização em Antropologia Social no Museu Nacional da então Universidade do Brasil, em 1962, no Rio de Janeiro, em curso e trabalho de campo dirigidos pelo professor emérito dr. Roberto Cardoso de Oliveira. Fui contratada em abril de 1963. Também o prof. Igor Chmyz foi aluno e assistente do prof. Loureiro Fernandes, e foi convidado a dirigir o CEPA, depois de Loureiro Fernandes em cuja direção permanece até os dias de hoje.

Zélia: Uma das fotos que ilustra a capa do livro, diz respeito a seu trabalho de campo junto aos caingangues no Paraná, trata-se de uma caingangue sendo entrevistada. Sempre trabalhou com os povos indígenas?

Cecília: Sim. Inicialmente preocupava-me com as relações de contato entre índios e não-índios, com os freqüentes conflitos e a espoliação das terras indígenas. Escrevi duas teses de livre-docente e prof. titular, que trataram sobre os caingangues; o primeiro censo dos caingangues no Paraná foi realizado por mim. Treinei diversos alunos em pesquisa de campo por valorizar essa experiência. Criei o curso de especialização em Antropologia Social na década de 1970. Realizei meu pós-doutorado em CIESAS – Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social na Cidade do México em 1979-80.

Vista do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR em Paranaguá, 2000. Acervo: Cecília Helm.

Zélia: Como avalia o trajeto do curso de mestrado na UFPR, o atual PPGAS – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social?

Cecília: Apesar das dificuldades iniciais, hoje o curso conta com antropólogos doutores que obtiverem seus títulos em universidades distintas; estão contribuindo para o desenvolvimento da antropologia e têm boa produção acadêmica. A antropologia, nas décadas de 50, 60, 70 e 80, na UFPR, era a disciplina forte do Curso de Ciências Sociais. Assumi em 1963 a Antropologia Social e a Etnologia Indígena. Temos excelentes produções, como a revista Campos da UFPR, entre outras: a Revista de Antropologia da USP – Universidade de São Paulo; Horizontes Antropológicos, editada pelo PPGAS da UFRGS; Ilha, do PPGAS da UFSC, e o Anuário Antropológico publicado por Tempo Brasileiro.

Zélia: Por que participar da produção deste livro é particularmente importante?

Cecília: Porque ao me aposentar, em 1990, pensava em escrever a história que conheço e a experiência que tive com o professor Loureiro Fernandes. Eu tinha quase 30 anos de vida acadêmica para revelar e documentar sobre o departamento de Antropologia, a atuação dos professores ancestrais e aqueles que nos visitaram e deram cursos no departamento, no Museu de Arqueologia e Etnologia e no CEPA.

Zélia: Nos últimos anos você tem produzido laudos antropológicos, como a perícia antropológica sobre as terras indígenas sub judice de Mangueirinha, que foi realizada em 1995-6 e que, em 2005, recebeu do dr. Juiz Federal da 7.ª Vara Cível a sentença judicial favorável aos caingangues e guaranis da Terra Indígena Mangueirinha-PR. O CNPq -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico  – lhe dá algum tipo específico de incentivo?

Cecília: Com o apoio de uma bolsa de produtividade científica, realizo ainda pesquisas sobre os povos indígenas no Paraná. Meu atual projeto trata da importância da perícia antropológica e faço comparações sobre as perícias realizadas. Tenho participado das reuniões do conselho da ABA, fui vice- presidente, recentemente, da Associação Latinoamericana de Antropologia. A antropologia no Paraná é respeitada pela comunidade nacional e internacional e tem contribuído para o desenvolvimento do campo antropológico.

Cecília Helm prestigia o leitor com a emoção da narrativa de informações antropológicas do Paraná: ?Sinto-me feliz por me dedicar à Antropologia Social e à Universidade do Paraná. Fiz dessa atuação uma história de vida. Até hoje não abri mão de estar em contato com os antropólogos, meus caros colegas, e com os povos indígenas?.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

zeliabonamigo@terra.com.br

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