Ana Botafogo, na ponta dos pés

d13.jpgAna Botafogo, primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio mostra sua habilidade como atriz na novela Páginas da vida, de Manoel Carlos, exibida pela Rede Globo. O papel tem tudo a ver com ela. Ana é Elisa, uma professora de balé – aparentemente simples, mas nem tudo é o que parece. ?No começo sofri muito. Uma coisa é ter tempo para ensaiar. Levamos meses preparando uma coreografia. Horas de preparação. Já na televisão tudo é muito rápido. Você ensaia e em seguida vai para o estúdio gravar??, diz. A modesta atriz interpreta com naturalidade e leveza, assim como atua nos palcos.

(AE) ?Eu nunca pensei em fazer televisão, que tem um lado assustador e ao mesmo tempo maravilhoso. Usar a palavra, o texto, para mim é novidade. Acho difícil conciliar o tom e a altura da voz de maneira correta. Cada capítulo, para mim, é um aprendizado, esse é o lado fascinante. Meus grandes professores são os atores e atrizes com quem contraceno. A novela é mais um dos desafios dessa artista brasileira de carreira invejável. ?Nunca me fechei diante de novos desafios.? Não mesmo. Ana já desfilou duas vezes em escolas de samba do Rio. Sambou nas sapatilhas de ponta em carros alegóricos. Também apresentou um espetáculo ao lado de Carlinhos de Jesus, no qual a dupla misturou a dança clássica com a popular.

Parte da vida dessa mulher forte e sensível está registrada nas páginas do recém-lançado livro Ana Botafogo, na ponta dos pés (Editora Globo, 136 páginas), baseado nas entrevistas concedidas a Leda Nagle e Dalal Achcar e com prefácio da cubana Alicia Alonso. Uma obra biográfica, que ao mesmo tempo tem a intenção de despertar o interesse de jovens bailarinos e animá-los diante das adversidades da profissão, que não são poucas. ?A idéia do livro partiu do meu empresário, Marcus Montenegro. Eu não me prendo somente a comentar os balés que dancei ou os teatros onde me apresentei, mas também compartilho os meus sentimentos, a minha maneira de ver a vida, o cotidiano de uma bailarina, os meus medos, as minhas decepções e os meus amores?, conta.

?Comecei a dançar muito cedo, aos 7 anos. Pouco lembro da minha vida sem a dança. Impossível separar a minha vida pessoal do balé.? A dança entrou na vida da pequena Ana Botafogo como parte da sua educação, assim como a natação e a escola. A moça chegou a ingressar no curso da Letras em uma Universidade no Rio, mas a paixão pelo palco a fez mudar de idéia e abandonar os estudos. Bastou um convite do tio, José Botafogo Gonçalves, na época ele era o primeiro-secretário da embaixada do Brasil em Paris. O que seria um mergulho na cultura européia, transformou-se no primeiro passo de uma sólida carreira profissional.

Em Paris, a jovem bailarina ingressou na academia Goubée, para ter aulas com a brasileira radicada na França, Ivone Meyer. ?Não podia ficar sem as aulas.?? Pouco tempo depois, soube que o Balé de Marseille, dirigido por Roland Petit, abrira vagas para a contratação de bailarinos profissionais. Sem grandes pretensões, a jovem participou de todas as fases da audição e conquistou a vaga. Um rebuliço na família. ?Meus pais sempre me apoiaram muito, deixaram de fazer muitas coisas para que eu pudesse ir aos ensaios, para que eu seguisse minha carreira.? Não foi em vão que o primeiro capítulo do livro é dedicado à família. ?Família é essencial, um suporte, uma referência, uma enorme influência sobre nossa vida?, escreve. Um verdadeiro conselho familiar se instalou e obviamente todos apoiaram a jovem a seguir seu caminho.

As frustrações

Aos 18 anos, Ana passou a viver longe da família e assinou seu primeiro contrato profissional. Com o Balé de Marseille dançou Copélia em Paris, além de excursionar por vários países europeus Fim do contrato, a jovem optou pelo aperfeiçoamento. Estudou em Cannes e depois tentou seguir carreira em Londres, onde vieram as primeiras frustrações: foi impedida de dançar no Internacional Ballet e de participar das audições do London Festival Ballet. ?Sou de uma família católica praticante, estudei num colégio católico, e desde pequena acredito que, não importa a religião, a fé nos faz transpor barreiras. Naquele momento, sozinha na Europa, longe do convívio da família, a fé me ajudou a superar os muitos momentos de saudades, os muitos momentos de angústia. A fé me fez ter confiança em mim mesma?, destaca no livro.

Não foram poucos os momentos de angústia. Ana descreve com discrição, sem deixar os sentimentos de lado, grandes perdas como a de Graham Bart, seu primeiro marido, que morreu afogado, e de Fabiano Marcozzi, seu segundo marido, vítima de acidente vascular cerebral. ?Tive dois maridos, em diferentes fases da minha vida, e ambos foram meus melhores amigos, as pessoas em quem eu mais confiava, com quem eu podia discutir tudo, sem segredos (…) Os dois homens da minha vida foram maravilhosos e importantes na época em que os encontrei. Graham me deu confiança para crescer na profissão, e Fabiano me deu confiança em tudo o mais?, registra.

Dor

Para superar a dor, a dança. Principalmente nos momentos delicados da vida, a concentração que o balé exige desvia a atenção dos problemas. Ao mesmo tempo, é preciso frieza para entrar sorrindo e encarar a platéia. Profissionalismo é uma marca de Ana Botafogo. ?As pessoas acham que ser bailarino é simplesmente sair por aí dançando. A realidade é bem diferente. A vida de uma bailarina é marcada pela renúncia. Dediquei minha adolescência aos ensaios e aulas, abri mão de muitas coisas para alcançar meus objetivos?, diz. Para ela, dançar é uma cerimônia, quase um ritual. Começa arrumando o cabelo. Veste a malha, faz aula durante uma hora para aquecer a musculatura. Faz a maquiagem, calça as sapatilhas e apenas cinco minutos antes de começar o espetáculo veste o figurino. ?Eu optei por fazer a minha carreira no Brasil. Para mim, dançar, além de ser minha profissão, é um prazer, uma alegria e quando estou no palco esqueço de tudo.??

Fim

A parte final do livro é dedicada aos jovens bailarinos. Fala dos medos comuns, como o de se machucar. Também comenta alguns tabus, como o de dançar após os 40 anos. E o livro vem acompanhado de um CD com músicas inéditas específicas para aulas de balé. ?Como muitas academias não possuem pianistas para fazer o acompanhamento, as músicas deste CD vão ajudar muito e são próprias para cada passo específico. Um bailarino profissional não pára nunca de aprender.??

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