Curitiba

Socorristas voluntárias dominam as montanhas e salvam vidas na Serra do Mar

Escrito por Alex Silveira

O Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, simboliza a luta pelos direitos das mulheres em todo o mundo. O dia é sempre motivo para celebrar e contar histórias de mulheres que fazem a diferença no planeta. Neste ano, a Tribuna do Paraná mostra que a montanha também é lugar de mulher. O Corpo de Socorro em Montanha (Cosmo) é um grupo de resgate voluntário que atua na Serra do Mar do Paraná, no Pico Marumbi, desde 1996. Muitas vidas já foram salvas na região por conta da existência desse grupo. A artista plástica Márcia De Bernardo, 48 anos, é uma das fundadoras do Cosmo, sendo, naquela época, a única mulher da equipe. Ao longo dos anos, outras mulheres se tornaram voluntárias, entre elas a bióloga Barbara Gabriele de Souza Nogueira, 30 anos, que entrou para o Cosmo em 2018. As duas representam a força feminina na luta pela preservação da natureza e da vida humana no ambiente de montanha. Ao conhecer a história delas, você entenderá porquê montanhismo não é coisa só de homem.

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A Márcia Bernardo começou a escalar montanhas em 1992, com 20 anos. O namorado montanhista, hoje marido dela, foi quem a incentivou a conhecer a sensação de viver em contato direto com a natureza. “Muitas vezes, eu era a única mulher no grupo de amigos montanhistas. Eram todos homens, mas eu sempre fui respeitada e passava tanto sufoco quanto eles. Com o passar dos anos, naturalmente, as mulheres foram ocupando o espaço delas. Assim como tem mais mulher pilotando moto, dirigindo ônibus e ocupando profissões que eram consideradas masculinas no mercado de trabalho, tem mais mulher na montanha”, reflete a artista plástica.

Veja fotos de Márcia nas montanhas do PR e de outros países:

Em 1996, as estadias na montanha deixaram de ser um hobby para se tornarem o estilo de vida da montanhista. Quando o Parque Estadual do Pico do Marumbi foi criado, em 1995, o plano de manejo do local previa a criação de um grupo de resgate. Um ano depois, o grupo de montanhistas ao qual a Márcia e o marido pertenciam e que frequentava o Marumbi fundou o Cosmo. Na ocasião, eles fizeram um termo de cooperação com a administração do parque e começaram a fazer plantões no local para realização de resgates de pessoas e animais, conservação de trilhas, combate a incêndios e prevenção de acidentes. Hoje, há também a parceria do Cosmo com o Corpo de Bombeiros. A Márcia era a única mulher. “Agora, somos dez mulheres no Cosmo, dos 34 membros. Não que antes elas não participassem dos cursos de acesso. Tinham mulheres nos cursos, mas, por opção, elas acabavam não entrando na equipe”, conta.

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E é o amor pela montanha e pelo estilo montanhista que conta para a pessoa decidir ficar. “Acho que não é nem questão de ser homem ou mulher, é uma questão de estilo de vida”, diz a Márcia Nogueira, que mergulhou a fundo nos conhecimentos necessários para pertencer ao Cosmo. “No início, tivemos que estudar muito, aprender técnicas de resgate, treinar, fazer plantão e aprimorar o grupo cada vez mais. Se a pessoa não se interessar por isso, nem se dedicar aos plantões, acaba desistindo. Inclusive, temos amigos que eram montanhistas conosco, mas não são mais”, diz.

Paixão pela natureza

O último curso para o Cosmo ocorreu em 2018. Foi quando a Barbara Nogueira (Babi) entrou. Desde criança, a Babi sempre foi fascinada por biologia, paixão que a levou à montanha e ao despertar do interesse pela conservação da natureza. Durante a faculdade de Biologia, em 2009, quando estava com 19 anos, ela passou por um estágio na Serra do Mar. “Foi ali que eu percebi o que faria durante o resto da minha vida. Trabalhar para conservar a natureza”, contou a Babi.

