A paixão que rola pelo mundo

Um garoto pode ser magro ou gordo, alto ou baixo, fraco ou forte, feio ou bonito, pobre ou rico, mas – a maioria dos garotos do mundo – tem dentro do peito o enorme desejo de ser bom de bola. Um craque. Jogar num time grande. Quem sabe, na seleção de seu país. Como isto não é possível para todo mundo, o desejo acaba sublimado pela admiração a um verdadeiro craque, que faz em campo as coisas que ele gostaria. Admiração que leva o garoto a torcer para um time. Está criada a relação que vai durar a vida toda e sobrevive a namoradas, casamentos, amigos e até religiões e partidos políticos. Porque, como disse o escritor uruguaio Eduardo Galleano: ‘Em sua vida, um homem pode mudar de esposas, partidos políticos ou religiões, mas não muda
seu time de futebol favorito’.

Ainda que poucos garotos se tornem jogador profissional e entre estes um número ainda mais reduzido seja craque, os excluídos não desistem. Passam o resto da vida fingindo ser o craque que podiam ter sido, em casa, no clube, no churrasco da empresa ou em campeonatos cheios de gordos e velhos. Mesmo que o cara se dê bem na vida, que vire líder de banda inglesa, seja heptacampeão mundial de fórmula 1, astro de cinema, padre italiano ou presidente do Brasil. Ele vai dar um jeito de mandar um recado: olha o craque que o mundo perdeu.

O futebol faz o sujeito ser jovem o resto da vida, coisa que nenhuma dona faz. Um homem bate nos setenta e sente calafrios de encarar uma gostosona, mas nunca vai ter medo de encarar uma bola. Ela sempre será sua amiga íntima. E só vai abandoná-lo na morte. Nem as namoradas mais fiéis seriam capazes de coisa assim. O futebol é isso. A segunda alma de milhões de homens no planeta – e agora também de milhões de mulheres. Para quem acha que futebol é coisa de homem, vai um alerta. É coisa de mulher. Também.

De mulher boa de bola. O primeiro jogo feminino internacional foi disputado em 1920 entre França e time de operárias da fábrica de locomotivas Dick, Kerr & Co, em Preston, Inglaterra. Mulherada fera. Deu um cacete nos homens da fábrica. E arrecadava dinheiro para soldados feridos na Primeira Guerra Mundial. Atualmente, 26 milhões de mulheres jogam futebol – nos Estados Unidos e China lideram o avanço do esporte. Querem mais? Para quem acha que só tem mulher feia no futebol, dê uma conferida nas senhoritas Corine Franco (França), Madeleine Giske (Noruega) e Johana Almgren (Suécia). A última fez o dentuço Ronaldinho Gaúcho perder estribeira e pedir a dona em casamento sem saber falar sueco.

Futebol é uma das coisas mais importantes do mundo. Quer ver? A Fifa (instituição mundial criada em maio de 1904 para coordenar entidades de futebol) possui mais nações ou territórios filiados que a ONU (principal organização política planetária). São 210 contra 192. O maior evento mundial de um esporte é a Copa do Mundo, de quatro em quatro anos, depois de eliminatórias em todos os continentes. Este ano será na África do Sul. O futebol virou negócio bilionário. Um sujeito normal – neuróticos odeiam futebol – só não vive o futebol 24 horas por dia, porque um sujeito normal também dorme. Então ele sonha. Sonha que é o maior craque do mundo, líder da seleção. Duro é acordar. Football, soccer, fussball, futbol, voetball, em todas as línguas é a mesma coisa. Para muitos o maior jogo da terra. O mais democrático, o mais socialista, o mais monárquico. O único cujo rei é respeitado em todos os países. Pelé. O nosso King Black. Ricos e pobres praticam, meninos e meninas, jovens e velhos. Não precisa equipamento. Só uma
bola. Energia e emoção.

