A versátil bioatividade do complexo vitamina E

Os tocoferóis e tocotrienóis são óleos viscosos, levemente amarelos, produzidos pelas plantas principalmente ao nível dos cloroplastos jovens onde o a-tocoferol é o componente mais abundante. À medida que a planta amadurece, outros componentes quimicamente relacionados aparecem e seu coletivo é por vezes designado de complexo da vitamina E.

Particularmente ricos nestes compostos são os óleos vegetais (óleo de dendê como o mais enriquecido), nozes, grãos inteiros (cevada, centeio, aveia, trigo), vegetais folhosos e nos animais, ovos, leite e fígado. O referido complexo compreende 4 tocoferóis e 4 tocotrienóis (estes mais insaturados) diferenciados como alfa (a), beta (b), gama (g) e delta (d). Cada uma destas biomoléculas tem em comum o anel cromano (cabeça), na qual o grupo hidroxila (OH) desempenha papel importante para a bioatividade e um corpo (cauda fitila), enriquecidas diferencialmente (v. tabela) em grupos metila (CH3).

A bioatividade do complexo Vitamina E é extensa. Os tocotrienóis de óleo de palma (dendê) podem atuar como antitrombóticos através de uma diminuição significativa da agregação de plaquetas, mas o d- derivado é mais eficiente do que a a- ou g-derivados.

Há duas fontes de colesterol: o da dieta (gorduras animais) e o biossintetizado endogenamente pelo corpo humano numa cadeia enzimática na qual a enzima HMG-Coa redutase do fígado é da maior importância. Os tocotrienóis são bons inibidores desta enzima e portanto bloqueiam parcialmente a colesterologênese, embora os tocoferóis não sejam capazes de reduzir o colesterol sérico {Science University of Malaysia; K. S. Yunoki et al, 1999, Biosci. Biotechnol. Biochem., 63(3), 575-576}.

Pesquisa médica tem indicado que pacientes com arteriosclerose de carótida que foram tratados com tocotrienóis de óleo de dendê (240 mg) por 18 a 36 meses apresentaram uma redução das placas de colesterol em comparação aos placebos (indivíduos controles não tratados). Estes tocotrienóis foram os primeiros compostos naturais a serem empregados para a reversão da arteriosclerose. Outros estudos demonstraram que a mesma família de compostos é mais eficiente que o a-tocoferol isolado na proteção do coração contra o estresse oxidativo induzido pela reperfusão isquêmica. As pesquisas de confirmação da reversão da arteriosclerose por parte dos tocotrienóis de óleo de dendê foram confirmadas pela Kenneth Jordan Heart Foundation (New Jersey, USA). Dos cinqüenta pacientes, passados 6 meses, em 92% deles o fluxo da artéria carótida foi parcial ou completamente restabelecido.

No que toca aos tumores e câncer, a- e g-tocotrienóis são efetivos em alongar a vida de camundongos infectados com tumores cancerígenos. O g-tocotrienol é 3 vezes mais potente em matar células cultivadas com câncer mamário humano do que a droga sintética Tamoxifen. O d-tocotrienol foi encontrado como mais efetivo do que os demais análogos para induzir a apoptose (morte celular) em células cancerosas de seio respondendo ou não aos estrogênios. Esta linha de investigação tem sido abordada na University of Reading (UK), University of Louisiana, University of West Ontário e no Palm Oil Institute of Malaysia (Porim). Adicionalmente, a University of Wisconsin tem traçado o efeito inibitório dos tocotrienóis na hetatocarcinogênese.

Quanto ao poder antioxidante do complexo, o a-tocotrienol revelou-se 50 vezes mais potente do que o a-tocoferol na prevenção da peroxidação de lipídios (dados da Universidade da Califórnia, em Bekerley), um processo que pode gerar os destrutivos radicais livres. O d-tocotrienol (menos metilado; maior facilidade da hidroxila em doar elétrons no combate de radicais livres) é ainda mais potente para o mesmo fim, razão de sua recomendação para os que praticam exercícios físicos muito vigorosos. Aplicados à epiderme, os tocotrienóis penetram rapidamente, combatem eficientemente os radicais livres gerados pela insolação e aumentam a eficiência dos filtros solares contra a radiação ultravioleta.

Um efeito totalmente diferenciado foi encontrado para o g-tocotrienol: ratos espontaneamente hipertensivos (REH) apresentaram bloqueio da elevação da pressão quando sua dieta recebeu uma suplementação, durante 3 meses, de g-tocotrienol de óleo de dendê (revista Clin. Exp. Hypertens.,1999).

Segundo a empresa Carotech as pesquisas indicando efeitos benéficos do complexo vitamina E estão publicados na forma de 128 trabalhos científicos em várias revistas da especialidade. Os tocotrienóis, dada sua cauda fitila triplamente insaturada, permeiam mais facilmente a bicamada lipídica do que os tocoferóis saturados. Isto pode explicar sua maior bioatividade por conta da mais eficiente biodisponibilização no organismo.

Há duas razões para se privilegiar a pesquisa (bem como o consumo culinário) do óleo de dendê ou de palma: neste a relação entre tocotrienóis : tocoferóis é 3,5 : 1,0 (no arroz é de 1 : 1) e outros fitonutrientes bioativos ali presentes são os fitosteróis (que competem e atrapalham a absorção de colesterol da dieta), esqualeno, outro potente antioxidante (também presente no óleo de oliva) e caroteno. Não há todavia uma dose recomendável ou necessidade dietética estabelecida para tocotrienóis mas a maioria das investigações (com resultados positivos) emprega em torno de 1 mg / dia por paciente. É provável que uma dieta que propicie entre 25 e 50 mg do complexo vitamina E resulte nos melhores desdobramentos possíveis. O dr. Asaf Qureshi (University of Wisconsin), especializado nos tocotrienóis de cevada opina que 34 a 42.5 mg / dia é uma dose que garante todos benefícios esperados. De uma tonelada de óleo de dendê cru pode-se extrair (por destilação molecular; um processo industrial muito caro) cerca de 0,5 Kg de tocotrienóis. Este conteúdo recomendaria um consumo diário de uma xícara de óleo de dendê, o que traria complicações por obesidade. Daí a oportunidade que empresas farmacêuticas ou biotecnológicas exploram preparando os concentrados do complexo vitamina E.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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