A Terra, espoliada

Para quem não leu o relatório encomendado pela ONU a 1.360 cientistas, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, um breve resumo: os recursos do planeta estão se exaurindo, a pesca se dá em quantidades superiores à de reposição dos cardumes; na África setentrional e Oriente Médio, usam-se 120% dos recursos renováveis; a Terra já perdeu 20% dos seus corais. Somem-se a essas cifras as conseqüências do efeito estufa e não será difícil concluir, sem ser alarmista, que o planeta está caminhando para o colapso, e, para aqueles que gostam de usar o termo "desenvolvimento sustentável", tão em moda, caberia perguntar o que querem dizer com "sustentável".

Como pode ser sustentável o crescimento de países como a China, de quase 10% anuais; da Índia, em torno de 7%, do Brasil, em 5% no ano passado, e o de outras nações que precisam porque precisam crescer cada vez mais?

E depois, crescimento para quem? Para uma pequena parcela da população, já que mais de 1 bilhão de pessoas têm deficiência de suprimento de algo tão básico como a água; na China, 360 milhões de pessoas bebem água imprópria para o consumo. Quase 3 bilhões, a metade dos habitantes da Terra, não dispõem sequer de saneamento básico.

Num círculo vicioso, o aquecimento global, segundo a Embrapa, fará com que as áreas agricultáveis do Brasil sejam reduzidas à metade em um prazo de 50 a 100 anos. Não se enganem aqueles que acham que o aquecimento é algo facilmente reversível: o Protocolo de Kyoto é uma peça de teatro, pois mercantilizou-se o carbono; criando-se um mercado bilionário de "créditos de carbono", onde os países que poluem abaixo da cota vendem aos demais o "direito" de emitir mais gases. Donde se conclui que não há benefício algum ao planeta, à humanidade, por extensão.

É provável que o estudo da ONU esteja correto, senão pela quantidade e diversidade de cientistas participantes, por vir a corroborá-lo uma pesquisa do Laboratório de Monitoramento e Diagnóstico do Clima no Havaí, que dá conta de que a concentração de CO2 chegou a 378 partes por milhão.

Existe também a poluição biológica, que é a suspensão de partículas oriundas de pele, pêlos, pólen e vegetais na atmosfera, que talvez seja equivalente a um quarto dos aerossóis, os quais exercem razoável impacto na formação de nuvens e do clima, segundo trabalho publicado na revista Nature. Adicionalmente, todo animal ruminante, como o boi, emite metano, que é outro gás prejudicial à atmosfera.

E com toda essa devastação planetária, ainda há cerca de 850 milhões de pessoas na miséria absoluta, nutrição zero. Ao final deste artigo, o leitor conclua se é possível acreditar nas metas da ONU, de reduzir as vítimas da fome à metade até 2015.

A cada dia a medicina aumenta a expectativa de vida, o que vem causando um crescente desequilíbrio previdenciário. Este é o grande drama do Japão, onde a população jovem cresce a taxas menores que aquela acima de 65 anos; e isto poderá implodir a sua economia. O mundo não pode parar de crescer, embora precise disto.

Numa avaliação fria, para que houvesse um equilíbrio, talvez o ideal seria que as pessoas morressem em torno dos 60 anos, para que seus filhos e netos pudessem sobreviver após 2050 ou 2100. Do ponto de vista da continuação da humanidade, o ideal seria que os países tivessem crescimento zero.

Uma previsão – cabe sempre desconfiar de previsões – do Instituto Nacional de População do Japão sugere que, mantidas as taxas de natalidade e longevidade presentes, o último japonês deixaria de existir lá pelo ano 3400. Um exagero, já que acreditar que a humanidade durará mais 1.400 anos, neste ritmo, é uma ingenuidade.

Livre dos humanos, o planeta, que é ainda relativamente jovem, se recuperaria. Mas é finito, tornar-se-á inabitável dentro de mais uns cinco bilhões de anos, quando o Sol entrará em colapso naturalmente.

Até lá, a Terra, cicatrizada, voltaria a oferecer condições de vida, e o processo de evolução das espécies recomeçaria; e, se seres ditos pensantes voltassem a habitar este planeta, se a história contrariasse a lenda, que diz que ela sempre se repete, seria possível que uma nova humanidade pudesse evoluir de maneira realmente sustentável; porém, com sua existência limitada ao tempo que resta de combustível ao nosso Sol, mais que suficiente para que civilizações se refaçam e se destruam várias vezes.

Talvez seja isto mesmo: a humanidade, qual uma criança, teria de cair e levantar-se repetidamente, até aprender, podendo então passar para uma nova etapa de evolução, em algum ponto deste vasto universo, ou de outro, desconhecido.

Luiz Leitão (luizleitão@ebb.com.br) é administrador e articulista. 

Voltar ao topo