Futebol gera filósofos. Fora e dentro do campo. Ex-dirigente do Liverpool FC, Bill Shankly confessou: ‘Alguém disse: o futebol é mais importante que a vida e a morte para você. E eu respondi: ouça, é mais importante que tudo isso’. Quem gosta de futebol não tem medo de exagerar. Roger Mila, lendário jogador de Camarões entoou: ‘Graças ao futebol um país pequeno pode se tornar grande’. O ex-treinador da seleção irlandesa, Edin Hand, revelou uma crueldade do esporte: ‘Existem duas certezas na vida: as pes,soas morrem e os treinadores são demitidos’. O mexicano Hugo Sanches, treinador e ex-atacante, mandou ver: ‘Quem inventou o futebol devia ser adorado como um deus’.

O sereno Franz Beckenbauer, um dos maiores jogadores de todos os tempos, treinador e dirigente alemão, disse: ‘O futebol é um dos melhores meios de comunicação do mundo. É imparcial, apolítico e universal. O futebol une as pessoas ao redor do mundo todos os dias. Jovens ou velhos, jogadores ou torcedores, ricos ou pobres. O jogo torna todos iguais, incita a imaginação, deixa as pessoas felizes ou as deixa tristes’. Sim. O futebol é isso. Como diria Bill Shankly, mais que isso. O sujeito pode esquecer as namoradas da juventude, mas não aquele gol – o único belo gol que fez na vida, embora seus colegas jurem que foi muito esquisito.

‘Aquele gol que marquei devia entrar para a história’. Existem bilhões de gols assim. Que mereciam entrar para a história. Futebol é coisa de louco. Louco por futebol. E ninguém sabe como esta mania nasceu. Ou será religião? Otto Pfister, treinador de Gana, campeã mundial Sub-17 em 1991, sentenciou: ‘O futebol não é simplesmente o esporte mais popular em Gana, é uma religião’. Jogos parecidos foram encontrados em várias civilizações antigas como chinesa, grega e romana. Mas as regras variavam, do número de jogadores ao manuseio da bola e tamanho do gol. O primeiro jogo com pessoas chutando uma bola foi o cuju chinês, popular no século II a.C. O sujeito chutava a bola de couro por um buraco num tecido de seda suspenso por duas varas de 10 metros.

Disputado no ano 600, o Kemari japonês descende do cuju chinês. O objetivo é manter a bola no ar. Neste jogo, todos cooperam, não há vencedores nem perdedores. O futebol como conhecemos era popular na Europa na Idade Média. Mas era uma bagunça coletiva, entre cidades ou aldeias vizinhas. No século XVI o futebol era jogado nos internatos ingleses. O diacho era que cada instituição fazia as suas regras dificultando partidas entre escolas. Quanto às bolas, as primeiras eram bexigas de porco sopradas ou peles recheadas com pasta ou serragem. No século XIX e início do século XX, as bolas foram produzidas com bexigas de animais, envoltas em couro.

O certo é que no final do século XIX, a popularidade do futebol teve um boom. Virou febre. A partir de 1881, os times passaram a usar uniformes. Os britânicos espalharam o esporte pelo mundo. Primeiro a Europa, depois América do Sul, América do Norte, África e Austrália e Ásia. Em 1885, os amadores talentosos viraram profissionais remunerados. Ligas e copas foram organizadas e os jogos atraíam multidões. Em 1901, mais de 110 mil pessoas viram a final do campeonato inglês entre o Tottenham Hotspur e o Sheffield United.

Os uniformes também mudaram muito de 1880 a 2010. De calções compridos com meias até os joelhos e camisetas de malhas passaram a tecidos leves que ostentam marcas famosas com as quais os clubes mantêm contratos de patrocínio, um grande negócio. A maioria dos times possui ao menos três uniformes que mudam a cada temporada, de olho num lucrativo comércio de camisas oficiais. Os clubes viraram grandes empresas.

Mas se o futebol virou grande negócio, ninguém pode negar que é um negócio movido por paixão que nunca acaba.

Serviço:
Futebol 10
152 pags. RS$ 49,90
Editora ARX

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