Bionegócios e os (bons) ventos catarinenses

Março/2004: um devastador ciclone, inédito no Brasil, feriu fundo o pacato povo catarinense. Vidas ceifadas de humildes pescadores e milhares de desabrigados e habitações destruídas. Bom que o PR também tenha se solidarizado para mitigar a dor e necessidades inesperadas de nossos vizinhos. Por esforço próprio e alguma ajuda federal vão, penosamente, substituindo as lágrimas pelo suor da faina de reconstrução.

Outros ventos, os da bonança laboriosa tem, compensatoriamente, soprado no solo e água catarinenses. Comentemos, pois, um deles. Também, de março.

Estado industrializado que bem reflete a conjunção dos abrasileirados descendentes de alemães, italianos, portugueses e outras etnias igualmente ativas, Santa Catarina enfrentou o desafio e chamou para si, na UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, o seminário “Transformando Biotecnologia em Bionegócios”, uma atividade de interiorização da ABRABI Associação Brasileira de Biotecnologia, com seu fundador o prof. Antonio Paes de Carvalho à frente e contando o estado-da-arte com ajuda do sobrinho João Sebastião, diretor-executivo. Escalaram, desde PE até o RS, uma plêiade de conferencistas e desbravadores no tema. SC e PR fizeram o contraponto. Limitado este espaço, cada citado vale por um grupo anônimo, tal qual sempre acontece em Biotecnologia, multidisciplinar e congregadora. Evento de dois dias intensos de trabalho coordenados por Marcos e Tânia Pessatti, casal docente da UNIVALI. Ele, coordenador do curso de Biotecnologia da casa e quem antes revelou a glicoproteína P ejetora de xenobióticos no molusco Perna perna (mecanismo parecido ao que ocorre em tumores atacados por medicamentos). Ela, recém premiada pelo relato de potencialização de memória de ratos fartamente alimentados com polifenóis de vinhos tinto desalcoolizado. Dupla muito ativa no time do Reitor José R. Provesi.

No evento, Diógenes dos Santos (Farmácia; PUC-RS) com a Biologia Molecular a serviço de novas drogas anti-tuberculose, um pesadelo nacional com seus 90.000 casos a cada ano e construindo uma tecnologia nacional para a produção do fator VIII da coagulação. Substituição de importação e poupança de recursos do Ministério da Saúde. Do LIKA-UFPE recifense, José Luiz de Lima Fo., contando os avanços no segmento dos biosensores. Negócio mundial projetado para : 8 bilhões de US$ apenas no campo de diagnósicos clínicos e uma revolução no atendimento hospitalar. Bom de humor também, fez a festa para a platéia estudantil. A Biofísica da UFRJ em tempos de células-tronco revitalizadoras de tecidos e corpos doentes, mandou Antonio Carlos Campos de Carvalho. Lida com os achados de melhoria de qualidade de vida e melhor bombeamento cardíaco para pacientes devastados com o Mal de Chagas mas igualmente admitiu a incógnita do mecanismo reparador à base desta terapia celular em progresso ou seja, se elas se instalam no tecido doente do coração, se ali deixam uma descendência ou se simplesmente induzem a revascularização do tecido enfermo. Estes 3 exemplos apontam claramente que tipo de solo as raízes da Biotecnologia nacional busca com mais freqüência : o médico-farmacêutico, reprisando a insulina por engenharia genética.

Com o compromisso de representar a UFPR no evento, adiantamos alguns resultados bem sucedidos no uso de extratos de cinamomo ou “Santa Bárbara” como fitopesticida letal para larvas do mosquito-da-dengue, Aedes egypti, Mestrado de nossa orientada Carolina B. Wandscheer, compartido com o amigo e entomólogo Mário Navarro. Algo também em alimentos funcionais e nutracêuticos de própolis (flavonóides), de inulina de raízes de dália (prebióticos) e em carotenóides (levedura probiótica). Isto no 2o. segmento de eleição da Biotecnologia : o agro-negócio. Falou em seguida Silvio Cláudio da Costa do NEPRON da UEM-Maringá e sua semifábrica universitária de neo-edulcorantes naturais de Stevia, agora sem sobregosto amargo. Trata-se do rebaudiosídio ocupando o lugar do esteviosídio. Generoso, fez registro do pioneiro: Mauro Alvarez. Gesto de quem tem luz própria e digno de um vídeo educativo para alguns arrivistas que imaginam a Biotecnologia do suor alheio como passaporte de saída do anonimato da carreira nômade. APP (Parceria Público-Privada) apenas desabrochando, Costa já se antecipou no tempo: a tecnologia de exploração de um novo cultivar do arbusto de origem paraguaia agora enriquecido no melhor adoçante dentre os 9 que as folhas brindam, já está em repasse à iniciativa privada. Há contrato fechado, de várias toneladas, para o Canadá e França, recordando que alguns grãozinhos bastam para adoçar 1 litro de água.

