Foi depois de se separar e de se recuperar de uma depressão, que Edicleia de Arruda Zanini, então com 66 anos, decidiu retomar um desejo antigo: voltar a estudar. A aposentada, que teve de largar a escola aos 14 anos para ajudar os pais, entrou no EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

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Agora, em 2021, às vésperas de completar 73 anos, ela avança mais um passo: vai cursar letras na Universidade de Santa Maria (USM), no Rio Grande do Sul. Em 2020, Zanini passou em segundo lugar no vestibular para o curso.

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“Nunca pensei ser tarde demais”, diz ela. “Eu quero mais a minha satisfação pessoal, eu gosto de estudar”, afirma ela, que é fã de literatura -conta que já leu “quatro ou cinco vezes” “O Cortiço”, clássico de Aluísio Azevedo.

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Depois de trabalhar por 40 anos com assistência médica, Ana Silvia Magyar, 60, foi demitida e se viu sem chão. “Fiquei triste, pensava que não ia conseguir fazer mais nada”, conta. Mas logo ela entendeu que era hora de fazer o que realmente lhe dava satisfação e, assim, abriu uma confeitaria. “Eu gostava de trabalhar na assistência médica, mas eu estou muito mais feliz hoje.

Assim como Ana Silvia e Edicleia Zanini, outras pessoas deram uma guinada na vida na faixa dos 60 anos ou depois dessa idade. De olho nestes exemplos, a Globo lançou em janeiro o programa The Voice+, versão do reality musical em que só podem concorrer participantes acima desta faixa etária -as histórias e experiências dos candidatos têm emocionado jurados e telespectadores.

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A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, colunista da Folha de S.Paulo, e que pesquisa o lado positivo da velhice, aponta que homens e mulheres têm ganhos com o envelhecimento. “A mulher ganha o mundo da liberdade e da amizade; e o homem ganha o mundo do afeto e dos projetos.”

No universo feminino, Goldenberg identificou, em seus estudos, que ocorre uma verdadeira revolução, principalmente, entre àquelas que mais tempo dedicaram à casa e aos filhos.”Eu chamo de revolução, porque elas sentem que não têm mais tempo para desperdiçar na vida. O que a mulher mais deseja é liberdade para ser ela mesma, para cantar, para dançar, liberdade para dizer não, para viajar, para ficar com as amigas”, explica a antropóloga, que é autora dos livros “A Invenção de uma Bela Velhice” e “Liberdade, Felicidade e Foda-se”.

Foi por esse processo que passou Leda Santos, 78. Ela afirma que tinha dez anos quando viu uma menina dançando na televisão. “Eu achei tudo aquilo muito bonito, mas pensava que jamais seria para mim.” Depois do casamento e de se tornar mãe, o tempo ficou ainda mais escasso para ir atrás do projeto.

Só mais tarde, quando estava perto dos 60 anos e após perder o marido e um filho de 35 anos, que Santos afirma ter sentido a necessidade de buscar uma atividade para curar a dor e o luto. “Queria algo que me preenchesse: fui dançar que era o que eu gostava de fazer.”

Leda Santos fez diversos cursos na modalidade e atualmente comanda um grupo de dança cigana para mulheres idosas na cidade de Santo André, no ABC paulista. “Eu me sinto livre”, diz. Ela também chegou a fazer um curso de teatro em uma faculdade da cidade, além de dar aulas de artes cênicas em um clube na região. “Subi, olhei de cima a baixo, e minhas lágrimas saíram dos olhos. Eu falei: ‘estou dentro de uma faculdade”, relembra

O grupo de Santos costuma se apresentar em diversos locais. O seu preferido até agora foi na avenida Paulista, na região central de São Paulo. “Foi a liberdade total, os camelôs pararam para nos ver dançar, porque a dança cigana é muito luxuosa, as roupas são muito bonitas. Chamou muito a atenção.”

A antropóloga Miriam Goldenberg diz haver outras características do envelhecimento nas mulheres, como passar a rir mais de si mesmas e a ligar uma espécie de botão de libertação, o “foda-se”. Mas não é, pondera ela, em um sentido agressivo ou revoltado. É algo interno, de se preocupar menos com a opinião alheia. “É algo como: ”f* se vão me achar uma velha ridícula porque eu danço, f* se vão achar que eu sou uma velha sem noção porque namoro um cara mais jovem. Agora, eu sou dona do meu tempo'”, diz.

PROJETOS

No caso dos homens, Goldenberg afirma que, de acordo com o que mostram as suas pesquisas, a principal questão deles não é a liberdade, mas “viver o mundo dos afetos” e os projetos de vida. “Porque eles dizem para mim, que não precisam mais trabalhar, por exemplo, mas querem se sentir úteis, ativos e produtivos”, diz. “Os homens querem mais projetos e mais vínculos com o mundo da casa, da família, dos filhos e dos netos”, complementa.

O engenheiro Wagner Bolognesi, 59, diz que começou a pensar na sua aposentadoria e na transição que faria de carreira há mais de 20 anos. Neste planejamento, ele foi se preparando e fazendo cursos. E, em 2020, depois de 35 anos de trabalho em uma empresa na área industrial, abriu o próprio escritório de consultoria.

“E eu tenho mais um objetivo, que ainda não alcancei, mas pretendo, que é lecionar para adolescentes, para poder procurar dar uma visão de experiência de vida profissional, que vai além da matéria. E pode ser um trabalho voluntário”, diz. Ele divide esse desejo de dar aulas com a mulher, com quem é casado há 31 anos.

Outra mudança que ele já começou a incluir na vida foi aprender a tocar violão. Iniciou as aulas há quatro anos para aliviar o estresse do trabalho. Mesmo afirmando não ter muita habilidade, Bolognesi conta que não vê a hora passar enquanto está tocando. “É algo super agradável.”

“A minha esposa dança muito bem, e eu não. E isso é uma coisa que sempre me incomodou um pouco. Eu falei: ‘Vou aprender algum instrumento musical, porque para mim é uma dificuldade absurda, mas já consegui participar da apresentação da escola, já tocamos em um barzinho. Estou procurando sempre me desafiar”, diz.

Ter projetos e aprender coisas novas frequentemente são fatores que Mirian Goldenberg observa em suas pesquisas como fundamentais para a construção de uma “bela velhice”. “E não é sonho, porque não é fantasioso, mas, sim, projeto, desejo de transformar em realidade, em transformar em algo concreto.”