Dr. Edílson, referência nacional

Luiz Augusto Xavier

– Como você foi parar no futebol?

Edílson Thiele

– Eu era torcedor do Atlético desde menino. Meu pai me levava para ver os jogos na Baixada e quando voltei da França, em 1990, houve uma mudança no departamento médico do Atlético. O Odivonsir Frega que era amigo do médico do Coritiba, Ubirajara Bley, e que por sua vez trabalhava no mesmo hospital que eu, avisou que tinha vaga no Atlético. Fui pra lá e o time estava na Segunda Divisão, era sempre complicado. Falei com o Falavinha (Ricardo)e fomos os dois em 90.

Xavier

– Você permaneceu e gostou.

Edílson

– O Atlético é uma paixão muito grande, vem de muito tempo. Lembra meu pai, pelo amor que ele tinha pelo clube. E isso passa de pai para filho. O Atlético é uma coisa muito mais forte do que propriamente um campeão da sua cidade. A gente encontrou, principalmente naquela época, e ainda existe um pouco isso, médicos de futebol que tinham uma formação científica muito ruim. E daí começamos tentar dar uma outra conotação a isso. Com informação científica, até compra de equipamentos do departamento médico. Lembro que na Baixada antiga o rio inundava e todo o departamento médico era perdido. E o Atlético não tinha dinheiro naquele tempo, então nada novo era comprado. É muito mais no aspecto de amor ao clube do que qualquer outra coisa.

Cristian

Toledo – A sua formação foi voltada à medicina esportiva desde o início?

Edílson

– Não. Foi em ortopedia. Depois fui para São Paulo fazer cirurgia do joelho e logo depois para a França. É uma conotação muito diferente do médico ortopedista para médico que mexe com o esporte. Porque teoricamente, como mexer com a mídia dá muito nome indireto, todo ortopedista diz que é médico de esporte. Mas é uma coisa completamente diferente. Depois que voltei da França, fiz formação em medicina esportiva em São Paulo, onde se tem conhecimento de fisiologia e de outros itens específicos. A traumatologia esportiva é somente 20% da medicina esportiva. E por ser um filão, todos se julgam médico de esporte, mas isso não é verdadeiro.

Marcelo

Fachinello – Você pensava no momento em que se destinava à medicina esportiva, que iria trabalhar com o futebol ou isso foi espontâneo?

Edílson

– Sempre quis trabalhar com esportes. Pratiquei esporte minha vida inteira. Não sabia que iria trabalhar no Atlético. Queria ter contato com esportistas. É diferente trabalhar com atletas. Eles sempre querem uma recuperação mais rápida, têm a ambição profissional. E ao lado tem a sua ambição, na torcida pela recuperação do atleta. O que é difícil, porque a cobrança que se tem do atleta é completamente diferente da que se tem em um paciente normal de consultório. A cobrança da mídia, do atleta querer voltar é diferente porque a responsabilidade é muito grande. Se tudo der certo, é muito legal. Mas se der errado, é muito complicado.

E por incrível que pareça, devo muito a um jogador do Coritiba. O Ubirajara era médico do Coxa e, na mesma época, o Pachequinho, o mais importante jogador do time, havia machucado o joelho e precisava ser operado. O Ubirajara me pediu para operar o jogador. Tudo correu bem. Naquela época, em 89 e 90, era muito difícil a recuperação de uma cirurgia no joelho como é hoje, por exemplo. E o Pachequinho voltou bem e sempre fazendo gol contra o Atlético. Todo gol que ele fazia, comemorava comigo.

Xavier

– Você comemorava com ele?

Edílson

– Por um lado sim, por outro não. Porque o lado pessoal, de médico, é muito importante e é legal, porque somos amigos até hoje e pelo lado profissional é muito bom ver a recuperação. Mas como atleticano é duro de agüentar. Ganhar do Coritiba é muito melhor do que qualquer campeonato, do que ser campeão brasileiro. Tem esse negócio da rivalidade.

Marcelo

– Melhor do que ver um paciente 100% recuperado?

Edílson

– É quase igual. Porque na minha época de infância como atleticano, o Coritiba judiou muito da gente. O Coxa foi campeão nos anos 70, e só tinha coxa-branca na cidade. Então a gente sofreu bastante, mas agora nós vemos as coisas se igualarem. E essa rivalidade é muito boa porque hoje em dia a gente brinca.

Gisele

Rech – Alguma vez já teve problema com um atleta querendo voltar antes da hora?

Edílson

– Hoje a gente tem uma relação de confiança muito grande, já trabalho com isso há 14 anos, tenho uma vivência dentro de clube e fica fácil lidar com essa situação. No começo era complicado. Você não tem experiência e havia um espaço muito pequeno para se relacionar com os jogadores. Com o passar do tempo fica mais fácil. Hoje tem o aspecto psicológico, mas tem a presença da psicóloga que te ajuda muito. Tem técnico que colabora, mas também tem aqueles que atrapalham. Você acaba aprendendo a lidar com os jogadores de futebol. E por incrível que pareça, eles são muito obedientes. Querem voltar para o campo, é o dinheiro que eles ganham. Não é difícil fazer eles voltarem, pelo contrário. O duro é operar um jogador que não está disposto a jogar, treinar.

Cristian

– Quando você chegou no Atlético tinha muito uma história de mandinga, de simpatias, chegou a encarar isso?

Edílson

– Muita. Só para ter uma idéia, no departamento médico do Atlético nós tínhamos, sem brincadeira, três equipamentos. Não existia mais nada. Então até impor desde evitar infiltração em jogador até convencer os jogadores que tomaram B-12 (vitamina) que era danoso e que o resultado a curto prazo não era nada bom. Isso vem do misticismo que existe no futebol. E ainda existe. Mas se os jogadores confiam em você, isso vai sendo superado naturalmente, vai passando.

Xavier – Como técnico ajuda e como atrapalha?

Edílson

– Existem técnicos muito bons para se trabalhar. Mas tem outros que são diferentes. No futebol é fácil jogar a culpa no departamento médico quando o time vai mal. Por muitas vezes já tive essas situações, mas não vou citar nomes, onde o técnico colocava a culpa no departamento médico porque um jogador não estava em condições de ir para a partida. Assumir um erro é difícil, mas colocar a culpa nos outros é fácil. Teve esses casos, mas outros valeram a pena. Houve muitos bons treinadores no Atlético. Valeu a pena trabalhar com esses.

Rodrigo

Sell – Como funciona hoje o departamento médico do Atlético em todos os seus procedimentos e o que vocês ganham com esse trabalho?

Edílson

– Vou contar uma coisa que vocês talvez não acreditem. O departamento médico possui hoje um médico para o amador, e quatro para o profissional: eu, os Murilos (Santos e Ribas) e o Henrique (Carvalho). Basicamente, cada médico do Atlético ganha cerca de mil reais por mês. Com certeza nenhum deles está lá por dinheiro. Inclusive eu. Em qualquer outro lugar se iria ganhar mais do que isso. Então é duro de lidar com a cobrança. Muitas vezes as pessoas pensam que o departamento médico é um mar de rosas. Todas as cirurgias do Atlético são feitas de graça, não tem custo nenhum. É complicada essa cobrança. Já escutei isso do Conselho do Atlético. Um conselheiro falou que os médicos do clube ganhavam cinco mil em cada cirurgia. Isso é até engraçado. A gente não ganha nada com as cirurgias. Hoje, com a tecnologia, fica mais fácil administrar o departamento e controlar a preparação dos jogadores. Todos estão com os dados em computador. Desde o juvenil até o profissional. Isso é uma coisa muito difícil de se conseguir.

