Atendimento à mulher pelo SUS deixa a desejar

A saúde da mulher não é tratada de maneira correta pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS) em nenhuma das regiões do Brasil, segundo pesquisa da médica sanitarista Ana Maria Costa, mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Ela fez um levantamento com dados estimados de 5.507 municípios do País e com entrevistas de 627 gestores das secretarias municipais de saúde no final de 2003. A pesquisadora concluiu que apenas 2% das cidades possuem um tratamento integral ideal para as mulheres.

Se forem considerados níveis intermediários de atendimento, o índice passa para 20,3%. O número de municípios brasileiros excluídos, que não possuem nenhum tipo de atendimento específico nessa área, chega a 51,4%. Na região Sul, a exclusão é de 46,9% (544 cidades das 1.158 pesquisadas).

A médica considerou quatro tipos de atendimento. O mais amplo é o integral plus, que inclui pré-natal de baixo e alto riscos, identificação e tratamento de hipertensão, planejamento familiar, exame de papanicolau (prevenção de câncer de colo do útero), mamografia, identificação e tratamento de câncer de mama, ações educativas sobre sexualidade, tratamento para infertilidade, vítimas de violência, identificação e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e atenção aos casos de aborto previstos por lei. Apenas 0,2%, ou seja, nove cidades brasileiras, possuem esse tipo de atenção. Nenhuma delas na região Sul. "Abordei desde a saúde da família até hospitais de grande porte da rede do SUS. Apesar de o Brasil ter uma política excelente de atendimento integral às mulheres, os municípios atualmente não estão oferecendo nada disso. O atendimento está restrito. Basicamente, a situação de hoje reflete os trabalhos não realizados pelo SUS na década de 1990", afirma Ana Maria.

A médica também considerou o atendimento semi-integral, no qual estavam inclusos o pré-natal de alto e baixo riscos, prevenção e tratamento de hipertensão, planejamento familiar, papanicolau, mamografia, tratamento de câncer de colo uterino e de mama, ações educativas sobre sexualidade, identificação e tratamento de DSTs. Apenas 1,9% dos municípios (105) têm esse tipo de prestação de serviço. Na região Sul, 3% das cidades contam com o atendimento semi-integral.

Ana Maria ainda criou a divisão "atenção básica", em que são oferecidos o pré-natal de baixo e alto risco, prevenção e tratamento de hipertensão, planejamento familiar, ações educativas sobre sexualidade e papanicolau. Cerca de 18% dos municípios têm esse atendimento. Na região Sul, o índice é de 17,4%. A última divisão feita pela pesquisadora foi o atendimento materno-infantil, com pré-natal de baixo risco, planejamento familiar e ações educativas sobre sexualidade. Cerca de 28% possuem apenas esse tipo de atenção. Na região Sul, 32,6% dos municípios têm somente o atendimento materno-infantil. Do total das cidades pesquisadas, 51,4% (ou 2.833) estavam excluídas de qualquer integralidade. A percentagem no Sul é de 46,9% (544 municípios).

Falta de incentivo

Para Ana Maria, "o Ministério da Saúde pouco incentivou atividades pontuais, o que comprometeu a integralidade. Os locais precisam ser centros de saúde, para promovê-la como um todo. O comprometimento é tanto que uma mulher que tem uma doença diagnosticada não tem as mesmas chances de receber tratamento adequado. Há fraturas no sistema, desde o atendimento mais simples até o mais complexo".

Custo alto impede maior alcance

O médico Jaime Kulak Júnior, que faz parte da coordenação do programa de saúde da mulher da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), explica que a dificuldade de alcance do atendimento é uma questão puramente financeira, pois os diagnósticos e tratamentos são muitos caros. Ele diz que não é possível colocar a infra-estrutura ideal em cada cidade e que nem há necessidade disso. De acordo com ele, as regionais de saúde do Estado estão equipadas para dar a atenção correta às mulheres.

Kulak anuncia que o governo do Paraná irá lançar ainda neste semestre o programa Ser Mulher, que abrange sete subespecialidades: sexualidade, infertilidade, DST/aids, patologia do trato genital inferior (como casos de câncer de colo do útero), climatério (menopausa), violência sexual e saúde da adolescente. "O Estado já está com os equipamentos, que começarão a ser entregues em breve. A secretaria vai capacitar os profissionais. Oito regionais já estão incluídas no programa e há previsão de expansão para mais duas. Existe uma preocupação muito grande com falhas no diagnóstico e no tratamento", destaca.