E os bons ventos de Santa Catarina em bionegócios? tépidos, pacientemente construídos e abençoando a terra e as águas do pedaço. A EPAGRI, na voz de Gilmar Zaffari, empunhando a bandeira dos : 100.000 clones de bananeira via micropropagação : < 1% DE VARIAçãO SOMáTICA (DESVIOS); > 99% de fidelidade genética e positivamente inundando o Brasil todo. Mata alimentar de laboratório. Tal qual o pinheirinho-de-proveta do nosso “barriga-verde” Flávio Zanetti., Repartindo-se entre a EPAGRI e a UNIVALI Francisco Deschamps prospectando os PUFAs (os saudáveis ácidos graxos polinsaturados) de óleo de peixes noutra parceria com o Pessatti. A massiva maricultura catarinense, seus moluscos, peixes, camarões, ostras, siris e derivados fazendo a delícia da mesa nacional e estrangeira. Isto contado por Adriano Marenzi e Gilberto Manzoni, do CTTMar / UNIVALI (vais ao Beto Carreiro World ? pare uns minutos na Armação da Penha, olhe à direita da praia e sinta o impacto do imenso laboratório marinho de produção da UNIVALI. Em Floripa, cenários semelhantes; repicaria Luiz Henrique Beirão). Mais do que sua Ilha da Magia, SC é um Estado com maestria. Ainda da UFSC, Marcelo Maraschin, o bom soldado de Cristo sem Paixão, apenas com Amor, além de novas aplicações da babosa, aplicou metodologia nova (NMR) para se mapear o benéfico resveratrol dos vinhos tintos catarinenses. Aquele do “paradoxo francês” : beba com moderação e a vida (mais) longa terá mais emoção. Seu parceiro em viticultura (bem abordada no Estado do Paraná de 4-02-2004) Marcelo Borghezan entusiasmou com as cepas Cabernet-Sauvignon e Chardonnay, tanto quanto se estivera descrevendo a noiva para a futura (mãe)-sogra. No Brasil se consome 305 milhões de litros de vinho / ano. Atividade para 18.000 famílias e 320.000 empregos diretos. SC produz e certifica videiras. Há demanda de viveiristas maior do que a oferta corrente. In vino, (alter) veritas. A outra verdade do vinho. O quarteto Soares, Antônio, Spiller e Schmidell, também da UFSC, ativo na remoção biológica de nitrogênio de águas industriais residuais. Mário Steindel e parceiros tirando das plantas Polygala e Phyllanthus as chalconas e lignanas eficientes para eliminar os protozoários da doença de Chagas e Leishmaniose. Mestre João Batista Calixto, farmacologista famoso, condimentou a sessão de fitofármacos. Na Biotecnologia Ambiental, Jorg Henri Saar descreveu como aliviar o despejo da carga corante residual de tanto interesse para o parque têxtil catarinense. Por fim, no elenco catarinense que disponibilizou os temas, um empolgado administrador de C&T, Antonio Diomário de Queiroz, da FUNCITEC, a FAP Fundação de Amparo à Pesquisa de SC, distribuindo os poucos recursos, com critério e com alcance ao maior número possível de demandantes, satisfeita a análise de mérito. Tal qual a nossa Fundação Araucária / SETI-PR em remodelação.

Do CENA-USP-Piracicaba, Siu Mui Tsai trouxe o avanço em detecção de organismos transgênicos e um Kit que supera o desempenho de similares estrangeiros.

Começamos com um gaúcho de adoção e terminaremos com o palestrante de bombachas, pingo e prenda. Fernando Kreutz, da FK-Biotec, de Porto Alegre. Médico, abandonou o consultório para uma produtiva hibernação canadense. Na volta, um suado percurso que culminou com o necessário processo de captação de recursos para seu negócio em Biotecnologia Imunológica. Egresso da incubadora da CIENTEC já depositou um pedido de patente para vacina autóloga anti-câncer no INPI. Seu portfolio de produtos : 10 linhas distintas de anticorpos para diagnóstico e tratamento. A Biotecnologia é multidisciplinar no que tange à pesquisa aplicada mas cobra produto na prateleira. O alto valor agregado (e o lucro) é conseqüência natural de anos de pesquisa e aprimoramento.

Paulista adotado pelo PR há mais de meio século, sempre me valeu a pena estar em SC. Rever de uma só vez 4 ex-orientados de doutorado em posições de destaque deu a sensação do dever cumprido como docente e pesquisador na UFPR. Assimilaram bem o pouco que lhes pude transmitir : 95% de transpiração, 5% de inspiração.

Que (apenas) os bons ventos sigam bafejando a bela Santa Catarina.

José Domingos Fontana é pesquisador 1-A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T é orientador na Pós-Graduação de Ciências Farmacêuticas da UFPR.

Voltar ao topo