Marcelo – Existe a vontade de largar tudo por causa dessa pressão e ir para a arquibancada, como torcedor?

Edílson

– Algumas vezes dá. Principalmente por ser injustiçado.

Gisele

– Então você trabalha mais pelo currículo, pela propaganda que o emprego oferece?

Edílson

– Não. É pelo Atlético.

Cristian

– Não existe vaidade?

Edílson

– Acho que se negar isso é mentira. Você não acha que gosto de ir trabalhar todo dia? Claro que gosto. Mais pela lembrança do meu pai, do que pelo Atlético em si. A vaidade existe. Quem não gosta de aparecer na mídia? Se alguém falar que não, está mentindo. Mas a cobrança às vezes é de modo injusto. Já falei isso para vocês, que às vezes colocam uma nota em uma reportagem sem conversar diretamente com o departamento médico. Isso é natural, pois é fácil se encontrar. Mas se vocês mantiverem essa relação, as notícias terão mais consistência. Essa relação é complicada, mas tem que existir. Quem viu o departamento médico no começo e vê agora, a mudança foi radical. Melhoramos muito. Se você abrir mão disso, de tudo o que foi trabalhado, para pegar uma pessoa que é gananciosa, que quer aparecer, não dá certo.

Gisele

– Na relação de médico e paciente tem que haver sigilo. E no caso do atleta é difícil. Algumas questões médicas ficam complicadas de lidar?

Edílson

– Na maior parte ficam, porque você tem a obrigação com o teu paciente. Você só pode divulgar uma informação se ele deixar. Medicamente e judicialmente falando. Em certas coisas você tem que respeitar o atleta.

Rubens

Chueire Jr – Existe um caso no Atlético como aconteceu com o Pachequinho no Coritiba e te deixou orgulhoso?

Edílson

– Houve vários. Um jogador que no Atlético me marcou muito foi o Kelly. Ele estava em uma fase muito ruim, na época ele veio do Flamengo e naquela briga toda. Por coincidência, ele chegou dizendo que estava mal por causa do joelho direito e quis operar. Depois da cirurgia, o Kelly acabou jogando e marcando gols. Então brinco até hoje que metade do contrato dele no Japão foi às minhas custas. Esse foi um jogador especial. Houve vários jogadores que passaram pelo Atlético e não vou me lembrar de todos agora. Um que também me marcou muito e foi o primeiro jogador mais famoso a chegar no Atlético foi o Kita. Ele tinha sido campeão no São Paulo e logo que chegou teve que operar, então foi muito importante.

Xavier

– Você falou sobre o ganho no departamento médico, que realmente não chega no que o pessoal imagina, e sobre a vaidade. Mas uma operação bem sucedida como foram com o Pachequinho e com o Kely, não traz dividendos na sua carreira profissional?

Edílson

– Vamos ver o outro lado da moeda. Vou lembrar de um cara que trabalhou no Paraná Clube por dez anos, o Jonathan (Zaze, eliminado do futebol por acusação de doping no volante Hélcio). Ele foi extremamente injustiçado em relação a todos os aspectos e tudo o que ele fez foi destruído em um mês. E que agora foi inocentado, mas quem paga tudo o que ele sofreu? Tudo o que perdeu? O consultório, o moral, a esposa, a família. É por isso que digo não existe no futebol, no esporte em si, ir do inferno para o céu em minutos, ou vice-versa. A história conta isso. Você pode fazer mil cirurgias bem, se uma vai mal é crucificado. Não tinha muito contato com o Jonathan, mas era difícil essa situação. Ele deve ter sofrido bastante.

Marcelo

– É mais ou menos como o goleiro. Se tudo vai bem, beleza, mas se tiver uma falha está tudo errado.

Edílson

– É verdade. Porque quando tudo vai bem é tranqüilo, mas quando vai mal, é complicado.

Rodrigo

– Você teve um convite para ir para a Seleção Brasileira, quando era comandada pelo Leão. Porque acabou não indo?

Edílson

– É complicado falar disso. Se existe uma coisa que foi injustiçada foi essa vez. Fui podado, porque quem me convidou foi o médico da seleção (José Runco), que encontrei em um congresso. E por causa de uma relação política, não fui chamado. E a gente não tem força representativa na CBF aqui no Paraná. Já tinha acertado com o Leão, com o Antônio Lopes e foi tudo uma questão de política. Isso foi uma das coisas com que me magoei no futebol. Não magoado com o caso de não ir para a seleção, mas com algumas pessoas.

Cristian

– Como é que se faz para acabar com a cultura da infiltração, que terminou, por exemplo, com o Garrincha no futebol brasileiro?

Edílson

– Para se ter uma idéia disso, no congresso que estive de ortopedia em outubro, em Recife, um dos temas era “Os Mitos da Infiltração”. Então quando se fala nesse assunto, existem vários tipos. Tem infiltração que pode ser usada. A intra-articular geralmente não é usada porque é danosa. Teve uma reportagem, na edição de fevereiro da “American Junior”, que é uma revista norte-americana de medicina esportiva, que mostra treze anos de utilização da infiltração muscular em atletas de futebol americano. Então tem tópicos que devem ser usados e outros que não. A infiltração intra-articular não deve ser utilizada. Agora, a infiltração extra-articular pode ser usada em um jogador que vai atuar em uma partida específica. Vou dar um exemplo bem prático. Se você me perguntar quantas infiltrações fiz no Atlético, foram pouquíssimas. Na final do Brasileiro fiz uma. São situações que são necessárias. O caso é não dizer nunca e nem sempre. Foi específico para um jogador.

Gisele

– Teve um caso de algum jogador mais problemático, difícil de detectar o problema e de uma recuperação mais lenta?

Edílson

– Três jogadores foram difíceis de tratar. A cobrança veio por parte da imprensa. Por exemplo, o Alex Mineiro. Vocês se lembram que ele teve uma lesão no púbis complicada de se tratar. Difícil porque esse tipo de lesão tem várias nuances ao redor da pubalgia que são complicadas. Então todo mundo queria tratar do Alex Mineiro cirurgicamente. Lembro de vários jornalistas falando que o caso só melhoraria operando. E aí também me lembro da cobrança da diretoria. Mas do diretor-torcedor. E se você não tiver um pouco de respeito, de firmeza, acaba dando o braço a torcer. Se você faz isso uma vez, acaba o respeito. E o Alex Mineiro foi difícil por causa disso. O Atlético era o campeão brasileiro, o Alex o melhor do time e a cobrança foi pesada. Mas ele melhorou e hoje está jogando bem. O Ilan foi outro difícil de tratar. É um bom atleta, mas que na situação em que ele estava, vindo de lesão do Paraná e do São Paulo, chegou em um ponto que o próprio médico não acreditava na recuperação. E tinha exames que mostravam o grau da lesão, que era complicada. Daí vinham as cobranças. Diziam que nunca mais ele iria jogar, e agora, pelo contrário, já está jogando muito bem. Outro caso foi o Gustavo, que teve a lesão por estresse. Mas trabalhando muito, nós conseguimos fazer com que ele voltasse. Esses três foram os mais difíceis de tratar, o resto foi menos complicado.

