Curitiba

Cerâmica no meio de Curitiba tem história de amor que gerou negócio em família

Escrito por Lucas Sarzi

Já imaginou que uma simples visita familiar resultaria num casamento e o convite para tocar uma empresa que perduraria pela história? Pois foi assim que o rumo que tomou a vida de Darci Flisicoski, de 78 anos. Hoje, ele é o dono da Cerâmica Jardim, uma fábrica de vasos e artigos para decoração que completa 68 anos em fevereiro. Um local que é mais do que uma empresa, se tornou a segunda casa dos funcionários. 

Quem passa pela Rua Álvaro Alvim, 350, no Seminário, em Curitiba, nem imagina o quanto de história tem na fábrica de cerâmica. O espaço, além de ser enorme e trazer uma grande variedade de produtos, carrega consigo também um legado de amor dos seus quase 70 anos de existência.

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A Cerâmica Jardim entrou na vida de Darci no dia em que ele, que voltava do Rio de Janeiro rumo a Guarapuava, sua cidade, visitou familiares em Curitiba. “Fui servir o Exército no RJ e na volta uns familiares me pediram que eu os visitasse, pois queriam me conhecer. Eu fui e nem imaginava que minha vida começava a mudar”. 

No dia da visita, Darci conheceu José Pampuch, o fundador da Cerâmica Jardim e que, pouco tempo depois, se tornaria seu sogro. “A filha dele era pintora na empresa, mas no dia em que os visitei, ela não me deu nem bola. Acontece que uns dias depois da minha partida, recebi uma carta da tia dela me dizendo que ela queria me conhecer e eu aceitei”, contou Darci.

A família foi até Guarapuava e lá, depois de conversarem, os dois começaram a namorar. “Em oito meses, tínhamos noivado e estávamos nos casando. E foi aí que minha vida mudou totalmente”. 

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Convite para tocar a empresa de cerâmica

Darci, que tinha por volta dos 20 anos, queria se casar e continuar na fazenda que morava com a família, mas foi surpreendido pelo sogro. “Ele disse que só aceitaria o casamento se eu me mudasse para Curitiba, para ajudar a tocar a cerâmica em Curitiba. Meus pais fizeram uma reunião e meu pai aceitou que eu me mudasse para a capital”.

Chegando em Curitiba, Darci percebeu que estava, pouco a pouco, despertando o desejo de manter vivo o sonho e o amor de seu sogro pela empresa. “Nessa época, a cerâmica era menor, mas digo que o sonho dele passou para mim, pois aos poucos fomos aumentando e melhorando tudo, até mesmo na questão de maquinário. Na época existia uma prensa pequena, depois eu fui modificando e aumentando tudo”. 

Da mudança para Curitiba até hoje, se passaram 56 anos. José Pampuch, o sogro, morreu há 35 anos e desde então é Darci que toca seu sonho. “Mas o que vejo é que só foi possível porque nunca foi uma empresa como as outras, sempre foi um negócio de família. Até mesmo os funcionários nunca foram tratados como tal e sim como parte disso tudo”.

Segundo Darci, muita coisa mudou de lá pra cá, mas a essência da fábrica de cerâmica em Curitiba continua a mesma. “Nós compramos maquinário, pois antes era tudo manual. Inclusive as máquinas que temos aqui não existem no Brasil, não que eu tenha conhecimento. Mas o que eu digo é que o desenvolvimento da empresa não teria sido desse jeito se não fosse o amor”.

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Cerâmica se tornou a segunda família

Não é da boca para fora que Darci menciona seus funcionários como parte de sua família. O caso  que mais exemplifica isso é de Sandra Elizabete Bailo. A funcionária, que tem 63 anos, já comemorou 40 aniversários na equipe da Cerâmica Jardim. “Quando entrei, era recém-casada. Depois, me separei e pude criar meu filho, fazer a minha vida”, disse Sandra. 

Sandra é a mais antiga entre os funcionários e também a prova viva de que o carinho e respeito sempre existiram. “Pra mim, foi tudo de bom. Considero muito o Darci e seu filho, o Adriano, são como se fossem minha família, realmente. Meu pai e minha mãe já se foram, então escolhi estar ao lado deles, pois são muito importantes para mim”, comentou a funcionária.

Darci contou que Sandra se aposentou há alguns anos, mas não quis ir embora. “Ela nos disse que não sabia “não vir” trabalhar e continuou”. Ainda que aposentada, Sandra disse e se motivou a ficar não só pela questão financeira. “Claro que foi bom para mim, mas fui motivada muito por não querer ficar em casa sozinha, tive medo de sentir a falta deles. Sempre soube que aqui seria muito bem tratada. Uni o útil ao agradável”.

Pandemia trouxe aumento no movimento  

Antes da pandemia, a Cerâmica Jardim já vendia suas peças para o Brasil inteiro. Com a chegada do vírus que obrigou as pessoas a modificarem suas formas de comprar, as vendas quebraram ainda mais os limites e divisas. “Não que seja exclusividade nossa, tem outras empresas que continuam no comércio, mas aos poucos fomos conquistando”. 

Com a pandemia, o estoque aos poucos foi indo embora porque houve muita procura. “Tivemos uma venda espetacular. Não precisamos sequer mudar o ritmo de produção, porque tivemos muita procura mesmo. Estando mais tempo em casa, as pessoas passaram a olhar mais para a decoração e se envolveram mais com o cuidado dentro de casa”, avaliou Darci.

O problema que a Cerâmica Jardim enfrenta é a mão de obra. “Hoje em dia faltam oleiros [artesãos que lidam com a cerâmica] como antigamente. Hoje a juventude não está afim, não quer trabalhar com este tipo de coisa, infelizmente. Isso é muito ruim para nós, ao mesmo tempo que é triste também, pois é uma das profissões mais antigas do mundo”. 

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

O fim de uma história estaria próximo?

Dos dois filhos que Darci teve com a esposa, apenas um quis seguir os rumos do avô e do pai. Por conta disso, o empresário estima que o fim da Cerâmica Jardim esteja próximo. “Estamos com a ideia de que talvez este ano, ou ano que vem, encerremos a cerâmica e liberemos o terreno para construção”, lamentou o empresário.

O motivo principal de Darci é pessoal. Isso porque ele já não tem mais a força de antes e seu filho está próximo de se aposentar. “Esse trabalho, além de tudo, a pessoa tem que gostar. Diferente do que aconteceu comigo e minha esposa, que abraçamos a empresa, nossa família seguiu por outros rumos e não temos muito mais por onde correr”, explicou.  

Além da questão pessoal, Darci percebe também que, pouco a pouco, a cidade vai “engolindo” a fábrica de cerâmica que existe no meio da civilização. “Nós continuamos no mesmo local porque temos o alvará definitivo. Mas temos dificuldades, a cidade aos poucos está nos engolindo, até entrada de caminhão fica difícil. Então só consigo ver que o fim está próximo mesmo, só não sabemos quando ainda”. 

Mesmo sabendo que talvez a cerâmica não dure muito tempo, Darci sabe que vai deixar saudades. “O coração fica apertado só de pensar, porque não é só a minha vida, é a vida de muitas pessoas que passaram e ainda estão aqui. Vai deixar saudades, mas estamos vivendo e aproveitando o tempo até quando durar”. 

Sobre o autor

Lucas Sarzi

Jornalista formado pelo UniBrasil e que, além de contar boas histórias, não tem preconceito: se atreve a escrever sobre praticamente todos os assuntos.

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