A ciência e o Jornalismo Científico

Poucas pessoas ousam negar que a ciência não exerce enorme poder espiritual nas sociedades atuais. A ciência se impôs na modernidade como saber dominante. É evidente que os outros conhecimentos permanecem e continuam se desenvolvendo, como as sabedorias tradicionais e os saberes religiosos, mas, na modernidade, a sociedade tecnocientífica naturalmente tende “a desqualificar esses saberes, a considerá-los inferiores ou simplesmente pseudo-saberes”. (Japiassu, As paixões da ciência, 1999, p. 8). Sendo assim, exerce a função de dona da verdade. A ciência é um conjunto de atividades humanas inseparável das outras atividades. Participa da história de nossas sociedades, sendo portadora de traços nobres e hediondos, ou seja, ela não é neutra, como muitas vezes apregoam os cientistas.

Depois de críticas feitas por Nietzsche, Marx e Freud, que contribuíram para desmitificar a prática antes existente, que apregoava que a ciência em si mesma não tinha poder, e de muitos outros, que criticaram sua submissão ao capital, os filósofos da Escola de Frankfurt afirmam que o laboratório de ciências da atualidade é contraditório, pois a ciência “é altamente monopolística, mundialmente desorganizada e caótica, mais rica do que nunca e, ainda assim, incapaz de remediar a miséria.” (Horkheimer, Teoria crítica, 1990, p. 11)

Em 1919, o New York Times publicou vários editoriais que enfatizavam a incompreensão do público sobre os novos desenvolvimentos da física e como essa incompreensão se repercutia na democracia. A barreira ocorria também em relação aos jornalistas. Foi aí que Edwin W. Scripps criou o Science Service, a primeira agência de notícias sobre a ciência nos Estados Unidos. Neste contexto, contribuindo para que os cidadãos exerçam consciência crítica e tenham acesso às informações e descobertas científicas, vem se firmando o Jornalismo Científico, colocado por diversos autores como intermediário entre a ciência e os cidadãos.

Um dos primeiros a se preocupar com este jornalismo foi o brasileiro José Reis, que por mais de 50 anos escreveu regularmente para a Folha de São Paulo. Para ele, “ao lado de informar sobre os progressos retumbantes da ciência, o Jornalismo Científico tem a função de instilar no público a compreensão dessa atividade, o que se faz por várias maneiras, em particular pela divulgação do dia-a-dia da ciência e do processo contínuo de sua elaboração(…). Contribui sistematicamente para a compreensão da metodologia científica e dá ao leitor, paulatinamente, maior disciplina em sua maneira de pensar e em seus julgamentos.” (Reis, Folha de São Paulo, 1988)

Para o jornalista, professor, doutor em jornalismo Científico e diretor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Wilson da Costa Bueno (2002, p.1), que realizou, em 1985, a primeira tese de doutorado na área da divulgação científica, o jornalismo científico não é disseminação científica, pois esta tem como público alvo os especialistas e os próprios cientistas. Também não é a divulgação da coleção de fascículos sobre a história da ciência ou da tecnologia, nem é a divulgação científica que traduz em linguagem adequada a ciência e a tecnologia. Jornalismo científico é “um caso particular de divulgação endereçada ao público leigo, mas que obedece ao padrão de produção jornalística.”

Maria Inês Migliaccio (2002), mestre em Jornalismo Científico pela Unicamp, afirma que é urgente que haja o aprimoramento da formação do jornalista científico no âmbito universitário, pois precisa adquirir “elevado nível de profissionalização, que manifeste a competência adequada à categoria da missão a que se propõe”, ou seja, ele precisa adquirir um conhecimento básico da história, da filosofia, das ciências e da educação. Precisa de espírito científico, que é “a aptidão de pensar cientificamente, de amor à verdade, de consciência e de império da vontade sobre o juízo, preservado de qualquer influência estranha à razão.”

O Jornalismo Científico não consiste somente em veicular novidades, mas em relembrar grandes momentos da evolução do pensamento e da metodologia da ciência. Ele, inclusive, tem o papel de desmitificar a imagem do próprio cientista. Mais que isso, o jornalista especializado pode despertar nos adolescentes e jovens “o gosto pelo trabalho da pesquisa e atrair desde cedo muitos valores positivos e bem motivados para as fileiras dos que se dedicam à tarefa de pesquisar em todos os ramos do saber, tanto nas chamadas ciências exatas e naturais quanto nas sociais.” (Reis, Folha de São Paulo, 1988, p.2)

Para o cientista Erlei Melo Reis, citado por Tamara (2000), “o jornalista científico deveria se especializar na área de ciência, para entender o linguajar científico. Isso é muito importante.”

A Conferência Mundial sobre Ciência, realizada em Budapeste, em 1999, declara que uma das etapas mais democráticas do Jornalismo Científico é manter a ligação entre o mundo da ciência e tecnologia e a vida do cidadão comum. Um exemplo de Jornalismo Científico, ressaltado por Rafael Evangelista, diretor da revista ComCiência, é levar ao conhecimento do público os problemas e dilemas éticos das ciências, sem fugir de assuntos como aquele que diz respeito à região da base de foguetes de Alcântara, no Maranhão. Até hoje, o Centro de Treinamento de Alcântara (CLA), que tem acordo para sua comercialização com os Estados Unidos, não recebeu licença para funcionar, pois ocupa o território de uma comunidade tradicional que teve seus direitos violados.

O Jornalismo Científico não pode ignorar fatos como este.

Zélia Maria Bonamigo

é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail: zeliabonamigo@terra.com.br

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