Cristian

– Porque essa lesão é tão complicada na recuperação?

Edílson

– Vamos imaginar no aspecto prático. Imagine que a púbis é um osso de grande parte da musculatura ingüinal. Você pode ter infecção urinária, infecção por várias coisas que causam dor na região pubiana. Alteração instesticular pode fazer tumor. Então, não é uma cirurgia de músculo. O cara tem lesão no adutor, tem uma pubalgia e pronto. E a dificuldade é que se trata de uma patologia muito disciplinar. Você pensa que é uma coisa e aparece outra. Normalmente quando se trata de um atleta que não é profissional, é fácil ficar 45 dias parado. Agora quando é para um jogador voltar amanhã, é muito complicado.

Marcelo

– Você falou sobre o Ilan e até disse às vezes que era difícil acreditar que ele iria voltar. Acho que o torcedor também tinha essa idéia. Porque ele se machuca tanto?

Edílson

– O Ilan é um atleta especial porque ele é diferenciado. Aprendi a gostar do Ilan porque ele me provou que realmente tinha isso. Tem atleta que passa anos sem se machucar. Nós fizemos vários exames no Ilan para definir o código dele. E ele mostrou que jogava bastante tempo sem se machucar. E, mesmo agora, contra o Juventude, ele se recuperou rapidamente. Então é um dos jogadores com melhor preparo físico do Atlético. É um cara disciplinado, sério, não brinca. A gente tem que tirar dele esse dogma de que é um jogador problemático, que volta e meia se machucava. Agora isso não está mais acontecendo. Com a preparação física, com a pré-temporada, a tendência é não acontecer mais isso com ele.

Marcelo – E o psicológico influencia?

Edílson

– Se tem uma coisa que influencia bastante é a segurança do treinador. Saber quem é o dono da posição, saber que ele está indo bem, fazendo gol, isso melhor o aspecto dele.

Marcelo

– Ele teve realmente complicação hospitalar?

Edílson

– Teve. Isso não foi escondido de ninguém. Ele teve complicação como qualquer outra pessoa normal. Atualmente está tudo bem.

Cristian

– Tanto quanto tática de futebol, o brasileiro tem um quê de médico. Tem muito palpiteiro?

Edílson

– Muito, você não tem idéia. Primeiro de tudo, segurar o Bolinha, foi a melhor coisa do Atlético. Ele é uma pessoa maravilhosa, e se deixar ele trata de todo mundo. Como o Bolinha é carismático, todo mundo gosta dele. Quando ele chegou no clube, há uns dez anos, foi engraçado. Não tinha fisioterapeuta e ele fazia de tudo. É uma pessoa trabalhadora. Tirar ele da parte da fisioterapia foi muito difícil. Ele é um doce de pessoa, mas foi complicado. Ele se não se dava com os fisioterapeutas na época. Hoje está tudo bem, mas tem cada uma que você não acredita.

Cristian

– Jornalista adora dar palpite. Aconteceu algo que era totalmente diferente do que o profissional te perguntou?

Edílson

– Nunca. Nós vamos começar em São Paulo e passar por todo o Brasil uma terminologia médica para os jornalistas. Alguns termos de ordem prática, para que não ocorram erros. E isso é muito interessante, porque vai ser uma coisa específica, uma discussão aberta entre médicos e jornalistas.

Xavier – Tomando um exemplo desse assunto, para não confundir. Quando é um estiramento, uma contratura e uma distensão?

Edílson

– Basicamente, a contratura é o número de fibras que são rompidas. Não é nem uma lesão. A distensão é a mesma coisa que um estiramento muscular, só que o grau de lesão é maior, e a ruptura muscular que é a lesão principal.

Xavier

– Mas vocês são um pouco culpados disso, porque antes era tíbia e perônio. Agora é fíbula… Hoje em dia os nomes estão mais complicados…

Edílson

– Acho que é muito importante a imprensa ter essa relação. Isso pode melhorar mais ainda. Cada vez mais estão mais informados. O que mais me chamou a atenção foi a avaliação do Washington. Quando estava no departamento médico, já tinha ligado um repórter para a Turquia, falando com o cirurgião que operou o Washington. Então a facilidade que se tem hoje para conseguir informação é muito grande.

Gisele

– Falando da questão da violência no futebol, e a sugestão de mudança no código brasileiro de aumentar as penas. Você, como médico, acha que isso vai adiantar?

Edílson

– Sinceramente, um jogador que causa a lesão, deve ficar parado o mesmo tempo do que foi prejudicado. Agora, em uma estatística feita pela Fifa, dá o resultado de uma lesão a cada mil horas de treinamento em média. Aqui no Paraná por exemplo, qual o clube que faz prevenção de lesão? Nenhum.

Xavier

– Como é a prevenção de lesão?

Edílson

– Por exemplo, um número de lesões de ligamento cruzado por ano em um jogador de futebol. Você faz um trabalho específico de três semanas com um grupo, com determinados exercícios, diminuindo em 40% as lesões. Só que é difícil de se conseguir isso atualmente. Pegue um jogador profissional, de 30 anos, para fazer esse trabalho. Ele se recusa, porque espera que aconteça algo grave com ele para depois tomar as providências. No voleibol você consegue. Aí vem o nível de diferença do jogador.

Cristian

– Quando você assiste a um jogo, analisa as faltas para ver qual o tipo de lesão que aconteceu?

Gisele

– E quando o joelho do Ronaldo deslocou?

Edílson

– O Gérard (Saillant), médico do Ronaldo, conheço muito bem e fui tradutor dele em São Paulo. E um repórter fez uma pergunta muito interessante pra ele. O repórter perguntou porque os jogadores italianos na época operavam na França e não na Itália. O médico respondeu de maneira inteligente. Que a grama do vizinho sempre é melhor do que a deles. Imagino a pressão que o Gérard teve quando o Ronaldo, no primeiro jogo, rompeu o ligamento. Isso me lembrou muito um jogador que era do Vasco e que agora está no Palmeiras, o Pedrinho. Quando ele voltou, também rompeu o ligamento do joelho. Isso pra gente é um sofrimento grande, porque é o seu nome que está em jogo. Imagine um atleta que vale milhões sofrer uma lesão daquela. A expectativa de retorno dele é a mesma. Você tem que ter muita sorte. Às vezes contar com a sorte divina de as coisas darem certo.

Gisele

– O médico acaba torcendo junto.

