Recepção a Einstein no Automóvel Clube

No sábado à tarde, dia 9 de maio de 1925, após um jantar na casa de Kohn, partiram para a colônia israelita, em carro com Isidoro Kohn, sua esposa Irma e o rabino Rassalovich e uma amiga do casal, Poldi Wentl. Foram acompanhados por um carro conduzido por Getúlio das Neves no qual viajavam Roberto Marinho de Azevedo, Pacheco Leão, Mário Rodrigues de Souza e Inácio Azevedo do Amaral.

Na sede do Automóvel Clube do Brasil, onde às 21h ocorreu uma bela recepção,  coube ao rabino Isaiah Raffaellovich apresentar Einstein aos presentes, e ao professor David Peres pronunciar o discurso de saudação. Edward Hodrewitz saudou em ídiche e Isidoro Kohn em alemão. Damos a seguir o texto do discurso do rabino Isaiah Raffalovich:

?A visita do professor Einstein representa um grande acontecimento que será escrito com letras de ouro na história da jovem comunidade judaica do Rio de Janeiro. Será contada a nossos filhos do brilho que a grande estrela refletiu sobre todos nós e do orgulho de seu povo, que deu ao mundo um gênio dessa categoria.

Aqui não é o lugar, e eu não tenho qualidades suficientes para valorizar o grande trabalho de nosso visitante. Na verdade, Einstein constitui-se com seus estudos num cidadão do mundo. O conhecimento não tem fronteiras e pertence a todos os povos. Mas para nós ele é um símbolo de que com seu conhecimento trouxe um benefício para toda a humanidade. Orgulhamo-nos por mais um nome na grande lista de gênios que nós demos ao mundo, em cada uma das gerações. Ele nos transmite uma lição pela sua vida, e pelo seu conhecimento. É possível ser um Einstein: um cidadão do mundo e um judeu fiel.

Nós agradecemos a oportunidade de poder expressar ao nosso honrado visitante nossos agradecimentos por tudo o que ele fez e continua fazendo pela sobrevivência de nosso povo, e pela criação da Universidade Hebraica em Jerusalém, pela sua grandiosa contribuição para estudantes judeus na Europa, e pela honra que nos deu de sua permanência entre nós.

A comunidade judaica no Rio compõe uma pequena parte de nosso povo espalhado pelo mundo, somos pequenos, novos e velhos ao mesmo tempo, reunidos de diferentes locais, com diferentes línguas, diferentes costumes. E não se entendem bem uns com os outros. Hoje, porém, estamos reunidos e temos uma única finalidade, receber Einstein com alegria e transmitir a ele todos os sentimentos da comunidade.

O senhor, professor Einstein, sabe como nós judeus valorizamos o estudo. Da aristocracia judaica nunca fizeram parte os ricos, e sim os estudiosos e os ta/mudei chachamim (sábios do Talmud). A história judaica é um arquivo de profetas, rabinos, poetas e homens de ciência. A maior ambição de uma família judia é dar a seus filhos ensino. Disto advém, senhor professor, que o senhor é querido e valorizado por todo o mundo judaico. E nós almejamos que seu bom senso inspire a todos os nossos irmãos no Rio para eternizar nossa tradição e para que juntos trabalhemos para trazer a bênção para o nosso povo e para a libertação da nossa terra em Eretz Israel (Terra de Israel).?

Einstein respondeu em alemão, reafirmando o quanto as suas convicções religiosas tinham contribuído para orientá-lo em suas pesquisas.

Einstein deixou o seguinte comentário sobre essa recepção, em seu diário: ?Discursos longos cheios de entusiasmos e excessiva adulação, mas no entanto tudo com muita sinceridade. Graças a Deus tudo terminou só faltam mais dois dias para concluir o que me parece ser agradável. Sinto uma saudade irresistível de descanso de tantas pessoas desconhecidas.?

Floresta da Tijuca

Einstein também aproveitou para
conhecer a Floresta da Tijuca.

No dia 10 de maio, domingo, havia sido programada uma viagem em trem especial a Itatiaia, com regresso na segunda-feira; em virtude de dificuldades na obtenção desse trem, transferiu-se o passeio para a Floresta da Tijuca. Passeou de automóvel pela Floresta da Tijuca e pela Gávea, subindo a pé o Pico do Papagaio, com Isidoro e a irmã deste, além do rabino Raffaelovich. Num segundo veículo, conduzido por Getúlio das Neves, estavam Roberto Marinho Azevedo, Pacheco Leão, Mário de Souza e Azevedo do Amaral. Subiram por São Conrado, passaram pelo Alto da Boa Vista, Vista Chinesa e desceram pela rua das Laranjeiras até o Cosme Velho, de onde tomaram um trem que os conduziu ao Corcovado.

Durante este passeio dominical à Tijuca e ao Corcovado, Einstein conversou, diversas vezes, sobre a teoria da relatividade com Roberto Marinho de Azevedo e Ignácio Azevedo Amaral.

