O que será?

Sonho da maioria dos brasileiros, plano de saúde e seu futuro são discutidos em Brasília

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Ter um plano de saúde é um desejo de muita gente. Segundo um estudo do Ibope Inteligência, a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o objetivo está em terceiro lugar entre os mais desejados pelos brasileiros, ficando atrás apenas da educação e da casa própria. Com a saúde pública cada vez mais sobrecarregada e, por muitas vezes, sucateada, os planos de saúde podem ser uma única esperança de atendimento médico quando surge a necessidade. Aconteceu na última semana, em Brasília, o 5º Fórum da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), com o tema “Novos Rumos da Saúde Suplementar”.

O objetivo do encontro era propor mudanças nos planos de forma que possam diminuir valores e, assim, atingir mais gente. A Tribuna do Paraná foi convidada a participar do evento que se propôs a discutir propostas para tornar o setor sustentável e garantir que mais brasileiros possam ter acesso aos planos de saúde, já que, nos últimos cinco anos, cerca de 3,5 milhões de beneficiários deixaram o mercado privado.

“O objetivo da Fenasaúde não é o de privilegiar apenas uma parcela da população, queremos mesmo é ampliar o acesso a saúde suplementar, pois isso acaba sendo bom inclusive ao sistema público”, explicou o presidente João Alceu Amoroso Lima.

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Conforme a avaliação da Fenasaúde, entre as principais dificuldades dos planos de saúde está a questão do aumento da expectativa de vida da população, pois com isso, embora as pessoas estejam vivendo mais, as doenças passaram de infectocontagiosas para doenças crônicas. “Isso é realmente um desafio a todos, não só aos representantes de empresas que prestam o serviço de saúde privada”, disse Lima.

A ideia da Fenasaúde, divulgada durante o fórum em Brasília, é promover ainda mais a atenção: mais prevenção e foco na saúde. “Promoção da saúde e prevenção de doenças. Melhorar o acesso para melhor qualidade dessa atenção. Mas, para isso, um dos pontos importantes seria a garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos a partir da volta dos planos individuais”, destacou Vera Valente, diretora-executiva da Fenasaúde.

Mudanças

JOão. Foto: Divulgação
João Alceu e Vera Valente, diretores da Fenasaúde. Foto: Divulgação

Para que os planos de saúde individuais pudessem voltar a ser vendidos, a organização propõe que os reajustes sejam definidos a partir da variação dos custos assistenciais, mas com auditoria. “Além disso, também é importante rever a questão do escalonamento de aumentos por mais faixas etárias. Hoje em dia as pessoas têm um único reajuste aos 59 anos, mas se isso fosse diluído poderia ficar mais barato para todo mundo”, explicou Vera, reforçando ainda que, atualmente, a existência do mecanismo da portabilidade favorece o consumidor e que isso deve ser mantido.

Outra proposta destacada no fórum foi a possibilidade de que os clientes possam modular as coberturas que querem em seus planos, pois com isso o preço diminuiria em alguns casos. “Mais opções e mais liberdade de escolha, com novas opções de segmentação. Isso permite atender diferentes necessidades individuais e capacidades de pagamento”, comentou a diretora-executiva da Fenasaúde, completando ainda que, junto disso, a opção de franquia anual também poderia ser uma opção. “Porque assim a pessoa pagaria menos se não precisasse dos serviços, o que ajudaria a evitar desperdícios”.

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Pagamento diferenciado

Os planos de saúde atuam pelo modelo de pagamento chamado ‘fee-for-service’ (pagamento por serviço), que consiste basicamente em: o plano de saúde do paciente, ao ser atendido num pronto socorro, por exemplo, paga por todos os procedimentos que forem feitos, de um simples raio-X, aos medicamentos, internação e outros exames. Dessa forma, conforme a avaliação da Fenasaúde, os procedimentos ficam ainda mais encarecidos e são supervalorizados conforme o paciente fica doente, ou seja, os planos desembolsam bem mais dinheiro para bancar os tratamentos.