Edílson

– Me lembro do Reginaldo (Cachorrão). Ele operou os dois ligamentos do joelho. No primeiro jogo da volta estava chovendo e quando chove a gente reza porque é um perigo. Pode acontecer qualquer coisa. E o Reginaldo dava aqueles carrinhos na lateral que eu sentina arrepios.

Marcelo

– E os jogadores têm a idéia da lesão?

Edílson

– Poucos têm. Isso às vezes facilita, porque eles não têm noção das coisas. Tem algo que se diz na medicina que quanto maior o QI da pessoa, mais chance ele tem de romper, porque aquele que não sabe de nada não complica. Já o Presidente da República às vezes morre. Por isso tem que tratar todo mundo do mesmo jeito. Não pode haver uma diferenciação.

Cristian

– E a lesão do Ronaldo? Como você se sentiu assistindo o jogo em que ele se machucou?

Edílson

– Coitado do médico. E realmente a gente às vezes fica com dó do médico e do jogador. Um exemplo prático: o Pachequinho seria um excelente jogador, só que ele teve duas lesões no joelho. Isso atrapalhou muito.

Gisele

– Me lembro de um médico do Coritiba, o Dr. Carlos (Costa), quando tinha um zagueiro chamado Sandro, que era reincidente nas lesões. O Dr. Carlos comentou que o problema às vezes é do clube, que contrata um jogador como histórico médico já complicado. Isso existe mesmo?

Edílson

– Com certeza. Hoje que é legal no Brasil, é que você tem toda a relação dos atletas nos grandes clubes, e antes mesmo de o jogador assinar um contrato, você entra em contato com o médico, e consegue a ficha do atleta pronta. Porque mais cedo ou mais tarde, um clube vai precisar de outros. O Cocito, quando chegou do Botafogo-SP, veio com uma lesão de púbis. A gente contratou, ele foi operado e passou a jogar normalmente.

Marcelo

– Você falou que o jogador sai de um time com um diagnóstico. Surgiu aquela história de que havia falado que o Cléber (ex-Coritiba) era um jogador bichado…

Edílson

– Nunca encontrei o Cléber. Vi ele uma vez no departamento médico.

Cristian

– É bom lembrar que isso aconteceu quando o Cléber foi contratado da Portuguesa pelo Coritiba e havia um congresso de ortopedia em São Paulo. Foi falado dentro desse evento, que você teria dito para o médico da Portuguesa que o jogador estava bichado e não era para ser liberado.

Edílson

– Isso foi um absurdo. Primeiro, que nunca examinei o Cléber. Vi uma vez que ele estava em um hotel. Tanto que depois disso, o departamento médico da Portuguesa fez um pronunciamento público, explicando essa situação.

Marcelo

– E isso te deixou magoado?

Edílson

– Tem umas coisas que são injustas. É muito fácil falar dos outros, mas sem perguntar. Isso não dá. Não está certo.

Irapitan

– Você já vetou uma contratação?

Edílson

– Já. Um cara que não consigo lembrar. Uma pessoa que é famosa, mas por causa da glande, vetei ele no Atlético. Ele tinha operado o joelho e teve complicações.

Cristian

– Chegou a fazer exames com ele?

Edílson

– Fiz e vetei. Tem um caso interessante que me lembro. O Ricardo, zagueiro. Ele veio do América-MG, junto com um lateral-esquerdo (Ronaldo), e tinha uma lesão no ligamento cruzado anterior, que normalmente a gente veta a sua participação em um jogo. Falei para o Ricardo que não podia jogar por causa do joelho. Ele me respondeu que, se saísse da partida por causa do joelho, devolveria o dinheiro para o Atlético. Falei com o presidente da época para fazer um contrato de risco com o jogador e se desse algo errado ele poderia ficar no time. O Ricardo tinha uma lesão no joelho, nunca torceu. Quer dizer, a chance disso acontecer é de apenas 6%.

Marcelo – Qual é o critério para se vetar um jogador?

Edílson

– A tua experiência. Experiência em exames clínicos e radiológicos.

Irapitan

– Você falou do ligamento cruzado. Isso é um fator que não deixa passar?

Edílson

– É por causa da minha experiência. Sei que é muito difícil um jogador entrar em campo com uma lesão desse tipo.

Marcelo

– Você tem que ser meio vidente então?

Edílson

– Não. Você vê isso clinicamente. Porque o atleta tem uma variação clínica também. Então o jogador não assina contrato se não tiver o respaldo clínico para liberá-lo.

Cristian

– Quando algum jogador chega a você, o que é mais visto? Lesão de joelho ou problema dentário?

Edílson

– O que mais me lembra do problema dentário é o Kléber. Mas hoje em dia, é muito legal. Tenho dados que mostram no Atlético o número de tratamentos dentários e é muito grande. É impressionante, desde as categorias de base.

Gisele

– E agora a maioria do jogadores está de aparelhos.

Edílson

– Isso agora é moda. Você escuta que um jogador de futebol sempre está de carro novo. Agora é o caso do aparelho. Então no departamento odontológico no Atlético tem muita gente. Aí que é legal você tratar desde o começo, na base. Lembro do início, quando o Carlos Alberto Pessoa ainda trabalhava na TV e perguntou se valia a pena ter o tratamento odontológico no Atlético. Claro que valia e ainda vale a pena.

Gisele

– E o problema dentário às vezes influencia no desempenho do atleta?

Edílson

– Não se pode associar o problema dentário com uma lesão muscular. É um mito.

Xavier

– Você citou a diferença do voleibol e do futebol. E tem uma experiência bem sucedida no vôlei. O que te valeu isso, e o que vale ainda, atuando em outra área?

Edílson

– A pessoa mais profissional com a qual trabalhei até hoje no esporte foi o Bernardinho. Anos luz à frente de outros técnicos. De profissionalismo, de seriedade, de educação, em tudo. Nunca vi o Bernardinho ir para um jogo de voleibol sem saber todas as posições do adversário, de onde vinha o ataque, se era na ponta, no meio. Sabia ainda sobre os reservas.

Xavier

– E ele não dorme na véspera de um jogo?

Edílson

– É engraçado esse negócio de companheirismo. O Bernardo tem o Ricardo Tabachi que trabalha com ele, que só hoje eu entendo a situação dentro da equipe. Sempre achava que o Tabachi era a sombra do Bernardinho e, pelo contrário, na verdade, é o outro lado da balança. Os dois têm uma harmonia muito grande. Uma coisa que me facilita muito perceber o profissional é o treinamento. O Bernardinho, quando trabalhava na seleção, trabalhava com as meninas e elas tinham que acertar o cone naquele canto da quadra, onde ninguém acertava. E se elas não acertassem dez saques naquele lugar não saíam da quadra. No Atlético, há quatorze anos, vi muitos pouquíssimos treinadores treinarem exaustivamente, por exemplo, centro do lateral direito. Só para comparação. São fundamentos. Vi no Atlético três treinadores fazerem isso. É muito pouco treinamento e essa é diferença. E o técnico de futebol deveria aprender com isso. Estudar mais o adversário, estudar como jogar, mudança durante a competição, durante o jogo.

Irapitan

– Evoluiu o futebol nesse sentido?