O médico enfatiza que 70% das mães de todos os bebês nascidos vivos do Paraná passaram por, pelo menos, sete consultas de pré-natal. O Ministério da Saúde recomenda ao menos seis consultas. Além disso, ele informa que foram realizados 132.700 exames de mamografia e 29.500 ecografias de mama em 2004, contra 53.487 e 10.900, respectivamente, em 2001. Kulak ainda diz que foram investidos R$ 6 milhões no programa de gestação de alto risco da Sesa no ano passado. (JC)

Dificuldades estão na cidade e no campo

A médica responsável pela pesquisa ainda identificou que as mulheres negras, índias ou que moram em zona rural e em assentamentos estão excluídas das políticas municipais de saúde. A coordenadora do setor de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná, Eliane Alves Paes, confirma a situação. "Na teoria, o programa do SUS é bom, mas na prática ele não funciona. A exclusão é real em alguns municípios e estados. No Paraná, existem dificuldades, mas estamos trabalhando para que isso mude", declara.

Ela conta que o acompanhamento da gestação de uma mulher que vive em acampamentos ou assentamentos passa por diversas dificuldades. "Tem que lutar muito para a mulher ter o atendimento. Várias mulheres já tiveram seus filhos dentro de um carro porque iam para uma cidade, não encontravam atendimento e tinham que ir para outra. Não dava tempo. Hoje a situação é um pouco melhor. Muitas grávidas já conseguem ter as seis consultas mínimas e todos os exames garantidos por lei", revela Eliane. Ela também ressalta que os gestores de saúde de alguns municípios vão até os locais onde as mulheres estão com o objetivo de colher amostras para exames de diagnóstico de câncer do colo do útero.

As dificuldades também atingem aquelas que estão nas cidades grandes. A camareira Marlene Alves dos Santos critica o atendimento que é oferecido no posto de saúde do bairro Pilarzinho, em Curitiba. "Não tem médico ginecologista. Lá, nunca ouvi alguém falar sobre prevenção de câncer de mama", indica. A auxiliar de enfermagem Rita de Cássia Souza também aponta a falta de ginecologista. "O atendimento é muito deficitário. Só vi uma ou duas vezes falarem algo sobre prevenção de câncer. A minha nora fez o pré-natal dela aqui e foi bom, mas escutei reclamações de outras mulheres que não tiveram o mesmo atendimento", comenta. (JC)

EXCLUSÃO DA DIVERSIDADE NO ATENDIMENTO ÀS MULHERES:

91% dos municípios não incluem atenção às negras nos programas de saúde.

91% não possuem programas voltados às mulheres indígenas.

56% não incluem programas para as mulheres que moram na zona rural.

85% não incluem as mulheres assentadas nos programas de saúde.

EXCLUSÃO NO ATENDIMENTO E TRATAMENTO

68% dos municípios oferecem uma cobertura de 75% para exames de papanicolau.

14% oferecem tratamento para mais que 75% da demanda de câncer de colo do útero.

81% não realizam mamografia.

8,1% atendem à cobertura de 75% para o tratamento de câncer de mama.

10% oferecem laqueadura  (75% da demanda).

EXCLUSÃO NO PLANEJAMENTO FAMILIAR

73% dos municípios não oferecem tratamento contra a infertilidade.

53% oferecem camisinha como método anticonceptivo.

47% oferecem pílula.

16% oferecem o dispositivo intra-uterino (DIU).

13,5% oferecem métodos hormonais injetáveis.

6,6% oferecem o diafragma.

EXCLUSÃO ÀS GESTANTES

78% dos municípios não empregam o enfermeiro obstetra para partos de baixo risco.

65% não permitem a presença de familiares durante o parto.

45% não permitem a visita prévia à maternidade.

43% não atendem ao pré-natal de alto risco.

Em 29% dos municípios não é o mesmo profissional que acompanha as consultas do pré-natal.

Em 10% das cidades não há garantia de vaga para o parto.

2% não atendem ao pré-natal de baixo risco.

Fonte: Pesquisa Atenção Integral à Saúde das Mulheres: Quo Vadis, da médica Ana Maria Costa.

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