Uma estrela paranaense brilha na Copa do Mundo

Dois dias depois de completar 23 anos, ele conseguiu comemorar como deveria seu aniversário. O meia Kléberson recuperou a condição de titular da seleção brasileira e ajudou o time a vencer a Inglaterra na partida que abriu o caminho para a conquista do inédito pentacampeonato mundial.

Ele já estava feliz por ter participado de duas partidas, principalmente a da guerra de nervos contra a Bélgica, na segunda-feira passada, quando foi decisivo na conquista da vaga para as quartas-de-final ao dar o passe perfeito para o gol de Ronaldo, o segundo da sofrida vitória.
Ao receber a notícia do técnico Luiz Felipe Scolari de que seria o titular contra os ingleses ontem, o coração bateu mais forte e os elogios que recebeu depois da vitória (2 a 1) o deixaram flutuando, principalmente porque sua entrada deu ao time a “cara” e confiança que faltavam.
Mas, se nada disso tivesse acontecido, não importaria muito. Se até agora ele não tivesse levantado o traseiro uma única vez do banco de reservas para entrar em campo, ou se por acaso os demônios dos estádios carimbarem o passaporte para o retorno do time ao Brasil depois da batalha da próxima quarta-feira pela semifinal desta Copa do Mundo, a festa para este menino não pode parar, porque sua conquista particular já foi conseguida.
O paranaense José Kléberson Pereira tem é uma estrela. Ele entra para a história do nosso futebol como o primeiro jogador a disputar uma Copa do Mundo atuando por um time do Estado – o Atlético Paranaense. Só isso bastaria para dimensionar a importância deste garoto tímido, de sorriso metálico e olhar esbugalhado nascido num 19 de junho de 1979 lá no Norte do Estado, em Uraí.
Hoje ele é conhecido no mundo inteiro, afinal, mesmo antes de mostrar seu talento contra a Costa Rica, a Bélgica e a Inglaterra, era considerado titular da seleção brasileira até a véspera da estréia na Copa do Mundo contra a Turquia, isso depois de ter sido convocado por Felipão pela primeira vez menos de cinco meses antes, no dia 23 de janeiro. Oito dias depois ele surpreendeu o Brasil ao vestir com desenvoltura a sagrada camisa 10, de seu ídolo Pelé, no amistoso contra a Bolívia, quando marcou um gol e deu passe para outros três na goleada de 5 a 0 no jogo realizado no estádio Serra Dourada, em Goiânia.
A ascensão meteórica não afetou-lhe os neurônios, muito menos o comportamento. Teve duas grandes escolas de vida: a casa dos pais e a Baixada. Com a mãe, Maria dos Santos Pereira, Kléberson aprendeu que a fama pode ser como um flash de máquina fotográfica se não assimilada com a devida naturalidade. Com o pai, Paulo Olímpio, o “Fumaça”, ponta esquerda do futebol amador de Ibiporã, cidade também do Norte do Paraná para onde a família mudou-se quando o futuro jogador era bebê, a importância da disciplina, da perseverança, e de que difícil é fazer o mais fácil, lição que desenvolveu desde que chegou às categorias de base do Atlético em junho de 1999 e aplicou nas posições em que atuou: as duas laterais e todas do meio campo.
As lições, “Fumaça” dava enquanto ensinava o filho a passar direito cola nas solas dos sapatos que consertava em sua sapataria. Na verdade, ele não queria que Kléberson tentasse a carreira profissional. Depois, se convenceu. O menino, apesar do corpo franzino, barbarizava no futebol de salão e, nos Jogos Abertos do Interior, foi descoberto por Luiz Carlos, ex-goleiro do Londrina. Depois de freqüentar algumas escolinhas de futebol de campo, também encantou o ex-zagueiro Marinho, que convenceu o pai e o despachou, em 1997, para o Flamengo.
A experiência foi marcante. Era a primeira vez que Kléberson saía da sua cidade. Não conhecia nem Curitiba. Sozinho no Rio de Janeiro, passava as noites chorando na república de atletas onde o colocaram. Conseguiu fazer apenas dois treinos. Fugiu de lá depois de vender sua chuteira por R$ 30,00 para um novo aspirante a ídolo, pois precisava do dinheiro para comprar a passagem de volta.
Quem ganhou foi o Atlético Paranaense. Pouco menos de um ano depois de sua chegada, Kléberson começou a criar fama dentro do clube ao fazer um gol de placa durante a Taça São Paulo de Juniores. Numa partida contra o Fluminense, ele viu o goleiro adversário adiantado e, do meio do campo, fez o gol por cobertura, aquele que Pelé não conseguiu na Copa do México em 1970.
A capacidade de chutar com os dois pés ele desenvolveu a partir dos ensinamentos do pai. Em Ibiporã, quase tirou todo o reboco da parede de um velho vestiário de tantos chutes que deu fazendo “paredão” para ter maior domínio na hora de bater e receber a bola. O fôlego que o faz aparecer em todos os lugares do campo durante os 90 minutos, ganhou a partir de uma superadíssima deficiência de personalidade. Quando começou a jogar futebol de campo, “sumia no gramado” toda vez que algum companheiro ou técnico reclamava de seu posicionamento. Passou a correr feito louco e procurar os espaços para que ninguém mais tocasse nesta “ferida”.
Kléberson estreou no time profissional do Atlético em 2000, ou seja, há apenas dois anos. Lembra que, ao entrar no lugar de Kelly, num jogo contra o Cruzeiro, pela Copa do Brasil, no Mineirão, fez um gol no empate de 3 a 3 e telefonou eufórico para a mãe a uma hora da manhã.
No ano seguinte, além de ser titular absoluto na conquista do campeonato brasileiro, onde ganhou o troféu Bola de Prata da revista Placar como o melhor do Brasil da posição, colecionou mais alguns elogios. O técnico Geninho referendou o que já tinham dito Paulo César Carpegiani e Mário Sérgio: “É um jogador completo. A própria definição de modernidade no futebol”.
Cartolas rubro-negros informaram que, antes mesmo de ser convocado para a seleção brasileira, times como o Real Madri tinham entrado em contato com o clube para contratá-lo. No primeiro ano do novo século, Kléberson valia US$ 10 milhões. E agora, depois que também recebeu o aval de analistas como Tostão, Rivelino e Júnior?
Claro que ele tem sonhos, mas não fica pensando em cifras. É bem provável que antes que embarque para um time europeu, se case com Priscila, namorada desde os tempos de adolescência em Ibiporã. Uma negociação envolvendo mi-lhões de dólares poderá render uma fábrica de sapatos para o pai, coisa que o menino sempre pensou. A Cherokee 1997 que comprou juntando dinheiro de bichos e parte do salário de R$ 30 mil do Atlético, talvez dê para uma das duas irmãs.
Detalhes que, neste momento, não passam pelo repertório de pensamentos deste jogador de apenas 64 kg distribuídos em 1,75 m de altura num corpo que lhe dá um certo ar de fragilidade, logo soterrado pelo volume de participação nas jogadas, pela disposição que entra nas divididas e que só não ganhou mais destaque porque o meia ainda não mostrou todo o poder de fogo nos chutes na linha de frente.
Kléberson, nossa estrela no Oriente, foi disputar a Copa do Mundo e quer estender a festa de aniversário dos seus 23 anos até o próximo domingo, dia 30 de junho, quando o Brasil poderá se tornar o primeiro pentacampeão da história do futebol mundial. O menino tímido de Uraí, filho dona Maria e Fumaça, sonha estar em campo para ajudar o time de Felipão a dar este presente a todos os brasileiros.
(Roberto José da Silva é jornalista da Agência de Notícias do Paraná e colaborador de O Estado)

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