O difícil convívio com a esclerose múltipla

?Aos 25 anos de idade comecei a sentir os sintomas que, depois de seis anos de consultas, exames e diversos especialistas, foi diagnosticado como esclerose múltipla?, conta Magali, uma administradora aposentada. Ela lembra que há época sentia as pernas ?fracas?, além de sentir problemas de visão. Até que teve uma crise muito forte e foi parar no hospital com todo o lado direito do corpo paralisado. Teve que parar de trabalhar. ?Passei quinze anos da minha vida sem colocar os pés no chão e tomando remédios que nada tinham a ver com minha doença?, reclama. Hoje, Magali já recuperou parte dos movimentos das pernas e se locomove com a ajuda de um andador.

Ao contrário do que se imagina, a esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica que afeta, principalmente, adultos jovens e provoca dificuldades motoras e sensitivas que comprometem muito a qualidade de vida de seus portadores. Ainda há muita confusão em relação à esclerose múltipla, as pessoas em geral sabem pouco a respeito. Um dos erros mais comuns entre os leigos é confundir com arteriosclerose, que é comum em idosos, mas as duas doenças não têm absolutamente nada a ver uma com a outra. Além do aumento no número de casos, a doença é diagnosticada cada vez mais freqüente em pessoas jovens. ?Hoje temos pessoas na faixa dos 18 anos ou menos procurando auxílio?, afirma Suely Berner da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM).

Diagnóstico clínico

Não se conhecem ainda as reais causas da doença. Sabe-se, porém, que sua evolução difere de uma pessoa para outra e que é mais comum em mulheres e em indivíduos de pele branca. De acordo com o professor de neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Lineu César Werneck, a característica mais importante da esclerose múltipla é a imprevisibilidade dos surtos. O diagnóstico é basicamente clínico, mas já existem exames laboratoriais e de imagem que ajudam a confirmá-lo e a acompanhar a evolução da doença.

Os sintomas mais freqüentes da doença são fadiga, problemas visuais e perda da coordenação muscular, dificuldade de andar, falar e engolir, entre outros. Em casos mais extremos corre-se o risco de sofrer paralisias. Dentre as causas do distúrbio, constata-se que há uma predisposição genética. ?No entanto, um trauma emocional importante ou fatores externos como o estresse podem, também, se tornarem gatilhos para o surgimento da doença?, esclarece o especialista. Para Werneck, o diagnóstico não é fácil porque os sintomas são facilmente confundidos com os de outras doenças. Para definir o quadro, é necessário, além de uma apurada avaliação clínica, a solicitação de exame de tomografia e ressonância magnética.

Luminosidade

No recente simpósio internacional ?Serono?, foram apresentados estudos que comprovam que fatores como luminosidade, sexo, cor da pele estão relacionados à incidência da esclerose múltipla. Assim, nos países do norte, onde a luminosidade é menor, a prevalência da esclerose múltipla é maior. O motivo, segundo os pesquisadores, é a falta de vitamina D3, acarretada pela baixa luminosidade. Esta vitamina funciona como um imunomodulador que inibe as células inflamatórias e protege as que seriam atacadas. Estudos indicam que até mesmo durante a gestação, a luminosidade traz influências para os bebês. ?Há maior incidência da doença em pessoas que nasceram no verão e que tiveram boa parte da gestação em meses com menor luminosidade?, explica Dagobeto Callegaro, neurologista, coordenador do Ambulatório de Esclerose Múltipla do Hospital das Clínicas, da USP.

Os especialistas brasileiros e internacionais reunidos no encontro foram unânimes em informar que os esforços das pesquisas científicas atuais são em tornar o tratamento da esclerose múltipla mais eficaz e também mais confortável ao paciente. Entre os avanços previstos para os próximos anos, está o uso de medicamentos orais, que poderão unir a eficácia dos tratamentos já existentes, eliminando a necessidade de injeções.

A doença

A esclerose múltipla é um problema neurológico crônico. Por alguma deficiência do sistema imunológico, as camadas que recobrem as fibras nervosas (mielinas) são destruídas pelas próprias células de defesa que atacam o sistema nervoso central. “Essa proteção é essencial para a transmissão dos impulsos nervosos. Quando atacada, a mielina forma uma barreira que impede a passagem desses impulsos”, explica Lineu Werneck. Assim, dependendo da área atingida, uma função orgânica ou motora poderá ficar comprometida.

O diagnóstico da doença é importante para que o tratamento seja iniciado o mais cedo possível. Já existem exames eficazes que auxiliam no diagnóstico, como a ressonância magnética e a análise do líquido espinhal. “Ao receber um paciente com sintomas que sinalizam a doença o médico deve, após descartar outras possíveis causas, fazer uso desses exames”, lembra Alain Gabbai – chefe do departamento de neurologia da Unifesp/Escola Paulista de Medicina.

Uma vez diagnosticado, o paciente deve ficar atento aos sinais que seu corpo emite.

“Nos chamados surtos, em que a mielina está sendo atacada com mais intensidade, o paciente tem de ser medicado rapidamente para evitar que a lesão deixe seqüelas”, adverte o médico.

Esses medicamentos visam transpor a barreira que inibe os impulsos, já que as ordens emitidas pelo cérebro não chegam até a musculatura das pernas, por exemplo, prejudicando os membros inferiores. Também pode ocorrer a perda de sensibilidade ao toque. Lineu Werneck recomenda que sejam incentivados tratamentos multidisciplinares para adiar a progressão da doença, com a colaboração de fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas.

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