'Pedreira'

Usuários de crack arriscam suas vidas no Contorno Sul

A presença de usuários de crack no canteiro central do Contorno Sul tem chamado a atenção das pessoas que passam próximo ao viaduto do Caiuá, na Cidade Industrial. Muitos, sob o efeito da droga, atravessam as pistas sem olhar para os lados, colocando a própria vida e a de motoristas em risco. Há algumas semanas, uma viciada foi atropelada no local e morreu na hora. A cracolândia, antes mais presente apenas na região central da cidade, tem se espalhado pelos bairros.

Na opinião do coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, o fenômeno da pulverização dos dependentes químicos para outras áreas das cidades tem ocorrido porque os órgãos públicos tentam fazer uma “faxina” nas regiões centrais. “Não adianta chegar a uma cracolândia e expulsar os usuários de lá, porque eles vão se juntar novamente em outro lugar, como em qualquer parte do mundo”, diz.

Denúncias sobre o aumento do tráfico de drogas no Conjunto Caiuá motivaram uma ação ostensiva da Polícia Militar no bairro. Há informações que esse procedimento tenha levado os viciados a se deslocarem para as margens e canteiro da rodovia. Segundo a assessoria de imprensa da PM, o policiamento preventivo nas proximidades do Contorno Sul tem sido frequente.

Danos

Comerciantes do Cauiá sofrem com a cracolândia no Contorno sul. O dono de um comércio em frente à rodovia, que preferiu não se identificar, contou que há poucos dias teve seu estabelecimento arrombado e alguns produtos furtados. “Na semana passada, bandidos quase derrubaram um poste, aqui em frente, para levar os cabos. Eles destruíram uma caixa de energia que eu havia acabado de comprar”, reclamou.

Moradores também se sentem desprotegidos. O empresário relatou que um cliente ia a pé até seu comércio, mas quando viu a presença dos viciados, voltou para casa e pegar o carro. “Dias atrás, o dono de uma mercearia que até dava café da manhã e almoço para alguns deles, teve seu estabelecimento arrombado durante uma noite.” Os horários de maior aglomeração são perto do meio-dia e por volta das 18h, quando chegam os traficantes com as pedras.

Policiamento

A presença da polícia é visível. Em cerca 20 minutos que a equipe de reportagem circulou pela região foram vistas três viaturas da Polícia Militar e uma da Guarda Municipal. Durante esse tempo, também foi possível perceber que os usuários ficavam em grupos bem menores e mais espalhados, ao perceber a presença dos policiais.

De acordo com o inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Wilson Martines, o patrulhamento na rodovia é feito periodicamente. “Revistamos os usuários, não encontramos nada e vamos embora, porque não há o que fazer. Quando chegamos perto, eles já jogaram a droga no mato”, explica. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), alertado do problema, providenciou roçada e tosa das árvores no canteiro central e no entorno.

Há centros pra internação

Átila Alberti
Muitos têm família, mas preferem ficar na rua.

Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, Curitiba conta com três unidades de Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Droga (Caps-AD), com 34 leitos para atender, inclusive, crianças vítimas de dependência química. A capital também dispõe de quatro equipes do programa federal Consultório na Rua. São unidade,s móveis de atendimento médico e odontológico.

De acordo com a assessoria de imprensa, já chegaram a tentar fazer uma abordagem aos usuários de drogas que perambulam na região próxima ao viaduto do Caiuá, mas não obtiveram êxito porque, no momento em que chegaram, o grupo estava dormindo. Novas visitas estão programadas.

Abrigo

A Fundação de Ação Social (FAS), da Prefeitura, oferece a quem vive em situação de risco nas ruas, abrigo e alimentação. No entanto, essas pessoas nem sempre estão dispostas a voltar a ter uma residência fixa. Muitos dos usuários de drogas que perambulam pelas ruas muitas vezes têm um lugar para morar. Esse é um obstáculo enfrentado pelas equipes da FAS, porque muitas dessas pessoas têm famílias, mas estão nas ruas por causa do vício.

A orientação da entidade à população é que não ajude usuários com esmolas e alimentação, porque isso faz com que eles criem vínculo com o local, como pode estar acontecendo no Contorno Sul e em tantos outros pontos espalhados pela capital. Quem quiser solicitar o serviço de resgate social da FAS pode ligar para o 156.

Meio não deixa largar

Átila Alberti
União de órgãos públicos é urgente pra enfrentar problema.

A presença de dependentes químicos nas ruas é vista também como um problema de saúde pública. “Os determinantes para que essas situações ocorram são de ordem social”, diz a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Dulce Bais, graduada em Enfermagem, que acompanha alunos em programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas.

Na visão de Dulce, a saúde pública tem estrutura suficiente para atender os usuários de drogas, mas sem a atuação conjunta dos governos municipal, estadual e federal, os resultados dificilmente serão alcançados. Ela ressalta que desemprego, desigualdade social, baixo índice de escolaridade, prostituição, violência e falta de habitação precisam ler levadas em conta ao tratar de dependência química.

Suporte

“Não adianta um dependente químico ficar internado em uma clínica de recuperação se, ao sair, ele voltar ao mesmo meio social onde vivia antes da internação, se não um tiver emprego para dar continuidade ao processo de recuperação, se não tiver um suporte familiar”, acrescenta. Com relação à segurança, a professora lembra que é preciso haver atenção mais especial aos traficantes. “Eles continuam vivos e, muitas vezes livres, mas os usuários estão presos ao vício e, muitos se rendem à criminalidade e morrem ainda jovens”.

Busca de solução alternativa

O inspetor da PRF, Wilson Martines opina que, enquanto o poder público, como um todo, não se juntar e criar um plano de contingência para tirar essas pessoas das ruas e ajudá-las realmente a se livrar das drogas, a situação não será resolvida. “Não adianta ficar buscando culpados, é preciso que haja uma conscientização geral para chegar a uma solução definitiva, não paliativa”, ressaltou.

O coordenador do centro de estudos da UFPR, Pedro Bodê, acredita que, para haver mais eficácia nos trabalhos de atenção aos usuários de drogas, seria interessante mudar a abordagem. Para ele, os dependentes químicos deveriam receber droga do governo, que, em contrapartida, exigiria o cumprimento de compromissos sociais, como voltar a estudar, trabalhar, buscar, aos poucos, um caminho mais saudável para viver.