Edílson

– Poderia ter evoluído muito mais. Embora o nível dos técnicos tenha melhorado, acho que se pode trabalhar mais. Hoje em dia acho um cara que está muito legal e que ajuda muito os treinadores e é muito importante no Atlético é o Oscar (Erichson). Ele não aparece muito, mas sabe tudo dos jogadores do Atlético, todo o posicionamento do time dentro de campo. Quando procurarem informação, ele vai mostrar.

Marcelo

– Você trabalhou com atletas de vôlei e de futebol, eles são muitos diferentes?

Edílson

– Muito.

Cristian

– Você trabalhou com homens e com mulheres. É uma grande diferença?

Edílson

– Vou contar uma coisa, mas acho que vai pegar mal. É melhor trabalhar com homens. Com as mulheres é mais gostoso de trabalhar. Mas é mais fácil com os homens, porque eles são menos manhosos. Tem um lado na mulher que, quando coloca uma coisa na cabeça, é difícil de tirar e, no trabalho do Bernardinho, a exigência era muito grande. Elas realmente trabalhavam muito. Se tivesse algum problema de lesão, realmente era porque elas estavam mortas. E tem um aspecto emocional nas meninas muito legal. Trabalhar com Ana Moser, com Leila, com Virna, com Fernanda Venturini era muito legal e elas querem ganhar. Buscam a vitória, porque se ganharem o Grand Prix, levam dinheiro. Então é diferente do futebol, onde se você ganhar ou perder o dinheiro vai estar lá. No voleibol você só ganha se for o primeiro, o segundo ou o terceiro.

Cristian

– Os atletas de vôlei são mais profissionais do que os do futebol?

Edílson

– São. Com certeza.

Gisele

– Por questões culturais?

Edílson

– Sim, e da própria formação de quem trabalha com eles. Todos sabem que têm um tempo de profissão menor que o do futebol, o ganho também é menor. Não esqueço de uma vez que um jogador de futebol comentou com uma menina que jogava no Rexona que elas jogavam para um público de três mil pessoas “e nós para quarenta mil”. Essa é uma grande diferença. E realmente é verdade. O futebol mexe com as pessoas. É a grande paixão nacional.

Gisele

– Não me lembro se foi a Ana Moser, que fez uma cirurgia espiritual. Como é isso?

Edílson

– O misticismo no esporte existe no vôlei, no futebol, no basquete, em tudo. Porque o atleta quer se recuperar e não depende só dele. Se você disser que para ele melhorar é preciso se jogar de um prédio às quatro horas da manhã, ele faz isso. Então o aspecto místico do brasileiro e do latino em especial é muito grande. Não me esqueço de um congresso que foi realizado aqui. Eu trouxe um americano para ver um jogo do Atlético e ele me perguntou depois do jogo porque nós usávamos o gelinho, spray, no jogador do futebol. E se isso não for feito, o atleta não levanta no campo. Ele era médico de um time de futebol americano nos Estados Unidos e disse que lá, quando um jogador cai, ele sai de maca. Mas aqui a relação com o jogador é muito diferente.

Cristian

– Em que consiste essa tal cirurgia espírita?

Edílson

– Vou falar porque sou um pouquinho espírita. Meu pai era espírita e minha avó também, então tem um lado muito místico das coisas e o lado espiritual. Mas tem que se tomar muito cuidado, porque envolve aspecto financeiro, com gente se aproveitando disso, é um lado muito vulgar do espiritismo, que não é verdadeiro. Eu vi coisas que já me fascinaram e ainda me fascinam com relação à espiritualidade. Então tem que saber diferenciar o certo do errado. Já vi coisas inacreditáveis, mas também já vi coisas sem-vergonha para ganhar dinheiro.

Rubens

– Como foi o caso dela?

Edílson

– Quando ela era bem nova, rompeu o ligamento do joelho, se recuperou, mas teve o problema novamente. E assim foi durante a carreira dela. Na véspera de uma Olimpíada, ela machucou o ligamento cruzado do outro joelho. Operou e voltou a jogar, só que como ela teve uma lesão no joelho muito cedo e o voleibol é um esporte que tem muita sobrecarga sobre o joelho, a região que estava afetada atrapalhou. E parou por vontade própria, sabia que era a hora. E hoje ela é uma excelente diretora. Assumiu um cargo em São Paulo.

Cristian

– E o gelinho, o spray surte algum efeito?

Edílson

– O gelo tem, porque é analgésico, mas só por causa disso. E tem o lado de segurar um pouco o jogo.

Xavier – E o jogador faz algum sinal para levar o gelinho? Algum código?

Edílson

– Com o goleiro tem. O Ricardo Pinto tinha. E isso tem em qualquer time. A gente sabe quando um jogador cai porque está machucado e quando é só para enrolar. Isso existe e vai existir sempre. E agora que me lembrei, o Ricardo Pinto foi o jogador que mais me marcou no futebol. Com certeza. Esse não morreu porque não era a hora dele.

Xavier – Por causa daquele episódio no Rio de Janeiro.

Edílson

– Era uma situação gravíssima. E tinha gente que achava que era só encenação. Foi muito legal ver a sua recuperação. Fiz uma amizade muito especial com ele. Me lembro que estava com o meu filho de três anos, fui leva-lo para passear, para ele conhecer o Rio e acabou naquela confusão com o Fluminense. O vestiário atleticano estava abarrotado e a torcida do Fluminense gritando: “vamos matar, vamos matar!” Nunca me esqueci disso. Foi desesperador. E o Ricardo por pouco não faleceu. Não era a hora dele. Esse momento foi o que mais me marcou no futebol.

Cristian

– Teste no vestiário, antes de entrar em campo. Lembro uma vez que entrevistei você, que me disse que isso não existia.

Edílson

– Quando um jogador fala que vai realizar um teste de vestiário, provavelmente ele vai entrar em campo. Dificilmente ele não vai participar da partida. Mas faz parte do mistério da escalação, de querer esconder o jogo. O técnico sabe com quem vai poder contar, dificilmente acontece uma decisão de última hora.

Irapitan

– Já houve contusão em um aquecimento no vestiário?

Edílson

– Não me lembro. Já aconteceu de um jogador sair da partida com dor de barriga.

Xavier

– Você citou o Jonathan e tudo o que ele passou. Como o Atlético trabalha no sentido de auto-medicação, de remédios, de substâncias que são ingeridas?

Edílson

– Vocês me perguntaram da diferença com o voleibol. Nenhum atleta de voleibol toma alguma medicação sem antes consultar um médico. Nada. As mulheres principalmente não passam um creme sem perguntar para o médico. No futebol, na pré-temporada, você conversa com eles e fala para ninguém tomar remédios sem consulta. No Atlético essa semana chegou um jogador e me pediu para receitar um creme para a pele. Perguntei quanto tempo ele usava o produto e me disse que fazia seis meses. Essa é a grande diferença.

Irapitan

– A situação do Jonathan causou prejuízo enorme para a sua carreira e ficou comprovada a inocência inclusive no processo de anti-doping. Como o Atlético analisa o processo do anti-doping no Campeonato Brasileiro?

