A imagem em discussão

Um interessante evento toma conta de alguns dos mais importantes espaços expositivos de Curitiba desde outubro. Com o objetivo de fundir numa só e grandiosa ação as principais exposições de artes visuais locais – a Mostra de Gravura e a Bienal de Fotografia – e promover uma investigação acerca da exploração de novos meios de criação pela arte contemporânea, foi idealizada a mostra Imagética, que reúne trabalhos de mais de uma centena de artistas. As mostras estarão em cartaz até o dia 18.

Todos os artistas têm em comum o uso de meios associados à idéia de reprodutibilidade da imagem. Mas há uma divisão importante no grupo. De um lado, está o grupo majoritário, formado por artistas que desenvolveram importantes trabalhos usando a gravura, a fotografia (reunidos em exposições de caráter retrospectivo em cartaz no Memorial de Curitiba) ou vídeo (uma mostra bem diversificada foi preparada para a Cinemateca da cidade). Mas o núcleo propositivo, aquele que justifica seu caráter investigativo e promove interessantes diálogos entre gerações e poéticas distintas, explora diversas dessas linguagens.

A idéia da equipe curatorial, coordenada por Ricardo Ribenboim e formada por Ricardo Oliveros, Ricardo Resende e Eduardo Brandão, era mostrar a produção de artistas pautados por um certo desconforto, uma necessidade de incorporar novos processos, passar de um meio a outro de maneira rica, mas não limitadora. Tanto que eles evitaram a todo custo segmentar os trabalhos em função das mídias usadas. Aliás, foram ainda mais longe e só incluíram trabalhos que exploram e congregam diferentes técnicas.

Uma artista paradigmática dessa exposição é Rosângela Rennó, que transita sem nenhuma cerimônia por tudo que tem relação com a imagem, lança mão de fotos alheias para criar sua própria poética, funde imagem e texto para potencializar significados num trabalho profundamente instigante. Outro nome de grande força na mostra é Paulo Brusky. O artista pernambucano é, talvez, o mais revolucionário do time e está quase em todos os núcleos do evento, com obras que, às vezes, deixam um pouco a desejar em termos de conservação.

Para facilitar a montagem do segmento mais contemporâneo em quatro espaços distintos, as obras foram divididas em função de temas predominantes. A separação em núcleos relativos ao corpo, a relação com a paisagem é confusa e um tanto artificial, já que (felizmente) esses artistas também cruzam sem-cerimônia as fronteiras temáticas, da mesma maneira que não se atém aos limites da técnica.

Contradição

É difícil explicar por que o belo trabalho tecido em arames dourados por Rosana Monnerat está num núcleo supostamente dedicado à paisagem, a não ser pelo fato de que ele casa muito bem com o cenário mais solene do Solar do Barão e mantém um belo diálogo com outras obras do local, como a instalação de Lucia Koch, em sintonia fina com a arquitetura desse antigo prédio, que merece um trabalho de restauro. Usando apenas luz e vidros coloridos, ela promove uma impactante ação.

A luz, aliás, é uma arma extremamente importante para esse pool de artistas. Ela é a matéria-prima direta de artistas como Regina Silveira, Carmela Gross e Mario Ramiro e também está presente na instalação de Luiz Henrique Schawnke, que associa uma imagem de Caravaggio a espetos de churrasco. Infelizmente, a obra do artista paranaense homenageado pelo evento foi desvirtuada pelos familiares. O afastamento dos espetos para ampliar a dimensão da obra, modificando projeto deixado pelo artista antes de morrer, acabou por diluir seu impacto.

Espírito conservador é predominante

É curioso notar que predomina nos trabalhos reunidos na mostra um espírito bem-comportado. Há, é certo, algumas obras mais irreverentes ou provocativas, como as fotos de Cris Bierrenbach. Há também alguns poucos que sabiamente tiram seu trabalho da redoma protetora do mercado e das instituições, como Monica Nador, mas não se sente em toda a exposição nenhuma pretensão de transformar a realidade com o fazer artístico.

Um trabalho que parecia indicar maior diálogo com as ruas ruiu na abertura do evento. Durante a noite, Marcelo Cidade havia feito uma performance intitulada Escola Pública, que consistia em pichar e posteriormente recobrir de branco uma pequena sala do Moinho Novo Rebouças. A ação – imitando a roda sem fim de destruição/criação dos espaços públicos das grandes cidades -, foi filmada para depois ser exibida ao longo da exposição no mesmo local. No entanto, um pequeno grupo de convidados resolveu continuar o trabalho por conta própria e de forma sorrateira, pichando novamente a sala e irritando profundamente o artista, que se julgou o detentor de uma cena corriqueira nas grandes metrópoles, só porque teve a idéia de levá-la, assinada, para dentro de um grande evento.

Dilema

Esse caso emblemático serve para mostrar uma das questões que a curadoria julga relevantes de pôr em discussão nesse início de século: as implicações profundas da reelaboração artística do infinito arsenal de imagens com o qual lidamos todos os dias, e as dificuldades em definir questões como propriedade e autoria. Não é à toa, aliás, que vários dos trabalhos apresentados tenham sido criados em parcerias. As referências estão esgarçadas e os padrões contaminados por questões alheias ao circuito da criação artística. ?Estamos falando de ética?, resume Ribenboim, explicando com essa frase o título e o intuito da mostra.

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