O especialista: A UTI como uma porta para a vida

ms4221105.jpgO ex-senador e educador Darcy Ribeiro, falecido em 1997, foi internado numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por causa de complicações respiratórias. Em poucos dias pediu alta, mas não lhe foi permitido sair. Então fugiu e disse: ?UTI é uma porcaria… Só fica lá quem está querendo morrer. Um monte de gente gemendo, esperando a morte. Pedi para o médico me dar alta. Ele não deu, então fugi".

As UTIs são áreas habitualmente fechadas e separadas física  e funcionalmente do restante do hospital. Foram desenvolvidas há cerca de 50 anos para reunir, em um mesmo espaço, pacientes gravemente doentes ou em risco de morte e pessoal qualificado e equipamentos complexos para aperfeiçoar o tratamento de doenças graves e diminuir a mortalidade.

A eficiência desse conceito em atingir tais objetivos foi tão grande que, rapidamente, se construíram UTIs em praticamente todos os hospitais de médio e grande portes no mundo. Entretanto, vários problemas surgiram, entre eles, a falta de capacitação da equipe para atender os pacientes e a desumanização da unidade.

As UTIs mais antigas foram construídas em áreas adaptadas dos hospitais, sem espaço físico adequado tanto para os pacientes e seus familiares quanto para médicos e enfermeiros. Nessas circunstâncias, as primeiras equipes de saúde alocadas para atender os pacientes gravemente doentes não possuíam ambiente e formação adequados nem estavam capacitados para suportar o estresse de um ambiente com demandas permanentes.  

Nos dias de hoje, o conceito de UTI tem sido reformulado. Elas estão se tornando também mais humanas. Humanas no sentido de valorizar o bem-estar e o conforto físico e emocional dos pacientes e seus familiares. Assim, estão ganhando espaço físico, com boxes ou quartos privativos espaçosos, bem iluminados. A equipe é treinada para valorizar os desejos e as preferências dos pacientes e seus familiares. Nas situações limite, a sustentação ou não dos suportes avançados de vida também têm sido discutidos com pacientes e familiares. Assim, cada vez mais eles tomam parte no processo de decisão.

Muito provavelmente o pior período da nossa saúde será quando tivermos que passar por uma UTI por causa de um infarto ou no pós-operatório de uma grande cirurgia. Nesse momento é imprescindível que sejamos tratados por uma equipe competente, otimista, proativa e humana. É claro que o que um paciente mais quer naquele momento é sobreviver ao evento, mas não é só isso. Sua valorização como pessoa com demandas individuais deve ser garantida também.

A maioria das UTIs de Curitiba, por exemplo, tem índices de mortalidade ao redor de 10-15%. Isso significa que um número significativo de internos em UTI volta para casa e, muitos deles, conseguem readquirir a sua atividade anterior. Por isso a UTI deve ser vista de uma forma diferente, como uma porta para a vida. O professor Darcy Ribeiro certamente teria uma impressão melhor das UTIs de hoje, se ainda estivesse vivo.

Álvaro Réa Neto, chefe da UTI – Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR e diretor do CEPETI – Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva.

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