Edílson

– Atualmente o anti-doping realizado no Paraná é o mais chato e o mais correto. Eu brinco com o Tavico (Otávio da Silveira Neto) que faz os exames de anti-doping que ele é muito chato. Porque em qualquer lugar sempre há um jeitinho brasileiro. Com o Tavico é chato. O anti-doping paranaense, em relação à Confederação Brasileira é o mais correto.

Marcelo

– E esse processo é tão confiável assim? Como vocês administram isso?

Edílson

– O sistema de controle é muito confiável, é muito sério. Dificilmente um atleta que é pego com dopagem se exime de culpa. Mais cedo ou mais parte, vai ser descoberto. Agora pegaram uma atleta que iria para o Pan-Americano, uma nadadora (Laura Azevedo). Ninguém conseguiu burlar o esquema.

Xavier

– Houve alguns casos, como o do Anderson, volante do Internacional, que era uma substância encontrada em um pão com semente de papoula…

Edílson

– Ele comeu o pão com papoula. E o Atlético, quando disputava a Libertadores, no Uruguai, contra o Nacional, todos os jogadores pararam no balcão de uma companhia aérea na época e comeram o pão com papoula. E daí, o que fazer? Deu desespero na época. Tive que ligar para a comissão de arbitragem para comunicá-los antes da competição, senão as complicações seriam enormes.

Irapitan

– Como se determinam as substâncias que realmente causam doping?

Edílson

– Para uma determinada competição você recebe um caderno com todas as substâncias que podem ser utilizadas ou não. O departamento médico tem a lista dos medicamentos que podem ser utilizados.

Cristian

– Um caso como o do Zé Sérgio, nos anos oitenta, que tomava Naldecon e ficou dopado. Isso não acontece mais?

Edílson

– Acontece quando um jogador se medica sozinho, sem consulta. A grande importância é o jogador perceber que tem que realizar uma consulta antes de tomar alguma coisa, tem que ter cuidado.

Irapitan

– E essas substâncias garantem um benefício?

Edílson

– Às vezes não.

Gisele

– E com relação à maconha, que tem a discussão de liberação porque causa um efeito contrário?

Edílson

– Mas é que o efeito é contrário. Ela diminui o estado de alerta, fica alterado, relaxando mais. Então tem alguns lugares em que a maconha é liberada e pode se usar. Na Inglaterra é proibido, mas na Holanda é liberada, porque é uso habitual.

Cristian

– Teve o caso do chá que o goleiro Zetti tomou, quando disputava a Libertadores. Você também teve essa preocupação com os jogadores do Atlético?

Edílson

– Sim. Você acaba tendo que ser babá dos jogadores, ficar em cima. Da mesma maneira que são malandros ao extremo, eles são puros.

Xavier

– Estou escrevendo sobre isso, e acredito que existe muita auto-sugestão com relação a se tratar com o problema de altitude. Você não acha que essa história de altitude pode sugestionar um jogador, prejudicando o clube?

Edílson

– É verdade. Existe uma mudança. Tem alterações, jogadores sentem isso com mais força e outros nem sentem. Um exemplo que é o jogador do Atlético que mais corre, é o Alessandro. Ele sentiu mais do que os outros. O Flávio, que era o goleiro, passou mal durante um jogo e estava parado. Tem o lado fisiológico. Até 2.800 metros a condição é boa, depois é outra. Estava conversando com o montanhista Valdemar Niclewicz sobre isso. Normalmente quanto mais você subir, a dificuldade aumenta e a perda de oxigênio é muito grande.

Cristian

– Tem jogador hipocondríaco?

Edílson

– No voleibol tem mais jogador hipocondríaco que no futebol.

Xavier

– E como se manifesta isso?

Edílson

– Insegurança. Normalmente com os jogadores mais inseguros. Na forma de você chamar a atenção, você percebe. Quando uma jogadora vai mal, pede para tomar alguma medicação, talvez como forma de compensar o mau desempenho.

Marcelo

– Agora está se falando no caso do Marcos, goleiro do Palmeiras, de jogador que fuma, que bebe. Como o departamento médico lida com essa situação?

Edílson

– Tive várias fases no Atlético. Teve uma época que o supervisor ia atrás de jogador em todos os botecos. Ele pegava no pé dos jogadores. Hoje em dia não adianta fazer isso, porque os jogadores estão tão habituados a fazer isso que sabe que vai aparecer. Então ele toma cuidado. Ele mesmo festa sozinho, particularmente. E não é só nos times daqui, é no Brasil inteiro.

Marcelo

– Mas como vocês alertam o atleta com relação a isso?

Edílson

– Você sabe no treino da manhã se eles foram para uma noitada ou não. Eles têm uma liberdade muito grande com a gente, então a conversa é liberada. Mas têm que se aconselhar. Principalmente nos mais novos o que acontece é uma ascensão financeira muito rápida e acabam se deslumbrando. O Bolinha tem uma frase perfeita para isso. A bola te transforma em famoso e bonito. E o que acontece? A bajulação de mulheres em cima deles é enorme, é uma coisa absurda. O cara não tinha nada e de repente ele tem carro, dinheiro e você fica mais bonito ainda. Isso é natural, é do ser humano, difícil de segurar. Mas você tem que manter uma boa relação com eles, não pode pressioná-los, mas ao mesmo tempo tem que orientá-los para que nada de errado aconteça, algo que possa prejudicá-los.

Marcelo

– Um jogador de futebol não é tratado de uma maneira diferente? Talvez até demais?

Edílson

– É verdade. A partir do momento em que pedimos que um jogador pegue a sua bolsa, e leve para lavar as suas roupas, fica diferente. Ele é mal-acostumado. Não faz isso por vontade própria.

Xavier

– Isso na comparação com o jogador de voleibol…

Edílson

– Isso. Cada jogador de vôlei lava a roupa dele. Mas é culpa grande dos dirigentes. Ao mesmo tempo é muito difícil você diferenciar um dirigente de um torcedor, é dificílimo. Uns mais, outros menos. Mas se é um bom jogador, você acabando protegendo, quer trata-lo melhor e ele fica mal acostumado.

Gisele

– Você falou de prevenção de jogadores. E eu fiz esses dias uma pauta bem interessante que falava do alto índice de DST (doenças sexualmente transmissíveis), principalmente nas categorias de base. Tem um trabalho com relação a isso? Porque é muito assédio, muita mulher em cima, e é um meio que talvez não tenha tanto a cultura da prevenção.

Cristian

– E encaixando outra pergunta. Algum jogador já chegou para você e disse que tinha feito alguma besteira?

Edílson

– Muitos. Do profissional e do júnior. Eu até estou tentando introduzir uma coisa que é a psicologia no futebol, de difícil aceitação. Ter o contato com os jogadores, explicar para isso eles, desde o aspecto homem-mulher, até homossexual. Tem muito jogador que vem do interior e de repente, com a facilidade para ganhar dinheiro, começam a surgir novidades por todos os lados. A promiscuidade existe em todos os lados e a gente tem que cuidar de tudo isso. Nos jogadores profissionais do Atlético é mais fácil, porque são mais velhos, mas mesmo assim já teve jogador que teve problemas dessa ordem. E você tem que orientá-los.