Foram nove anos no ambiente de montanha, estudando e convivendo com a natureza, até entrar para o voluntariado no Cosmo. A Babi se tornou coordenadora da conservação de trilhas. “Era uma coisa que eu sempre quis fazer. Entendi que eles carregavam a mesma filosofia de vida que eu”, explicou. Com os novos integrantes, o Cosmo se dividiu em grupos de trabalho. “Assumi o das trilhas, para estudo e direcionamento de medidas de redução de impacto ambiental e acidentes”, disse.

Veja fotos da socorrista voluntária e montanhista Babi :

De acordo com a bióloga, que está na metade de um doutorado na UFPR em conservação da natureza, estudando os impactos sociais e ambientais em ambientes de montanha, a presença das mulheres neste cenário vem aumentando a cada ano.

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No último curso do Cosmo, das 20 pessoas que participaram, sete eram mulheres. “Todas entraram, o que já demonstrou uma mudança”, disse a Babi. Ainda segundo ela, a visitação feminina no Marumbi cresceu de 2009 para cá. Enquanto, naquele ano, a presença de mulheres girava em torno de 10% em relação a dos homens, agora esse percentual chega a 31%. “Com as redes sociais e divulgação de mais informações e imagens, elas se sentem mais confortáveis para se aventurar”, refletiu.

Resgates na montanha

Ao longo desses 24 anos de Cosmo, a Márcia já participou de muitos resgates. “Desde buscas de vários dias por pessoas perdidas mato adentro, até a retirada do corpo de um homem que morreu ao cair da Ponte São João”, revela. Houve também um resgate que salvou a vida de outro homem. “O encontramos desacordado com a cabeça praticamente dentro de um rio, após uma queda de altura. Estava com vida, prestamos os primeiros-socorros, mas, pelo estado dele, achamos que ficaria paraplégico. Acabamos sabendo, anos depois, que o homem tinha uma vida normal”. Segundo a Márcia, isso a motiva a continuar. “É gratificante”.

Vida fora do Cosmo

Fora do Cosmo, a alegria de estar na montanha proporciona aventuras incríveis. Em 1999, a Márcia escalou o famoso El Capitan, uma formação rochosa com 910 metros de altura, localizada no Parque Nacional de Yosemite, Califórnia, Estados Unidos. A escalada é considerada uma das mais difíceis do mundo. Entre várias outras escaladas nos Estados Unidos, Europa e Nepal, a Márcia também tem no currículo o monte Eiger, na Suíça, com 3.970 metros de altura. O Eiger é uma das montanhas mais icônicas do alpinismo mundial e declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em 2001.

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Além do agito e da aventura nas montanhas, a Márcia ainda encontra energia e criatividade para ganhar a vida como artista plástica. O talento para as esculturas em granito, basalto e mármore chega a ser impressionante. A mulher já participou em de simpósios de arte em dezenas de países. Formada em design pela UFPR, em 1994, a primeira escultura foi feita em 1990. “Ainda estava experimentando. Moldei uma pedra em formato de peixe estilizado, que está na casa da minha mãe”. Fotos das esculturas podem ser vistas no site – https://debernardo.net. Márcia não tem filhos. Ela é casada com o engenheiro mecânico Irivan Gustavo Burda, 48 anos. Os dois seguem no Cosmo.

Já a Babi é professora de Ciências e se dedica aos estudos do doutorado, que têm relação com a presença do ser humano nas montanhas, planejamento de políticas públicas e legislação para a conservação da natureza. Em 2019, ela desenvolveu a prática de contenção e sinalização de trilhas no Marumbi. O trabalho foi apresentado no formato de oficina dentro da UFPR. A Babi também é casada com um fundador do Cosmo, o biólogo Maurício Savi, 51 anos, e tem um enteado de 18 anos, o Pedro Savi. O casal também segue na equipe.

Sobre o autor

Alex Silveira

(41) 9683-9504