Foi nessa fria manhã de maio, durante o trajeto a pé entre a Mesa do Imperador e a Vista Chinesa, que Einstein expôs vários pontos de vista e forneceu inúmeros esclarecimentos aos seus colegas de passeio.

No alto do Corcovado, enquanto esperavam o pôr-do-sol, a conversa voltou de novo para a teoria da relatividade, por ocasião de uma consulta de Roberto Marinho sobre a transformação de coordenadas quadrimensionais. A resposta de Einstein foi, segundo relata Azevedo Amaral, em seus manuscritos, modelar pela sua clareza e precisão.

Ao aludir Roberto Marinho ao capítulo sobre a Natureza das Coisas, do livro Espaço, Tempo e Gravitação, de autoria do astrônomo inglês Arthur Eddington, Einstein aproveitou a ocasião para tecer elogios à obra eddingtoniana, em particular à profundeza dos conceitos elaborados naquele capítulo. Nesta ocasião recordou-se Azevedo Amaral da frase de Henri Poincaré, em seu livro O Valor da Ciência, no qual afirma ?que toda realidade, completamente, independe do espírito que a concebe, a vê ou a sente, é uma impossibilidade?, e aproveitou a ocasião para consultar Eintein sobre se a concepção do universo podia ou não ser independente das percepções sensoriais, ao que o cientista respondeu afirmativamente, citando inúmeros exemplos e argumentos.

Com referência a este passeio, escreveu: ?Excursão de carro a diversos pontos com vistas panorâmicas com a família de Kohn. Pôr-do-sol no Corcovado em trem de roda dentada a cabo.?

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do ?Explicando a Teoria da Relatividade?. Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com 

Visita ao Rio de Janeiro é omitida em grande parte das biografias do gênio

Esta visita de sete dias ao Brasil está omitida em quase todas as biografias de Einstein; a razão da omissão é pouco conhecida. Lélio Gama, em seu artigo A teoria de Einstein e os eclipses do Sol, referindo-se à confirmação da teoria da relatividade pelo eclipse de Sobral, ressaltou que ?o Brasil foi um dos berços da sua glória?. Realmente, para confirmá-lo existe um artigo do jornalista Assis Chateaubriand, no O Jornal, no qual relata que, ao solicitar uma prova do seu reconhecimento ao Brasil, teria Einstein escrito: ?O problema concebido pelo meu cérebro foi resolvido pelo céu luminoso do Brasil.?

Coube a Ignácio Azevedo Amaral, professor de cálculo e geometria analítica, que acompanhou Einstein em todas as suas visitas, o melhor registro sobre sua permanência no Rio de Janeiro.

Sua atividade de cicerone ficou, felizmente, registrada sob a forma de algumas folhas manuscritas que me foram fornecidas pela sua esposa Nadir Azevedo Amaral. Nessas valiosas páginas, relatou Azevedo Amaral suas conversas sobre a teoria da relatividade com Einstein, o que era pouco comum ocorrer, pois era muito bem conhecido de todos que privavam de sua intimidade a grande repugnância que sentia pelas conversas sobre suas pesquisas.

Segundo Azevedo Amaral, que acompanhou Einstein em todos os lugares, somente três vezes, até o dia 10 de maio, a conversa voltou-se para seus estudos científicos; nestas três únicas vezes, seu interlocutor tinha sido o matemático Roberto Marinho de Azevedo; a primeira ocorreu na tarde do dia 6 de maio, no Clube de Engenharia, logo após a conferência de Einstein, e a segunda na noite do dia 7 de maio, durante o trajeto de automóvel da sede da Academia de Ciências para o Hotel Glória. A terceira ocorreu no dia 9 de maio, espontaneamente, quando da volta do Observatório Nacional.

Depois de uma longa pesquisa nos livros escritos por e sobre Einstein, conseguimos encontrar sua opinião sobre a visita à América do Sul, em carta datada de Berlim, 5 de julho de 1925, a seu amigo Michele Besso:

?A 1.º de junho, cheguei da América do Sul. Foi uma grande agitação sem interesse verdadeiro, mas também algumas semanas de repouso durante a travessia…

 Para achar a Europa agradável, é preciso visitar a América. Na realidade, as gentes de lá são desprovidas de preconceitos, mas são, ao contrário, em sua maioria, vazias e pouco interessantes, ainda mais que entre nós.?

Pesquisa

Recentemente, em meados de 2002, pesquisando na internet, encontrei a página The Archival Datebase que permite acessar as imagens digitais de seus cadernos de notas e diários de viagens, inclusive os referentes à viagem pela América do Sul (Argentina, Brasil e Uruguai) que fiz traduzir para complementar os dados publicados na imprensa brasileira e os depoimentos pessoais que conseguir reunir de Ignácio Azevedo Amaral e de Lélio I. Gama. Desde último, além do texto sobre a vista de Einstein ao Observatório Nacional, consegui que me auxiliasse na identificação das pessoas presentes nas fotografias relativas a passagens do cientista alemão pelo Rio de Janeiro, em especial a tirada por ocasião na vista ao Observatório. (RRFM)

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