Irapitan

– Essa questão do homossexual no futebol é tratada ainda como um tabu. Como se lida com isso?

Edílson

– Eu nunca vi um caso desse no Atlético, de relacionamento homossexual. Mas você ouve muito falar. E no esporte existe isso, como acontece em qualquer outra situação. Mas, principalmente nas categorias de base que é a minha preocupação, não no profissional, acho que é um pouco segregado isso ainda.

Cristian

– Você viveu no banco de reservas e muitas vezes ainda fica em certas ocasiões. Teve algum lance em uma partida que te deixou assustado?

Edílson

– Inúmeros. Não estava especificadamente dentro de campo, mas vocês vão se lembrar. Duas situações. Uma foi com o Pedralli. Havia uns dirigentes japoneses que iriam contratar o jogador e em um lance idiota ele se machucou. A outra situação foi em um Atletiba que não me recordo muito bem. E teve uma terceira. Do Reginaldo, em um jogo contra o Paraná, ele rompeu o ligamento cruzado pela primeira vez.

Cristian

– Você chegou a se emocionar com a situação?

Edílson

– Sim. Eu lembro muito bem do Pachequinho, que voltou para um jogo contra o Londrina e eu, claro, estava torcendo para o Londrina. Mas em um lance, um zagueiro, João Neves, do Londrina entrou duro e o Pachequinho machucou o menisco, na época uma contusão muito séria. Aí acho que é maldade. Tem muito jogador maldoso.

Xavier

– Isso vem de jogador ou o técnico o torna maldoso?

Edílson

– Vem do jogador. Ele já vem com isso.

Marcelo

– E quando o Leão mandou pegar o Pachequinho? Existe isso mesmo?

Edílson

– Acho que tem muito. Mas a imprensa tem a sua parcela de culpa nisso. Ela aumenta muito. O caso do Leão foi a mesma coisa por exemplo do Geninho, quando ele mandou pegar o Roger, do Fluminense. Pegar no sentido de marcar bem, não de dar porrada. Trabalhei com o Leão no Atlético. Duro de lidar, complicado, porque ele é perfeccionista. Mas profissionalmente falando, não tenho queixas dele.

Cristian

– Como foi o ano da conquista do título brasileiro?

Edílson

– Foi a maior emoção trabalhando no Atlético. Foi de matar. A emoção de ser campeão brasileiro pela primeira vez foi muito forte. Aí que digo a importância de um técnico. O Geninho teve um papel importante não no aspecto técnico, mas no aspecto de união foi fundamental. Para levar o Nem como ele levou, acho que só o Geninho.

Marcelo – Você ainda não realizou o seu sonho em termos de esporte, de ver o Rexona e o Atlético campeões no mesmo ano…

Edílson

– Mas os dois já foram campeões. Tive muita sorte no Atlético na minha vida. Quando entrei no time, ele foi campeão em cima do Coritiba, no Couto Pereira. O Atlético subiu para a primeira divisão, eu estava presente. Nas duas participações na Libertadores, também. Campeão brasileiro e da seletiva, eu estava. O Rexona campeão brasileiro duas vezes. Então tive muito mais sorte do que imaginava ter.

Xavier

– E o pessoal diz que você, como médico e diretor se escala para ir nas competições.

Edílson

– Existe uma coisa que é a hierarquia. Brinco com os outros médicos que agora eles vão nas melhores competições, mas que fui várias vezes para Santo Antônio da Platina jogar contra o Platinense, almoçar no Posto Platinão… então teve momentos de mais dificuldades. Agora que estou mais velho, deixa eu aproveitar.

Gisele

– Só para explicação. Você foi contratado como médico do Atlético, e hoje faz parte do Conselho.

Edílson

– Vou dizer bem francamente qual foi a diferença. Quando entrei no Atlético, eles não tinham condições de bancar mais um médico e abri mão de meu salário para os outros médicos ganharem mais. Então foi por amor ao Atlético.

Cristian

– Mas hoje você faz parte da cúpula do Atlético?

Edílson

– Desde que o Mário Celso entrou, faço parte da cúpula, só que era vice-diretor médico, tinha mais gente mandando. Tinha gente com mais cacife do que eu. Agora está mais tranqüilo.

Xavier

– Agora vou lembrar de uma coisa. A gente voltando de trem, de uma cidade no interior da Alemanha, durante uma excursão do Atlético, você falou que um dia iria ser o presidente do time.

Edílson

– Não vou ser, não quero ser, só médico.

Gisele

– Mas porque você desistiu?

Edílson

– Futebol é coisa de momento e isso é complicado. Acho que na minha visão tem quatro pessoas fundamentais no Atlético. O Mário Celso, o Ademir (Adur), o Ênio (Fornéa) e o Valmor (Zimmermann). Cada um tem a sua importância lá dentro. E não tenho esse interesse de ser presidente.

Marcelo

– Você acha que a ausência dessas pessoas foi prejudicial para a permanência do Atlético na ponta?

Edílson

– Acho que cada um teve um motivo para se ausentar. Não cabe a mim julgá-los. Principalmente porque sou amigo de todos eles e se tiveram razão para deixar o clube, eu respeito a decisão e espero que possam voltar um dia para ajudar o Atlético.

Xavier

– Hoje o Atlético voltou a freqüentar o bloco intermediário. O que faltou ou foi uma decorrência natural?

Edílson

– Acho que é difícil a manutenção de um clube que estava em ascensão, até no aspecto financeiro da coisa. O Atlético fez um esforço muito grande para manter o elenco para a Libertadores e mesmo assim fez uma campanha péssima. Então, quer queira ou não, a ambição dos jogadores ainda é grande. E aqui no Paraná, o futebol não é considerado um bom mercado. O jogador não quer ficar aqui. Ele quer ir para São Paulo, pra fora, podendo ganhar até menos, mas o status é bem maior.

Marcelo

– Baseando nisso que você estava falando, foi um erro ter mantido aquele time, se eles não queriam mais jogar no Atlético?

Edílson

– É muito fácil falar depois do campeonato. Duvido que alguém em sã consciência na época pensava assim. O sacrifício foi muito grande.

Cristian

– Você já foi convidado para ir para o eixo Rio-São Paulo, e deixar o Atlético?

Edílson

– Não.

Cristian

– E como agiria se fosse convidado?

Edílson

– O Atlético é o Atlético. Não saio, não tenho essa ambição. Sem chance. O único lugar para onde iria seria a Seleção Brasileira.

Cristian

– Um médico também tem essa ambição?

Edílson

– Claro. Se me perguntarem se quero ir para a Seleção, com certeza quero. E é engraçado, porque eu já tinha ido na seleção brasileira de vôlei, mas é muito diferente.

Xavier

– A gente teve uma vez uma conversa, sobre a sua incursão no tênis, é isso mesmo? Uma novidade?

