Tribunais de Justiça inovam em busca da eficiência

Dona de casa, Regina Albuquerque teve um susto quando entrou com a papelada para um financiamento habitacional. Seu pedido foi negado devido ao seu nome ter sido incluído nos cadastros do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e do Serasa. A ex-comerciante foi parar nas listas devido a um cheque sem fundo, dívida essa que já havia sido paga anos atrás.

?Quando fui orientada a procurar o Fórum, pensei que meu caso fosse levar anos para ser resolvido?, disse. Mas para seu espanto, em menos de um mês ela foi beneficiada com a sentença, recebendo uma indenização e ainda tendo seu nome retirado dos serviços de proteção ao crédito.

Além da espantosa velocidade com que a sentença foi proferida, vale levar em conta que o caso aconteceu em Aracaju, Sergipe, um dos primeiros Tribunais de Justiça do País a implantar o sistema de processo virtual, que promete pôr em prática nos tribunais brasileiros uma palavra que parece antagônica ao sistema jurídico brasileiro: eficiência.

O sistema de gerenciamento do processo virtual foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através de software livre, e contou com a colaboração e experiência de tribunais de diversas regiões, mas foi baseado no sistema Pro-Jud, do Tribunal de Justiça da Paraíba. ?Parece irônico que seja do nordeste que venha a solução, já que o senso comum sempre lembra da região como mais atrasada?, afirma o secretário-geral do CNJ, juiz Sérgio Tejada.

Tejada cita pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre a percepção popular em relação ao Poder Judiciário, para afirmar que o núcleo da crise enfrentada pela Justiça brasileira é a morosidade. Com a implantação do processo eletrônico, o atual quadro da Justiça brasileira tende a mudar rapidamente, garante o secretário.

Implantação

Segundo o magistrado, este será o ano da massiva implementação e da consolidação do processo virtual na Justiça brasileira. O Sistema Virtual Nacional, como vem sendo chamado, está sendo distribuído para todos os tribunais do País, já que as leis que tratam da desobstrução dos trabalhos da Justiça e da redução do número de processos que tramitam nos tribunais entram em vigor a partir de fevereiro. E além do desenvolvimento e distribuição do sistema de gerenciamento do processo virtual, o CNJ está fornecendo suporte técnico e equipamentos aos tribunais.

Tejada acredita que a implantação do sistema será uma revolução no sistema judiciário. Existem hoje no Brasil 35 milhões de processos aguardando julgamento. Isso equivale a um prazo médio de oito anos para que uma sentença chegue ao final. ?Baseado na experiência dos tribunais que já utilizam a tecnologia, vemos que a velocidade e a economia são incomparáveis?.

Atualmente já existem cerca de 2,5 milhões de processos totalmente virtuais realizados desde a petição até o julgamento. Um exemplo é o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que atua no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. ?O Brasil é pioneiro no processo virtual. Falta agora integrar as soluções?, afirma o secretário-geral. Tejada administrará neste ano uma verba de R$ 110 milhões para agilizar os processos com tecnologia da informação.

O objetivo é que, a partir deste ano, todas as etapas de processos judiciais sejam feitas com o uso de TI e comunicação. Segundo o secretário-geral do CNJ, todos os ajustes legais necessários para a implementação da virtualização foram equacionados no dia 19 de dezembro de 2006, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.419, que trata da tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais por meio eletrônico. A lei entra em vigor no próximo dia 19 de março.

O Tribunal de Justiça do Paraná está entre os 17 dos 26 tribunais estaduais que estarão prontos para instalar e inaugurar varas-piloto de processo eletrônico já a partir de março.

Projeto vai gerar economia de R$ 800 milhões por ano

Foto: Arquivo/O Estado

Ellen: ?Com o processo ambiental, temos a redução de tempo e de custo, que é bem significativa?.

Outro ponto forte do projeto, além de simplificar e agilizar a rotina, é gerar uma economia anual de cerca de R$ 800 milhões. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Ellen Gracie, afirma que entre os juizados especiais federais, cerca de 80% já utilizam o processo virtual. ?Com o processo ambiental, temos a redução de tempo e de custo, que é bem significativa, bem como o impacto ambiental?, diz a juíza.

