Para onde vai a tecnologia genética?

Nem mesmo a avançada tecnologia atual é capaz de garantir rápida evolução em todos os ramos da ciência. Um exemplo é a pesquisa sobre as proteínas produzidas pelo gene humano. Derivado do notório Projeto Genoma, que mapeou a seqüência do DNA humano, o Proteoma – que pretende identificar as proteínas produzidas pelos genes – ainda engatinha, sendo necessários ainda muitos anos para a conclusão da pesquisa.

Quem faz essa previsão é o geneticista paranaense Salmo Raskin, membro do projeto Genoma Humano e presidente recém-eleito, pela segunda vez seguida, da Sociedade Brasileira de Genética Médica. Esta semana, um dia antes de ir a Brasília – onde defendeu, na quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), o direito dos casais decidirem se querem ou não interromper a gravidez de fetos anencéfalos -, ele conversou com O Paraná-Online sobre os rumos da medicina genética e as contribuições da tecnologia nas pesquisas.

Paraná-Online – No que a genética evoluiu desde o Projeto Genoma?

Salmo Raskin – A genética está em um ponto de grande avanço. Já temos a capacidade de fazer diagnóstico de mais de mil doenças genéticas, o que há anos atrás era inimaginável. E não só isso, mas também de determinar se o indivíduo, ou mesmo seus filhos, têm predisposição para contrair determinadas doenças. É um campo sem precedentes. Os diagnósticos podem ser feitos de uma maneira bem mais precisa do que no passado. Também evoluiu no tratamento de doenças. No passado, o diagnóstico era possível, mas o tratamento, inviável. Isso tudo tem uma importância muito grande para a saúde pública. Isso tudo é reflexo das pesquisas de identificação de genes – o genoma humano.

Quais os próximos passos?

O próximo é entender o que os genes fazem. Eles produzem proteínas, então é preciso descobrir quais são, qual o papel normal delas e o que sua falta faz em uma pessoa. Alguns chamam essa pesquisa de Projeto Proteoma – que é um nome derivado do Projeto Genoma. Isso está em andamento, mas é um projeto mais complicado que o Genoma.

Mesmo com a tecnologia atual estando mais avançada que há dez anos?

Mesmo assim. Porque cada gene produz mais de uma proteína. São cerca de 25 mil genes, cada um com três ou quatro proteínas diferentes. Então, podemos ter 100 mil proteínas, que ainda podem interagir umas com as outras. Vão ser necessários muitos anos para essa pesquisa.

E aonde os resultados dessa pesquisa serão úteis?

Para a compreensão de muitas doenças determinadas por fatores genéticos, ou as chamadas multifatoriais, nas quais a genética é um dos fatores, como o câncer, a depressão e a pressão alta (hipertensão). Já há várias pesquisas em andamento inclusive no Brasil. Eu mesmo estou em um grupo de pesquisa sobre a fissura lábio-palatal – os chamados lábios leporinos – um exemplo de doença multifatorial. Mas [a pesquisa] deve levar anos ainda.

A garantia de cobertura dos planos de saúde para exames genéticos foi uma grande conquista da área. A cobertura pelo SUS é um próximo passo? E é uma possibilidade real ou ainda remota?

É um próximo passo, sim. Temos uma reunião marcada para o dia 3 de setembro no Ministério da Saúde, para definir essa inclusão da medicina genética no SUS. As perspectivas são muito boas. É algo que já deveria ter sido feito há muito tempo. Não tenho nada contra, mas se até cirurgias de mudança de sexo são cobertas pelo SUS, não há porque a genética n&a,tilde;o ser também. Acredito que em um ano no máximo, ou até antes, isso já seja realidade.

Fora o fato de terem anunciado recentemente a possibilidade de clonagem de animais extintos, o assunto parece ter saído de cena nos últimos meses. A onda enfraqueceu? E quanto aos animais extintos? Em que áreas a clonagem traz benefícios à humanidade?

Essa clonagem aconteceu, não de um animal, mas de um pedaço do DNA de um animal extinto, no caso, o tigre-da-tasmânia. Conseguiram fazer com que esse pedaço de DNA funcionasse, produzindo proteína. E também tiveram grupos que fizeram clonagem de animais, como gatos e cachorros. Mas a parte importante disso tudo é a clonagem terapêutica de células, feita para tratar doenças degenerativas.

O que é a farmacogenômica? Em que ela já contribui para a medicina atual, e onde ela ainda pode contribuir?

É uma nova área que surgiu. Mistura a farmacologia com o Projeto Genoma. São feitos testes genéticos em uma pessoa antes de dar algum remédio a ela. Assim evitam-se efeitos colaterais, e pode ser dada a dose certa para aquela pessoa.

Os testes detectam as variabilidades do genoma de indivíduo para indivíduo, para saber a resposta de cada um a medicamentos. Por exemplo, algumas pessoas eliminam as substâncias mais rapidamente que outras. Por isso, elas podem receber doses maiores. E essa característica está na genética, e pode ser detectada através de exames de sangue.

Nas últimas Olimpíadas, foi discretamente levantado o assunto do doping genético. Ele já é realidade ou ainda está na ficção? E o que é isso, afinal?

Essa é uma preocupação ainda teórica. Ele poderia ser feito inserindo-se material genético, que possa gerar a produção de determinadas substâncias, por exemplo, que dêem mais mobilidade, ou aumentem a fibra muscular. Mas não consigo enxergar isso sendo feito hoje. Quem sabe nas próximas Olimpíadas já seja algo para se preocupar. Pois na genética, o que é hoje ficção científica, daqui a quatro anos já pode ser realidade. Então é algo em que devemos ficar de olho. Mesmo porque, apesar de não ser impossível, será bem difícil de ser detectado.