A Paixão de Cristo está bem longe de paz e amor

Existem diversos aspectos que podem gerar, ainda por outros dois mil anos, controvérsias, debates, dúvidas, discórdia e fé, no filme de Mel Gibson sobre o último dia de Cristo no planeta Terra. Líderes católicos pelo mundo afora acharam A Paixão de Cristo violenta, embora, no fundo, gostem do enfoque de Gibson. Judeus reclamam que não têm nada a ver com a história, porque um certo Concílio do Vaticano decidiu assim nos anos 60, para evitar o anti-semitismo, que ainda transpirava depois da então recente guerra mundial.

O fato é que Jesus Cristo, mesmo vinte séculos depois, ainda é o maior homem que viveu por aqui, tanto para aqueles que acreditam nele como sendo o salvador, como para os que não fazem a menor questão de saber quem foi o chamado Messias. Somente para citar um exemplo, Jesus dividiu a história da humanidade entre antes e depois dele.

O filme é ruim. Mel Gibson possui suas crenças, pesquisou os evangelhos e historiadores da época, tentou reproduzir os detalhes beirando o máximo da fidelidade e ainda teve a pretensão de criar um clima, iluminação, digamos, parecido com arte barroca. Campo difícil de se engendrar, assim sem mais nem menos, isto é, sem técnica e talento.

O fato é que se faz cinema com um bom argumento, um roteiro adequado a ele, técnica, um bom fotógrafo, casting e muito trabalho nas filmagens. Em seguida vem o toque final, que é a essência cinematográfica: a montagem e edição. Mas, acima de tudo, é preciso contar uma boa história. Gibson tinha a melhor e mais conhecida história da humanidade nas mãos. E o que ele fez? Produziu um documentário. Pior, o filme A Paixão de Cristo está mais para noticiário ao vivo de guerra, ou de explosão de bomba, ou ainda de terremoto, com repórter e câmera ao vivo via satélite. Faltou trama, faltou ligação, faltaram algumas justificativas ao filme. Desse ponto de vista, a produção acaba se tornando um tanto arrogante, como se Gibson dissesse “foi isso, aceitem e enfiem garganta abaixo”. Detalhe: segundo a Bíblia, Jesus sofreu mesmo e foi agredido mortalmente por soldados e fanáticos da época. Fazia parte das profecias do antigo testamento.

Quase todas as cenas do filme lembram uma produção de documentário, ao melhor estilo Discovery Channel ou BBC. Em cada take, em cada cenário, parece que surgirá a qualquer momento um repórter para fazer a passagem e explicar o delito cometido por rabinos judeus e soldados romanos. Ou, talvez, um narrador para contar em off a matéria. Mesmo os flashbacks – que mostram momentos brilhantes de Jesus na terra, pregando o amor e o reino -, lembram matérias jornalísticas.

É importante salientar que 90% da população brasileira é formada por cristãos, que podem se interessar pelo assunto. Apenas 0,06% são judeus. Uma coisa é certa: o filme acusa os rabinos da época e mostra como os romanos exerciam o poder com violência. Mas não é anti-semítico. O que está feito, está feito.

Críticos e religiosos, público e especialistas podem falar o que desejarem de A Paixão…, que pode ser tudo, um documentário, uma matéria para um programa de televisão, uma ode ao ego do Mel Gibson, um capricho dos radicais católicos. Só não é um filme segundo o manual do cinema.

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