A passagem de Vênus

Em 8 de junho de 2004, o planeta Vênus vai passar diante do disco do Sol. É um fenômeno raríssimo. Com efeito, nenhuma pessoa viva hoje observou a passagem de Vênus diante do Sol, pois a última ocorreu há 122 anos, mais exatamente, em 6 de dezembro de 1882. É um fenômeno semelhante ao de um eclipse parcial do Sol muito particularmente parcial -, pois o planeta Vênus só ocultará uma pequena parte do disco solar. No entanto, será facilmente observada desde que para isto o público tenha sido advertido do fenômeno, que irá ocorrer no Brasil logo que o Sol estiver nascendo. (A sua observação exigirá uma proteção, pois não se deve jamais observar o Sol sem um filtro apropriado, nem a olho nu e muito menos através de qualquer instrumento óptico).

Além da sua raridade, o fenômeno da passagem será uma ocasião excepcional para recordar os elementos fundamentais do nosso conhecimento do universo, em especial como ele foi medido. A observação da passagem de Vênus foi o processo mais célebre utilizado para a medida da distância da Terra ao Sol. Esta distância é chave e a unidade fundamental usada para determinar o afastamento de todos os corpos celestes.

O momento em que vivemos, com a possibilidade de observar pelo menos um dos dois pares da passagem de Vênus que irão ocorrer neste século: um em 2004 e outro em 2012 (por uma característica toda especial do movimento de Vênus, as passagens deste planeta ocorrem aos pares, o próximo par será em 2117 e 2125), vai permitir reescrever a história dessa aventura humana que foi a medida do nosso universo.

A passagem de Vênus nos faz mergulhar na História das ciências, em especial no século XVIII o Século das Luzes durante o qual a população se apaixonou pelo trabalho desses astrônomos prontos para se deslocarem para os pontos mais afastados em locais quase desconhecidos, arriscando a própria vida (alguns não retornaram jamais) para observar esse fenômeno, com o objetivo de estabelecer a escala do nosso universo, muito mal conhecida até então.

Por que viajar tão longe quando o fenômeno era visível na cidade onde estes astrônomos residiam e trabalhavam? Eram as noções da paralaxe, de triangulação, de determinação de distância a partir de medidas de ângulos que tinham que ser colocadas em evidência.

A passagem de Vênus atrai também atenção sobre os movimentos complexos dos planetas ao redor do Sol, das leis de Kepler, da dinâmica dos corpos celestes e da gravitação. A raridade e a periodicidade das passagens mostram também as dificuldades dos cálculos astronômicos destinados a prever os fenômenos celestes.

Este fenômeno tem por outro lado um forte valor pedagógico. Vários programas educacionais foram estabelecidos na Europa e EUA. Além de permitir aos estudantes tomarem conhecimento dos métodos modernos utilizados para essa medida, e tendo em vista que será visível na maior parte do mundo, a sua observação permitirá que os estudantes usem as suas próprias observações, determinem a distância da Terra ao Sol e compará-la com o valor admitido atualmente. Para realizar esta tarefa de dimensão internacional, será necessário estabelecer uma colaboração dos estudantes situados diferentes localidades as mais afastadas entre si. Essa foi a razão que motivou as expedições a sítios tão distantes e as vezes tão desconhecidos no século XVIII, mas que atualmente, graças à internet, vai aproximar estudantes de todo o mundo. Assim esperam os organizadores destes programas, que têm como patrocínio e o apoio de vários observatórios, dentre eles, o Observatório Europeu Austral, o Observatório de Paris etc., que o fato motive um maior contato e colaboração com os observadores distantes.

Por outro lado, as agências turísticas de vários países fecharam pacotes turísticos que visam levar os apaixonados pela observação astronômica a Lisboa, Paris, Egito, Grécia, Irã e, os mais corajosos, ao Iraque…Se considerarmos as condições atmosféricas, os melhores sítios para a observação de trânsito situam-se no Egito e na Grécia.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, e autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do Anuário de Astronomia 2004. Consulte a homepage: http:/www.ronaldomourao.com

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