“Uma das coisas que nós buscamos muito é maior rigor regulatório para coibir e punir abusos. Racionalização da assistência, de procedimentos e tratamentos. Junto disso, coibir usos desnecessários e excessivos do serviço de saúde que com novos modelos de remuneração poderíamos dar um pontapé inicial. A medicina baseada no valor pode ter melhores desfechos para o paciente, com menores custos”, explicou Vera Valverde, destacando o exemplo de que o fee-for-service faz com que alguns procedimentos sejam feitos de forma desnecessária, somente para ganhar dinheiro.

Busca pelo equilíbrio

Ministro da Saúde compareceu ao evento. Foto: Divulgação
Ministro da Saúde compareceu ao evento. Foto: Divulgação

O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, comentou que existem regras que foram impostas para mediar os conflitos entre todos os envolvidos e, também, buscar um equilíbrio. “Porém, temos inúmeros exemplos de alterações que podem ser feitas para diminuir custos e aumentar a concorrência, para que o consumidor tenha suas opções”, destacou.

A entrada de mais pessoas para os planos de saúde não só seria bom para quem aderisse, como também a quem não tem condição e precisa do atendimento público. “Para o SUS é importante o crescimento da saúde suplementar (como é chamado o setor da saúde privada). Apesar disso, a lei é engessante, extremamente restritiva. A gente precisa ter alguns olhares mais personalizados, pois atualmente temos basicamente um caminho único em meio a um país que precisa de políticas mais personalizadas”.

Segundo o ministro, o que é seguido no Brasil inteiro foi um padrão criado a partir das experiências de apenas algumas regiões e não pensando no todo. “Foi algo feito pensando na concentração do mercado do Sudeste, por exemplo, e o resto segue. Precisa haver debate, achar meio termo. O setor já está maduro, muitas operadoras saíram do mercado, ficaram os que investiram em profissionalização e gestão de seus sistemas, mas que precisam agora de como continuar e competir”.

Embora o ministro Mandetta tenha dito que a lei do setor, sancionada em 1998, tenha feito com que o mercado ficasse “numa situação que quer regulamentar até a cor da cadeira que a pessoa senta” e que precisa haver meio termo, ele não se posicionou muito. Sobre as propostas elencadas pelo fórum, Mandetta disse apenas que precisa ser discutido. “Esse é um debate do Congresso que, quando ele existir, a gente pode eventualmente participar”.

Precisa haver diálogo

Para o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), Márcio Araújo, a superação dos desafios da saúde privada só vai acontecer com muito dialogo e comprovação de teses. “Sabemos que esses desafios não são particularidades do Brasil, isso acontece no mundo todo. Mas vivemos num país onde 67% da população ganha menos do que um salário mínimo. O sujeito é apenas um, o cidadão, que julgará melhor o melhor modelo resultante dos debates do fórum nos próximos meses”.

Questionado pelo Estadão, o diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Rogério Scarabel, disse que não parece ser esta a compreensão de todo o setor. “Temos várias operadoras de saúde ofertando novos produtos, individual e com foco acima de 59 anos. Não parece que isso seja uma compreensão de todo o setor”, disse Scarabel, que afirmou ainda não ter recebido a proposta da federação.

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Ainda durante o fórum, uma carta assinada por 26 entidades, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Conselho Federal da OAB e a Associação Brasileira de Procons, reuniu opiniões contrárias às propostas de mudança na saúde suplementar. Para este grupo, as empresas pregam “retrocessos diversos”. “Vão da diminuição de coberturas, liberação de reajustes de mensalidades e maiores prazos para atendimento, passam pelo fim do ressarcimento ao SUS, pela redução de multas e desonerações tributárias, até o enquadramento de prestadores e a desidratação da ANS”, diz o documento.

Esperar o que virá

Tudo o que foi discutido no 5º Fórum Fenasaúde ainda deve ser pauta de muitas outras discussões em Brasília. Apesar disso, o economista sênior em saúde do Banco Mundial, André Medici, avaliou que da forma que as coisas não podem continuar da forma que estão. “Hoje, 78% das pessoas que não têm plano, não têm porque o preço é alto. Ainda não temos uma opção de plano que consiga modular de acordo com a necessidade do brasileiro, que é uma sociedade diversa do ponto demográfico e social. Não disponibilizar alternativas para planos mais baratos é negar direito para aqueles que querem e não podem pagar por um plano de saúde”, destacou.

* O jornalista viajou a convite do Fenasaúde.