Pode-se exigir qualidade da programação de televisão por configurar relação de consumo?

Em princípio, temos dois tipos básicos de programação televisiva. Um deles é o que a pessoa compra um pacote, recebe um aparelho decodificador e paga uma mensalidade (pela assinatura) para receber o sinal de determinados canais. Somente aqueles que são assinantes e estão em dia com as mensalidades têm acesso à programação. O outro tipo é aquele em que não existe necessidade de possuir um decodificador, pagar mensalidade e nem mesmo firmar qualquer contrato, bastando comprar um aparelho televisor e ter uma antena básica e simples para conseguir acesso aos canais disponíveis para todos (o problema é de alcance de sinal e só!).

Nesse contexto, consoante o previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, não existe dúvida de que o contrato para fornecimento de programação de televisão com canais por assinatura se caracteriza como autêntica relação de consumo. Por conta disso, o assinante pode exigir a não-alteração (para menos) do pacote de canais objeto do contrato, o perfeito fornecimento do serviço (fornecimento com qualidade de sinal e sem interrupção dos canais contratados), não ser cobrado indevida ou irregularmente com referência as mensalidades, não ter seu nome colocado injustificadamente em bancos de dados de maus pagadores, etc. Ou seja, objetivamente, aplica-se a esse tipo de contrato o previsto no CDC e é indubitável que o consumidor pode e deve, ainda, exigir não apenas a qualidade do sinal, mas principalmente, a qualidade da programação.

Já quanto à televisão denominada de aberta, existe em meio à sociedade uma idéia muito equivocada no sentido de aceitar-se a afirmação dela ser gratuita. Só para citar um exemplo: está no ar uma publicidade que informa o objetivo de defender a manutenção da televisão aberta e 100% grátis (e diz isto como uma conquista da população). E por mais incrível que pareça, a maioria das pessoas acredita que exista programação de televisão que seja gratuita. Compreenda-se a necessidade de encontrar pontos de caracterização e diferenciação para distinguir a televisão por assinatura, da aberta em que basta comprar um aparelho e ter uma antena básica para poder ver a programação sem ter de pagar qualquer mensalidade ou manter um decodificador. Todavia, é preciso que fique bem claro: não existe televisão aberta e sem custo (que dirá 100% grátis!). Não estou a referir o que o telespectador gasta com luz ou com a compra do aparelho de televisão, mas afirmando que, independente disso, toda programação televisiva é paga pelos consumidores. A diferença é que o pagamento da tv por assinatura acontece de forma direta, através da mensalidade. De outro modo, o pagamento da tv dita ?aberta e gratuita? é feito de forma indireta, mas existe e efetivamente recai como ônus para os consumidores. Explico: todas as despesas com a grade de programação dos canais de televisão, incluindo os custos de produção e o pagamento das pessoas envolvidas, são suportadas com as verbas obtidas mediante a venda de anúncios comerciais. Ora, como é óbvio no mercado, as empresas só patrocinam programas com a intenção de angariar clientela para seus produtos e serviços, sendo que todo o dinheiro gasto com comerciais veiculados (e isto vale para televisão e também para o restante da imprensa, incluindo rádio, jornal, revistas, etc,), acaba incluído nos custos que são acrescidos/repassados para os preços dos produtos ou serviços que rotineiramente os consumidores adquirem e pagam no mercado. Ou seja: mesmo a televisão chamada de aberta e gratuita efetivamente é paga pelos consumidores quando estes adquirem os produtos ou serviços das empresas anunciantes. O pagamento, repita-se, acontece de forma indireta, mas não deixa de existir. Para comprovar essa tese basta analisar o seguinte exemplo: recentemente, circulou na imprensa a notícia de que, nos Estados Unidos, existem empresas tentando registrar a patente de um novo aparelho de televisão que impede o telespectador de mudar de canal no momento dos anúncios comerciais. Dessa forma, o consumidor fica obrigado a assistir a publicidade, salvo se sair do aposento e/ou desligar o aparelho. O representante da indústria que requereu a patente justificou que é preciso assegurar a viabilidade econômico-financeira dos canais de televisão dita aberta, razão pela qual, segundo ele, se poderia considerar aceitável que alguns telespectadores possam mudar de canal durante os intervalos para publicidade, mas isso não deve ser permitido para todos. Assim, como essa prática de trocar de canal na hora do comercial já se tornou um hábito da maioria dos telespectadores, tem-se uma prática que pode tirar o interesse das empresas em anunciar e, dessa forma, estrangular o fluxo financeiro dos canais de televisão aberta, inviabilizando-as no médio/longo prazo. Dessa forma, portanto, a própria indústria que faz aparelhos de televisão confessa reconhecer que são realmente os consumidores, por via indireta, que acabam sustentando a programação televisiva quando adquirem os produtos ou serviços colocados no mercado. Temos, então, no caso da televisão aberta (mas que não é gratuita) uma relação de consumo, apenas que remunerada indiretamente. Deste modo, além de ser uma concessão pública sujeita a regras especiais devido aos cuidados que o Estado deve manter por conta da evidente influência da TV junto à população, também se deve entender como aplicável o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, para se exigir dos canais de televisão dita aberta, que forneçam programação de qualidade (independente do programa ser instrutivo, informativo ou de lazer). A busca pela audiência deve respeitar os limites da ordem pública e dos bons costumes. Faz tempo que os canais de televisão falam em fazer a auto-regulamentação da qualidade de sua programação evitando pornografia e outras ?baixarias?, porém esta iniciativa não vem evoluindo concretamente. Assim, mesmo na televisão aberta, se espontaneamente os canais de televisão não tomarem medidas para apresentar programação de qualidade, a tutela coletiva dos interesses e direitos dos consumidores com base no CDC, é a melhor forma de colocar ordem e decência nessas práticas em que a regulamentação estatal não tem sido eficaz.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON