Fitoestrogênios e controle hormonal

Os estrogênios são compostos do grupo esteróide, preferencialmente atuando como hormônios sexuais femininos. Promovem o desenvolvimento das características sexuais secundárias, como os seios, e espessamento do endométrio uterino, comandando a repetição do ciclo menstrual. Dentre as múltiplas outras funções, os estrogênios aumentam a massa óssea, incrementam a biossíntese protêica hepática, modulam o mecanismo de coagulação (e.g., aumentam a adesividade das plaquetas), aumentam as HDLs (?colesterol bom?) e diminuem as LDLs (?coleterol ruim?), governam, em parte, a retenção de sais e água, reduzem a motilidade intestinal e negativamente alimentam o crescimento de uma grande porcentagem de cânceres (aqueles ditos sensíveis a hormônios).  

Os estrogênios integram a composição de medicamentos orais contraceptivos e se prestam ainda a medicamentos para a reposição hormonal de mulheres na pós-menopausa (e.g., para controlar a osteoporose ou fragilização dos ossos). Dada a estrutura química, permeiam facilmente pela membrana plasmática celular e se ligam aos receptores de vários tecidos. Os três estrogênios principais (que também existem no homem, mas em reduzidas concentrações) são o estradiol, o estriol e a estrona. Notar que todos são derivados do colesterol. Desde a menarca (primeira menstruação) até a menopausa (descontinuidade do ciclo menstrual) o estradiol é o estrogênio dominante. Substâncias sintéticas da indústria farmacêutica com ação estrogênica, ou seja, capazes de imitar os hormônio sexuais femininos são chamadas de xenoestrogênios (e.g., DES – diethylestilbestrol) enquanto que as naturais (origem vegetal) são designadas de fitoestrogênios. Dois grupos distintos de fiotestrogênios são as isoflavonas (e.g., de soja) e as lignanas (e.g., de linhaça ou semente de linho).

Como os estrogênios de mamíferos são reconhecidos por receptores (e.g., no núcleo das células), tanto os xenoestrogênios quanto os fitoestrogênios devem guardar alguma semelhança estrutural química com os estrogênios naturais para viabilizar o mecanismo de reconhecimento (aceitação) pelos receptores em regime de competição ou substituição. Notar por exemplo a semelhança entre os anéis A/B de uma isoflavona e os anéis A/C do estradiol. Os receptores para estrogênios estão expressos não apenas nos tecidos reprodutivos, mas também são encontrados em células do miocárdio, endotélio, músculo liso e nos seios, fígado, ossos e cérebro.

A soja é uma fonte clássica de isoflavonas (gliciteina, genisteína, daidzeína). Outras fontes são o trevo vermelho e brotos de alfafa (formononetina, bichanina A e coumestrol) e amendoim. É comum que as isoflavonas ocorram nos vegetais na forma glicosilada, ou seja, ligadas a açúcares, o que lhes aumenta a solubilidade em água (glicitina; genistina; daidzina). É notório que nos povos orientais (e.g., chineses e japoneses) a incidência de ?calorão? de menopausa, osteoporose e mesmo câncer é bem menor da que ocorre nos ocidentais. A equipe do dr. Constantinou Al, do Departamento de Oncologia Cirúrgica da Universidade de Illinois em Chicago, comprovou que a associação de daidzeina com tamoxifen produziu proteção aumentada contra carcinogênese mamária: a multiplicidade tumoral ficou reduzida em 76% e a incidência tumoral em 35%.

No que tange às lignanas, as fontes vegetais principais são as sementes (linho, abóbora, girassol e papoula), grãos inteiros (trigo, centeio), frutas (particularmente as cerejas) e vegetais folhosos. Exemplos de lignanas bem caracterizadas são o secoisolariciresinol, matairesinol, pinoresinol e laricresinol. A biossíntese das mesmas inicia com o álcool coniferílico (que também é um dos precursores da lignina, o cimento de união da celulose e hemicelulose nas paredes celulares dos vegetais). No trato digestivo humano, as lignanas vegetais são facilmente demetiladas por enzimas bacterianas para se converter nos fitoestrogênios humanos enterodiol e enterolactona.

As lignanas apresentam efeitos biológicos similares, mas não idênticos às isoflavonas (e.g., redução de risco de câncer nos tecidos reprodutivos e manutenção da densidade óssea). Alguns efeitos das lignanas independem da ligação aos receptores estrogênicos; eles resultam da inibição de enzimas do metabolismo humano dos próprios estrogênios endógenos. Isoflavonas e lignanas, por serem polifenóis, compartem uma outra propriedade biológica de suma importância: enquanto antioxidantes, combatem os radicais livres responsáveis pelo envelhecimento e morte celular. O efeito protetor de ambos grupos de fitoestrogênios vale também no caso de risco de doença cardiovascular. Os efeitos de lignanas no combate ao câncer são controversos, mas pesquisadores holandeses da Universidade de Wageningen (A. Kuijsten et al., Câncer Epidemiology Biomarkers and Prevention, 15 : 1132-1136) sustentam que uma dieta enriquecida em lignanas corta o risco de câncer colorretal pela metade. Também encontraram que o enterodiol é mais bioativo do que a enterolactona. O número anual mundial de casos de câncer colorretal é 945.000. A equipe do dr. Constantinou Al, do Departamento de Cirurgia Oncológica da Universidade de Illinois em Chicago, comprovou que a combinação de daidzeína com tamoxifen aumenta a proteção contra a carcinogênese mamária: a multiplicidade tumoral ficou reduzida em 76% e a incidência tumoral em 35%. Conforme pesquisa da Escola Médica de Harvard, em Boston, um extrato de Radix pueraria, tradicionalmente utilizada na China para tratamento de intoxicações de alcoólatras, suprimiu a busca por álcool de hamsters viciados em bebidas alcoólicas.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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