Para se ter uma idéia, apenas o STF movimentou cerca de 680 toneladas de papel durante o ano de 2006, considerado o protocolo de recursos e a remessa à origem dos feitos julgados. Anualmente são iniciados 20 milhões de processos no Brasil. Estimando-se que um processo tenha a média de 30 folhas, são gastos 600 milhões de folhas por ano, sem contar os produtos químicos, água e demais insumos necessários à fabricação de papel. O custo médio da confecção de um volume com 20 folhas, computando-se papel, etiquetas, capa, tinta, grampos e clipes, fica em R$ 20. Ou seja, os 20 milhões de processos anuais custam ao país R$ 400 milhões.

Incorporamento natural

A presidente do CNJ salientou que, no desenvolvimento do processo eletrônico, foi preocupação constante dos representantes e técnicos dos tribunais de justiça, federais e do trabalho garantir que ?a adaptação à nova metodologia não signifique um retraimento por parte dos profissionais pouco afeitos ao meio tecnológico. Tratou-se de criar ambiente amigável de transição entre o sistema tradicional e a inovação. E, tenho confiança que, assim como o povo deste País, sem distinção de escolaridade, assimilou prontamente e sem dificuldade o uso da urna eletrônica, também em breve espaço de tempo, qualquer eventual estranheza quanto ao novo sistema será superada?.

Para a ministra, neste campo não é possível retroceder. ?É chegada a hora de estender também à rotina judiciária a utilização da tecnologia disponível e de fácil acesso. Ela nos permitirá realizar muito melhor as tarefas meramente repetitivas e burocráticas que até agora assoberbam nosso corpo funcional. Ela proporcionará, sobretudo, uma velocidade de resposta à sociedade antes impensável?.

As mudanças que virão

Hoje, como o processo é único, ele só pode estar em um lugar de cada vez e transita via secretarias, que fazem o controle do andamento. No futuro, o processo será virtual e hiperdinâmico, podendo ser acessado remotamente e ao mesmo tempo por vários interessados, via internet.

Atualmente, ele contém páginas numeradas uma a uma, encadernadas em volumes, nos quais vão sendo anexados (apensados) os documentos que o compõe, numa seqüência de atos jurídicos, administrativos e processuais. No futuro, esse andamento será feito eletronicamente, por meio de senhas e certificação digital para os atos necessários ao seu andamento.

Tejada cita levantamento realizado no Supremo, para afirmar que 60% do tempo do processo é gasto em movimentações a que está sujeito. No processamento eletrônico, a burocracia acaba, pois as petições, certidões e demais atos processuais serão realizados no espaço virtual, sem necessidade do deslocamento físico dos autos.

Críticas

Mas, claro, existem muitos oposicionistas à implantação do sistema virtual. As críticas vão desde a legalidade até à segurança das informações disponibilizadas. Quanto às críticas em relação à sua legalidade, Tejada diz que existe base legal para sua aprovação, porque o processo não irá mudar, continua o mesmo em sua essência. O que irá mudar é o meio. ?O que a Constituição exige é ?o devido processo legal? e o acesso à justiça?.

Já quanto às questões de sigilo, o secretário refuta argumentos de possibilidade de fraudes ou invasão eletrônica por hackers. ?Qual a garantia de que não vai ser quebrado o sigilo no processo tradicional? O processo está em um armário com possibilidade de acesso por um servidor mal-intencionado que pode fraudá-lo. Da mesma forma, já que no Brasil o processo judicial é público, o que impediria um advogado ou uma das partes falsificarem alguma parte dele??

O processo eletrônico, segundo Tejada, ?deixa rastros, pois sempre que o mesmo for acessado, o sistema terá o registro desse acesso, com todas as informações necessárias para se chegar ao responsável pela entrada no sistema. Portanto, quando se fala em segurança do processo eletrônico, ele é muito mais seguro que o tradicional, em papel?.

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