A vida em Marte

A crença em uma vida extraterrena, só começou a tomar forma após a aceitação da teoria heliocêntrica do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), na qual o Sol passava a ser o centro do nosso sistema planetário. Anos depois, o filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600) foi levado à fogueira pela Inquisição por defender a pluralidade dos mundos habitados.

A viabilidade da presença de uma vegetação marciana, por exemplo, foi anunciada pela primeira vez em 1878 pelo astrônomo francês Emmanuel Liais (1826-1900), do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, que baseava sua hipótese exclusivamente na analogia entre a variação sazonal da coloração apresentada pelas manchas escuras de Marte e a dos vegetais terrestres. O desenvolvimento dessa teoria associou-se a uma descoberta feita um ano antes, na Itália, pelo astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910), do Observatório de Milão, que descobriu traços mais ou menos regulares e finos atravessando regiões desérticas do planeta. Para denominá-los, o astrônomo usou o vocábulo italiano canalí, que na sua tradução inglesa foi deturpado (canal, em lugar, de channel) e passou a significar canal artificial. Vivia-se sob o impacto da obra do século – o canal de Suez -que havia sido inaugurado em 1869.

Como a idéia não era de todo improvável, já que havia condições para a existência de vida no planeta, começou-se a especular a respeito da possibilidade de estes canais serem obras de seres inteligentes que aproveitavam a fusão periódica das calotas polares, utilizando suas águas para fins de irrigação. A idéia, que a princípio não causara grande sensação, receberia posteriormente ardorosos adeptos como os astrônomos norte-americanos Percival Lowell (1855-1916), William Henry Pickering (1858-1938) e Earl C. Slipher (1883-1964).

Essas conclusões permaneceram mais ou menos intocáveis até que o astrônomo francês Eugène Antoniadi (1870-1944), do Observatório de Meudon, usando uma luneta mais poderosa, concluiu que os acidentes de Marte apresentavam a estrutura irregular e natural que caracterizava as manchas de todos os corpos do sistema planetário.

Até 1965 só se conhecia a superfície de Marte através de telescópio, mas foi neste ano que a sonda espacial Mariner 4 indicou a existência de três tipos de relevo naquele planeta: regiões cobertas de crateras; regiões irregulares e caóticas; e regiões desérticas e lisas, desprovidas de acidentes. O exame de todo o material fotográfico enviado pela Mariner a Terra não indicou qualquer sinal de um canal artificial.

Hoje já se sabe que as condições climáticas em Marte são resumidamente as seguintes: pressão média igual a cinco milibares (duzentas vezes mais fraca que a da superfície terrestre); temperatura máxima de 20ºC, no início da tarde, nas regiões equatoriais, e mínima de 100ºC negativos durante a madrugada.

A atmosfera marciana é tênue, composta principalmente de gás carbônico e de traços de oxigênio. Porém, um fator importante contrário ao desenvolvimento da vida no planeta é a ausência de uma camada de ozônio, um gás que protege a biosfera terrestre das radiações ultravioleta letais do Sol.

Embora tudo indique que as condições atuais de Marte sejam hostis à vida, as fotografias obtidas pela nave Mariner 9, em 1972, revelaram a existência na superfície do planeta de uma intensa erosão pela água num passado muito remoto, idéia confirmada pela Mars Express, em 20 de janeiro de 2004. Tal interpretação pressupõe que a atmosfera marciana tenha sido muito mais densa do que é atualmente, assim como as condições de pressão, temperatura e umidade se mostrassem mais toleráveis à vida.

A situação ecológica de Marte torna, portanto, inadmissível a existência de vegetações superiores, pois seu sistema vascular exige alta temperatura e grande umidade, e somente as plantas de uma baixa ordem celular, extremamente resistentes ao frio e à aridez, são capazes de tolerar as condições climáticas do planeta vermelho. Assim sendo, apenas alguns microorganismos e outras formas semelhantes seriam adaptáveis ao clima marciano. Pela mesma razão pode-se afirmar que é praticamente inadmissível a existência de seres superiores em Marte.

Apesar da desolação das primeiras paisagens transmitidas pelo robô Spirit, nos últimos dias, e dos resultados negativos das sondas Viking, em 1976, acerca da existência de vida em Marte, devemos convir que esta conclusão, em termos definitivos, é absurda, pois as sondas pesquisaram apenas três pequenas áreas do planeta. Estamos, portanto, diante do difícil e complicado problema da demonstração de uma negação. Se existe ou existiu vida em Marte, teríamos descoberto logo que ela fosse registrada, mas para saber que esta não existe de fato, teremos que esperar por novas pesquisas.

De uma coisa, porém, podemos estar certos: a vida não é uma exceção no nosso universo de planetas, estrelas e nebulosas, mas uma parte integrante de sua estrutura geral, e a inteligência, uma propriedade da matéria orgânica, como tenho divulgado nas últimas três décadas. A vida surgirá naturalmente, do substrato inorgânico, nos lugares e nos momentos em que as condições tornem possível o seu desenvolvimento. Assim como a inteligência se desenvolverá do substrato orgânico se encontrar condições favoráveis. É impossível fixar um limite nítido entre os mundos orgânico e inorgânico. Não se pode tampouco situar o ponto onde se inicia a inteligência na evolução biológica. Existe uma única unidade na natureza, uma única realidade que engloba tudo. Pode-se concluir que todos temos um pouco de uma estrela e toda estrela um pouco de nós.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor e autor de mais de 70 livros, entre outros, do Anuário de Astronomia 2004. Consulte a homepage:
http://www.ronaldomourao.com

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