A culpa exclusiva de terceiro pode ser o fator para isentar companhias aéreas do dever de indenizar

O acidente com o avião da Companhia Gol trouxe comoção pelas mortes, a desolação no resgate dos corpos e, na seqüência, as conjecturas sobre os responsáveis pela tragédia. A par disso, o evento detonou uma crise envolvendo os controladores de vôo que passaram a fazer uma operação-padrão, provocando demora de horas nos pousos e decolagens e até cancelamentos de vôos. Com o caos que se instalou nos aeroportos, os passageiros ficaram prejudicados por não poderem embarcar e não contarem com completa assistência das companhias, que se disseram vítimas desse contexto para o qual afirmam não terem concorrido. Pois bem, sob o ponto de vista jurídico embasado no Direito do Consumidor, emerge a questão relativa às ações de ressarcimento dos prejudicados pelas relações de consumo mal-sucedidas, tanto a do avião que caiu, quanto às dos lesados por atrasos ou cancelamentos de vôos, com perda de tempo, desgaste, descumprimento de compromissos e outras conseqüências estressantes.

No caso do acidente, a perda de 154 vidas, com certeza, vai redundar em processos judiciais com o objetivo de conseguir indenizações para as famílias das vítimas. E é inquestionável a responsabilidade solidária de todos àqueles que tenham participado na causação do dano (parágrafo único, do art. 7.º, da Lei 8078/90). Por isto, já existe movimentação das famílias para contratar escritórios de advocacia no Brasil e nos Estados Unidos, mesmo antes de esclarecidas completamente todas as causas do acidente. A responsabilidade civil na modalidade objetiva, estabelecida como regra pelo CDC, principalmente em se tratando de obrigação ?de resultado? (a viagem não se concluiu e matou passageiros), combinada com a teoria da prova no Direito norte-americano, intitulada res ipsa loquitor (ou seja, ?o fato fala por si mesmo?, afinal o avião caiu e houve vítimas), não deixam dúvidas que a companhia aérea do avião acidentado será acionada para ter de indenizar.

Por sua vez, basicamente, sob os mesmos fundamentos, os passageiros recentemente prejudicados pelos atrasos e cancelamentos de vôos também já estão se movimentando em busca de reparações através da Justiça ou de órgãos extrajudiciais (Procons).

A questão instigante sob o ponto de vista jurídico, é: quem deve responder por esses danos (do acidente e dos atrasos de vôos)? E mais: podem as companhias, sob alegação de culpa exclusiva de terceiro, prevista pelo inciso II, do § 3.º, do art. 14, do CDC como eximente do dever de indenizar, virem a ser isentadas de qualquer responsabilização? Quem deve ser considerado terceiro para fins de possibilitar a isenção do fornecedor?

Note-se que não há como negar o acidente e os atrasos e cancelamentos dos vôos fartamente divulgados pela imprensa. E que nem cabe, sequer cogitar-se de caso fortuito ou força maior, posto que, sabidamente, tais fatos não tiveram esta origem.

Entretanto, qual será a situação jurídica se:

a) no primeiro caso, for comprovada a culpa dos pilotos do jato Legacy cujo choque derrubou a aeronave sinistrada ou mesmo, que a causa decorreu de problema com algum equipamento que não funcionou corretamente, cabendo ao fabricante responder pela qualidade dele?

b) no segundo caso, demonstrar-se que os vôos atrasaram ou foram cancelados, por culpa exclusiva dos controladores que não deram oportuna autorização para decolagem?

É sempre temerário tentar prever decisões judiciais que ainda irão acontecer. E mesmo buscar antecipar qual será a exata posição que o julgador, na condição de intérprete do texto legal, fará no processo. À doutrina, através da explanação de seus raciocínios, análises e proposições, cabe simplesmente ensejar uma reflexão sobre a melhor interpretação da lei e a mais consetânea aplicação da mesma ao caso concreto.

Com base nestas premissas, é importante raciocinar que as condições eximentes previstas no mencionado art. 14, estão postadas apenas na seção que trata da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (que se encaixa perfeitamente no caso do avião que caiu), mas que, embora não existam na seção que trata dos vícios dos produtos e serviços (caso dos atrasos e cancelamentos de vôos), é razoável que lhe sejam estendidas para aplicação. E se pode afirmar isto, porque as referidas eximentes em nada alteram a responsabilidade civil objetiva prevista para estes casos (basicamente apenas afetam o nexo causal). Porém, é importante salientar que o fornecedor só pode ser exonerado do dever de indenizar com base na culpa exclusiva de terceiro, quando este (terceiro) for completamente desligado da cadeia de fornecimento envolvida para a relação de consumo. Ou seja, o terceiro não tenha nenhum relacionamento contratual ou funcional com o fornecedor. Assim, quanto à culpa exclusiva de terceiro, temos que: – no caso do acidente, uma vez que ela (culpa exclusiva de terceiro) venha a ser comprovada, tal circunstância poderá vir laborar em favor da companhia do avião acidentado, inclusive lhe abrindo a possibilidade de ação de regresso pelo que já tenha indenizado (observe-se que não cabe denunciação da lide em matéria de consumo); – em sentido contrário, no caso dos atrasos e cancelamentos de vôos, tal não favorecerá as companhias aéreas, posto que a responsabilidade pelas providências e insumos para a prestação dos serviços é do fornecedor frente ao usuário com o qual contratou. Se o problema acontece na estrutura que a empresa utiliza para realizar o seu fornecimento e isto causa dano ao consumidor, cabe a ela, na qualidade de fornecedora, primeiro indenizar, sendo que depois poderá exercer seu direito de regresso contra quem tiver dado causa ao evento prejudicial.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito, coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas. Diretor do Brasilcon para o Paraná.