Impunidade justifica violência no estádio

Diego Vara/ Correio do Povo
Os distúrbios no Grenal reacenderam o debate sobre a violência.

São Paulo (AE) – Não é só o futebol pentacampeão do mundo que está representado nos estádios brasileiros. As mazelas que atingem o País também sobressaem no palco de nossos jogadores. É por isso que, na opinião de especialistas ouvidos pela Agência Estado, atos como os presenciados no Estádio Beira-Rio, no último domingo, e no Maracanã, quarta-feira passada (só para ficar nos exemplos mais recentes), continuam se repetindo, de maneira freqüente e descentralizada. Corrupção, descaso com a infra-estrutura e, especialmente, a impunidade, são alguns dos fatores que fazem das arenas brasileiras uma terra de ninguém.

?O estádio é como uma mini-sociedade, um reflexo do País?, afirma Heloísa Reis, socióloga e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ?O estádio é aceito como um local onde a manifestação violenta é permitida – e as autoridades não reagem a isso. Fica a sensação de impunidade.?

?O grande problema é a falta de punição. Xingar, no mínimo, passou a ser o padrão de comportamento. No estádio, pode tudo?, diz Marco Aurélio Klein, presidente da Comissão Paz no Esporte, criada pelo governo federal.

O futebol paulista, que registrou 22 mortes relacionadas ao futebol nos últimos dez anos, tentou sanar a questão com a proibição de torcidas organizadas ou penas alternativas. Os resultados foram parciais. As brigas entre torcedores, dentro dos estádios, diminuíram. A polícia, agora, é o alvo das agressões – como no caso entre os torcedores do Corinthians e a PM, em maio, após a eliminação do time da Taça Libertadores pelo River Plate.

?A lei é muito branda?, afirma o promotor Nilberto Bulgueroni, do Juizado Especial Criminal (Jecrim) da Barra Funda, que intermediou acordo entre membros da TUP e da Mancha Alviverde, que brigaram antes do clássico Palmeiras e Santos, em março de 2005. O confronto resultou em 52 detidos; 11 assinaram um termo circunstanciado – não seriam processados se comparecessem a uma delegacia em todos os jogos do clube até o fim do ano. Bulgueroni, porém, ainda não sabe dizer se o acordo foi cumprido ?Estamos em fase de verificação.?

Por conta disso, todos defendem a criação de uma legislação específica para o futebol. Mas Klein alerta: um problema complexo só pode ser resolvido por ações da mesma grandeza. ?Enquanto não se implementar medidas ou ações coordenadas dos envolvidos – clubes, governo – essa questão não estará resolvida?, explica, dando o exemplo inglês, que combateu os hooligans (veja texto abaixo). E teme soluções que considera ?simplistas?, como o fim das torcidas uniformizadas ou jogos realizados com a torcida de apenas um time. ?E quando brigam entre eles, como no caso Mancha x TUP??, questionou.

Para Heloísa, soluções simples, como a numeração das cadeiras de um estádio, já ajudam. ?Assim você impede a superlotação e, com os torcedores sentados, é mais fácil controlá-los. Mas é preciso também parar de fazer de conta que se educam crianças e jovens nas escolas. É preciso dar estrutura familiar, educacional, social.?

O Jecrim, restrito aos crimes com penas máximas de dois anos, também entra no pacote de combate à violência, de acordo com a delegada Margareth Barreto, do Decradi (Delegacia de Crimes, Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) da Polícia Civil paulista, junto do cadastramento dos membros das torcidas. ?Temos de identificar quais torcedores dão problemas. E bani-los. ?

* Colaborou Daniel Akstein Baptista.

Exemplo para punições vem da Inglaterra

São Paulo (AE) – Polícia, governo e poder judiciário, juntos, conseguiram conter os hooligans na Inglaterra, em uma guerra que começou há mais de 20 anos. Mas uma tragédia precisou acontecer para que as autoridades tomassem sérias providências em relação aos vândalos.

O episódio da final da Copa dos Campeões de 1985 entre Juventus e Liverpool, disputado no Estádio Heysel, em Bruxelas, foi a gota d?água: 39 pessoas morreram (todas italianas) e 400 ficaram feridas em um confronto generalizado antes da partida que, ainda assim, foi realizada (a Juventus foi campeã).

Heysel reunia ingredientes comumente presentes em estádios brasileiros: infra-estrutura precária e superlotação. Cerca de 1h30 antes do início do jogo, a arena estava repleta – boa parte das entradas, vendidas no mercado negro. Um setor neutro do estádio, que acabou tomado pelos italianos, foi alvo da fúria dos ingleses. Quando o confronto começou, torcedores foram prensados contra um muro, pisoteados até a morte. Foi o ápice da violência que começou a alarmar os ingleses na década de 1950.

Após os acontecimentos de 1985, os clubes ingleses ficaram afastados de torneios internacionais por cinco anos. No âmbito político, a união de forças se mostrou fundamental. Foi criada a National Football Intelligence Unit, órgão da inteligência responsável pelos eventos, assim como o treinamento de polícia extremamente especializada, junto de leis específicas para o futebol – até com a criação de um disque-denúncia. Os clubes passaram a ser responsáveis pelos eventos e tiveram de reformar todos os estádios; maus torcedores foram banidos dos jogos e cadastrados em um banco de dados único.

Marco Aurélio Klein, da Comissão Paz no Esporte, passou 10 dias na Inglaterra. ?Eles são um exemplo. Hoje, Londres recebe até oito jogos no mesmo dia – uma média de 240 mil pessoas circulando pela cidade sem tumultos.

Estatuto pode ser modificado

São Paulo (AE) – A Comissão de Turismo e Desporto da Câmara aprovou, quarta-feira, mudanças no Estatuto do Torcedor. O texto, de autoria do deputado André Figueiredo (PDT-CE), prevê responsabilidade criminal de torcedores violentos, além de transformar cambismo em crime, entre outras modificações.

O projeto segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça, mas sua votação pelo plenário da Câmara ainda é incógnita. ?Queremos colocá-la no pacote da Timemania e do Estatuto do Desporto, previsto para outubro?, diz o deputado. 

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