Edílson

– Vai ser uma coisa legal. Existe um comitê médico da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), que tem profissionais da Argentina, do Chile, da América Latina inteira. E, no caso do Brasil, tem um médico que faz parte, que é de São Paulo. Esse médico vai se mudar para Florianópolis agora e junto com o projeto de tênis do Guga, vai trabalhar lá. Vai ser o coordenador médico desse projeto. Eu talvez tenha a chance de entrar nessa comissão médica da ATP, para ser um dos médicos da comissão. Mas isso ainda está em estudos, não tem nada confirmado.

Cristian

– Você elogiou no começo da entrevista os médicos do Paraná Clube e do Coritiba. Como é a relação entre vocês?

Edílson

– É muito boa. Deixando de lado a rivalidade entre os clubes, a gente se dá muito bem.

Cristian

– Liga um direto para o outro?

Edílson

– Falo às vezes com o Valmir (Sampaio) , do Coritiba, ele é muito amigo meu. O Mohty (Domit) que é do Paraná encontro nas reuniões. E é muito bom. Não tem porque não ser assim. Com essa relação, os clubes têm a ganhar. Por que vou esconder do departamento médico do Paraná, alguma coisa do goleiro Flávio? Não tem porquê. O que é bom é o nível do departamento médico dos clubes. O Róbson, do Coritiba é extremamente amigo meu.

Gisele

– A preparação física dos jogadores é feita em conjunto com o departamento médico?

Edílson

– Para iniciar a temporada, a gente faz uma reunião dos departamentos e é legal ter a companhia do técnico. Porque às vezes ele fica sabendo de tudo. Tem um programação certa. Tem avaliação com o fisiologista, com nutricionista, tem tudo isso.

Marcelo

– Falando nisso, muito se criticou a presença do Antônio Carlos Gomes no Atlético. Até que ponto ele é útil mesmo? Falou-se que os jogadores estavam se contundindo por causa da maneira com que ele vinha trabalhando, o tal do “método russo” de preparação física. O que tem isso de verdade?

Edílson

– Toda mudança é complicada, porque você está habituado a certas pessoas. Então, o Atlético estava com o Riva há mais ou menos cinco, seis anos e de repente veio outro pessoal. A complicação vem aí. Às vezes a aceitação não só nossa, mas de toda a imprensa, em relacionamento pessoal, às vezes teve uma afinidade maior com um e com outro nem tanto. Então essa dificuldade existe. E quando você começa uma mudança, as críticas por vezes são baseadas em alterações e não em argumentos científicos. E essa acho que foi a grande complicação do Antônio Carlos. Até por parte de relacionamento com vocês, por não conhecer vocês.

Marcelo

– E não tem nada de verdade que a preparação dele prejudicava os jogadores?

Edílson

– Isso não sei. O número de lesões realmente teve, mas foram resolvidas e pronto. Esse ano nós tivemos um número muito menor de lesões do que no ano passado. Passa o tempo e as pessoas vão se adaptando. É uma questão de adaptação.

Irapitan

– O que a gente tem visto no clube ultimamente, é que não existe mais aquela situação que quando muda o técnico, as coisas todas mudam. Já se mantém uma estrutura de departamento médico, de departamento físico. Esse é o caminho para os clubes manterem uma estrutura por um período mais longo?

Edílson

– Isso facilita o trabalho, porque você já tem uma metodologia pronta nas mãos e não precisa de uma cartilha. Antes vinham o técnico, o auxiliar, o preparador físico, o cachorro e assim ia. Já hoje não. Tem o técnico, o auxiliar e a cartilha já está pronta. O técnico é que tem de se adaptar ao novo emprego.

Cristian

– Como médico, proprietário de clínica, você consegue conciliar o seu trabalho no Atlético?

Edílson

– Hoje está muito fácil, porque os dois Murilos e o Henrique tomam conta do departamento médico do Atlético. Vou umas duas vezes por semana lá. Quando tem um problema maior, eles passam para mim, mas normalmente eles ficam na parte do dia-a-dia. Vou para o Atlético normalmente, na sexta à tarde e no sábado de manhã. Qualquer dúvida que o presidente tenha, ele me consulta. Então consigo conciliar de maneira bem organizada o departamento médico.

Xavier

– A mídia de uma forma geral te reconhece como inovador. Mas você reconhece que teve uma importância na mudança dos conceitos e nessa parte da especialização dentro do futebol paranaense?

Edílson

– Tenho uma filosofia de vida, que eu detesto mediocridade. Não gosto de ser medíocre. Eu não preciso ser o melhor do mundo, mas tenho que tentar ser o melhor departamento médico. Então começava assim, quem era o meu rival? Tinha que ser melhor do que o Paraná Clube e que o Coritiba. Daí veio a importância da participação do Mário Celso. Ele chegou pra mim e perguntou o que precisava para melhorar o departamento, ser o melhor o Brasil. E na época só o Corinthians e o São Paulo tinham uma grande estrutura no futebol brasileiro. Isso foi uma evolução muito grande. Quer dizer, nós montamos uma estrutura muito boa. O meu sonho ainda é montar um bom departamento no CT do Atlético, mas é só uma questão de tempo.

Xavier

– Mas você entende que essa mudança de conceito foi obra sua?

Edílson

– É, um pouco sim, mas muito se deve às pessoas que estavam comigo. Se não tivesse o Mário Celso naquela época para financiar a construção do departamento de cirurgia e se não tivesse o Ênio, nós não tínhamos condição. Foram várias pessoas que tiveram importância. O Edílson teve um sonho, que conseguiu realizar. Mas ainda tenho mais sonhos.

Marcelo

– E você acha que já é um dos melhores do País?

Edílson

– Não. O nível médico paranaense está legal, mas a gente ainda está longe das coisas. Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, a avaliação de um atleta, na liga de futebol americano é feita muito profissionalmente. Lá ou na Europa se fazem exames logo depois do término do campeonato, para saber as condições dos atletas para a próxima temporada. Tem tudo analisado. No Brasil, eles não conseguem fazer uma estatística, não tem um clube que mostre a estatística das lesões de um jogador do ano passado. A diferença é muito grande. Você vai em um congresso de medicina esportiva no exterior e vê isso.

Gisele

– Com relação ao aprofundamento da especialização. Você ainda tem que buscar isso fora do País?

Edílson

– Acho que tem. Principalmente o futebol vive muito de situações. Se o clube está bem, você também está. Mas quando o time vai mal, as coisas ficam largadas. E é aí que você tem que se diferenciar, buscando novas especializações, mesmo que seja fora do País. E a nível internacional, isso é muito mais, a questão da prevenção é muito mais profissional.

Irapitan

– Mudou muito o departamento médico com relação à mudança do calendário do futebol?

Edílson

– Vocês vão notar isso, que o número de lesões vai ser bem menor do que os campeonatos passados. Posso garantir isso agora. Pelo menos uns 30% a menos vai acontecer. Isso vai ser muito melhor.

Xavier

– Edílson por Edílson.

Edílson

– Acho que sou uma pessoa muito batalhadora. Sou limitado em muitas coisas, mas me esforço no que quero. Tem pessoas muito mais inteligentes do que eu, mas vou atrás, busco o que quero com bastante veemência. Sou um lutador e dedicado aos meus sonhos.

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