Curitiba RMC

Efeito dominó

Escrito por Magaléa Mazziotti

Em terra sem lei, os direitos individuais são atropelados em um dia como ontem, quando 100% dos ônibus do sistema de transporte coletivo pararam até o início da noite, passando por cima da Lei de Greve (7.783/1989) e do decreto judicial, que asseguram o serviço essencial. Os Caçadores de Notícias percorream os principais terminais e garagens de ônibus da cidade e flagraram histórias de abuso por todo o canto.

Desde pacientes com doenças graves perdendo a viagem, porque o hospital não organizou uma forma de garantir o atendimento, até táxis cobrando valores fechados para transportar quem tentava chegar ao trabalho, ou veículos circulando ora por canaletas de ônibus, ora por vias normais, gerando mais congestionamento e confusão.

Tratando de um câncer desde o início de 2013, o metalúrgico Josnei de Oliveira estava “estacionado” no Terminal Guadalupe, após uma longa caminhada pela Avenida Sete de Setembro. Morador do bairro Afonso Pena, em São José dos Pinhais, ele tinha conseguido uma carona para não atrasar na consulta agendada para 8h com o médico cancerologista Ricardo Ribeiro Gama, no Hospital Evangélico.

“Ninguém avisou que tinha sido cancelada a consulta e disseram que vão entrar em contato para reagendar, já que não tinha nem atendente suficiente para fazer isso. O problema que não tenho dinheiro para voltar de táxi até São José dos Pinhais. Já fui a pé até a Rui Barbosa para tentar um ônibus, nenhum veículo apareceu e, agora, estou aqui no Guadalupe sem saber o que fazer”, desabafou.

Visita perdida

Todo o esforço da auxiliar de serviços gerais Maria José Silva, residente no município de Telêmaco Borba, para visitar o filho de 14 anos que está internado em um centro de reabilitação em Piraquara foi em vão. A rotina de visitas semanais que ela e a filha Natalie Cristina Krett tentam manter toda quarta-feira para manter a família unida foi interrompida pela greve. “Foram quatro horas de viagem, para chegar aqui às 7h e não conseguir ônibus para Piraquara”, comentou Maria José. “Negociei meu dia de folga na empresa para poder visitar meu irmão e vou voltar sem vê-lo”, acrescentou.

Táxi compartilhado

No quiosque Pamonha, que vende suco e sorvete de milho na Rodoferroviária de Curitiba, seis trabalhadores dependem de ônibus e residem em Fazenda Rio Grande. Para evitar prejuízos e por respeito à clientela, o responsável pelo estabelecimento resolveu desembolsar exatos R$ 124 pela corrida de táxi.

O retorno deles, segundo a vendedora Nadja Ferreira dos Santos, também seria custeado pelo patrão. “Fechamos por volta das 22h. Como os ônibus voltaram a circular, não voltaremos de táxi, pois seria muito caro. Apenas por um dia eles gastariam R$ 250 com todo o transporte”, contou. De acordo com as vendedoras, não há pamonha que cubra os prejuízos deixados pela paralisação do transporte público. Segundo elas o movimento durante o dia inteiro não rendeu mais do que R$ 200 para o caixa do quiosque.

Colaborou: Samuel Bittencourt

Transito caótico

Além do alto custo bancado pelos patrões, os funcionários tiveram que enfrentaram o congestionamento de carros que praticamente dobrou o tempo para percorrer o trajeto até o local de trabalho. Isso sem contar o congestionamento nas linhas telefônicas. “Levamos uns 20 minutos só para conseguir chamar o táxi”, relatou Nadja.

Para a outra vendedora do quiosque, Bárbara Maria Santana, a situação de quem mora na região metropolitana e tem que trabalhar na capital é ainda pior. “Não existem vans para Fazenda Rio Grande. Esse pessoal quer cobrar R$ 6 por pessoa para ir apenas de um bairro para o outro”, reclama.

O trajeto percorrido por Bárbara e Nadja, da cidade metropolitana ao centro da capital, toma cerca de uma hora do dia das vendedoras. Hoje, em função do aumento da quantidade dos carros nas ruas, elas levaram mais de duas horas para chegar à Rodoferroviária. “Abrimos com duas horas de atraso, porque o trânsito na rodovia estava parado, mas conseguimos chegar para trabalhar”, explicou Bárbara.

Mesmo com todo o esforço das funcionárias e dos patrões, o jeito para enfrentar as paralisações do transporte público, que desde 2010 já se tornaram comuns em Curitiba, é ficar em casa. “É horrível para uma vendedora ter que enfrentar um trânsito parado para chegar ao trabalho e não encontrar nenhum cliente. A sensação é de perda de tempo”, diz Nadja.

Para ele, a paralisação afeta apenas a população. “Acredito que os motoristas devam receber bem. Mas se eles tiverem aumento todos os anos, como já vem acontecendo, é o usuário que irá pagar. Nessa briga o usuário é quem fica refém, pagando caro por um transporte que pode parar a qualquer momento”, desabafa.

Colaborou: Samuel Bittencourt

Equipe da Tribuna e Paraná Online também penou

Funcionários da Tribuna e do Paraná Online também driblaram a falta de ônibus para chegar ao trabalho. Alguns que habitualmente usam o transporte coletivo optaram por tirar o carro da garagem e enfrentar o trânsito congestionado. Quem não tem carro veio a pé, conseguiu uma carona ou optou pela bicicleta. Não à toa, o bicicletário da firma estava superlotado ontem.

O analista de produto do Paraná Online, Rafael Maia, apelou ao Facebook. Na postagem, ele perguntou se alguém que morava perto de sua casa vinha para o Centro. Um colega de trabalho, o estagiário Alessandro Alves, respondeu que poderia dar carona. Os dois vieram com a mãe de Alessandro, mas hoje ela já avisou que não poderá fazer o trajeto. “Se a greve continuar, não sei o que fazer. Talvez rachar um táxi”, disse Maia. A esposa o buscou para voltar para casa.

O jornalista Edilson Pereira, que sempre vem de ônibus para a redação, começou a sentir o problema já cedo quando a diarista, que mora em Almirante Tamandaré, avisou que não iria trabalhar porque não tinha ônibus. “Tinha uma única bicicleta funcionando, que meu filho comprou, usou poucas vezes e deixou encostada. Enchi o pneu e vim pela ciclovia, 6 quilômetros do São Lourenço até o Shopping Mueller. Se fosse sempre assim tranquilo, viria outras vezes de bicicleta”, comentou. Já o filho dele, também jornalista Samuel Bittencourt, pediu uma bike emprestada para um vizinho para conseguir chegar à Tribuna. Outro que optou pelo modal foi o coordenador de Fotografia, Átila Alberti, que pedalou 16 quilômetros de Campo Largo até o Centro da capital.

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