Manobra da defesa?

Para juristas, vídeo divulgado busca amenizar culpa de Carli Filho

O vídeo do ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho, com admissão de ter bebido na noite do acidente que causou as mortes de Gilmar Yared e Carlos Murilo de Almeida e um pedido desculpas às famílias das vítimas, divulgado no último fim de semana pelo colunista Reinaldo Bessa, da Gazeta do Povo, teve grande repercussão. Além do impacto social, surgem questionamentos sobre as suas consequências jurídicas. Pra juristas, o apelo emocional do vídeo teria o objetivo de amenizar a culpa de Carli Filho, o que poderia mudar o enquadramento do crime ou até mesmo levar à clemência no julgamento. Mas a estratégia também pode ter um efeito reverso.

O julgamento pelo júri popular estava marcado pra ocorrer em janeiro deste ano, mas foi suspenso após uma liminar do Supremo Tribunal federal (STF). Não há data pra um novo julgamento, mesmo assim juristas consultados acreditam que o conteúdo divulgado se propõe a alcançar eventuais integrantes do júri.

“Martirizado”

Pra Paulo Rangel, professor de direito processual penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o vídeo pode causar emoção nos jurados. “Ele tenta passar a imagem de que está há sete anos aguardando um julgamento, sendo martirizado. Se tiver aceitação, pode conseguir um atenuante”.

Thiago Bottino, professor de direito penal da FGV Direito-Rio, destaca que o júri não precisa fundamentar a decisão e, por isso, se considerarem que o arrependimento de Carli Filho é sincero, isso pode ter efeito no resultado final da sentença.

Enquadramento

No vídeo, Carli Filho admite culpa: “Eu errei, sim. Eu bebi e dirigi”. Mas ele também afirma que não saiu de casa naquele dia pra matar ninguém. O advogado criminalista Jovacy Peter Filho considera que a admissão do erro com a afirmação de que não tinha intenção de matar pode ser uma tentativa de mudar o enquadramento do crime. Carli Filho é acusado de ter cometido duplo homicídio com dolo eventual, pra esse crime a pena varia de 12 a 30 anos. Mas se o júri entender que não houve intenção de cometer o crime, ele pode ser enquadrado em homicídio culposo, que tem pena prevista de um a três anos. Caberá ao juiz que preside o caso fixar a pena. Peter Filho explica que, ainda que o considere culpado, o júri pode conceder clemência ao réu. Pra ele, o vídeo pode ser uma tentativa de antecipar o debate e despertar o possível perdão dos jurados.

Efeito reverso

Os juristas consultados observam que a divulgação do vídeo poder ter um efeito reverso. Em vez de causar comoção, os jurados podem considerar que houve tentativa de influenciar o resultado e isso pode ter um impacto negativo no julgamento do réu. “É uma faca de dois gumes. Pode ter impacto negativo, pois ele assumiu culpa, o erro”, diz Rangel.

Vídeo antecipa debate, diz acusação

O advogado de acusação, Elias Mattar Assad, considera que o apelo emocional pode ter bastante impacto sobre o júri. “Quando a decisão sai do juiz e vai pra um colegiado que não são juristas, uma série de coisas interfere”, reconhece. Pra ele, a defesa de Carli Filho está fazendo um debate antecipado do júri, mas tem direito de divulgar o vídeo. O advogado de Carli Filho, Gustavo Scandelari, afirma que foi consultado pelo cliente, mas que o vídeo não é parte de uma estratégia da defesa e que a iniciativa partiu do próprio ex-deputado.

Carli Filho teria procurado as famílias das vítimas antes, mas não obteve retorno. “O vídeo não é uma estratégia jurídica. Se ele quisesse utilizar o seu discurso como prova, faria isso quando estivesse sendo interrogado pelo juiz”, afirma o advogado. Sobre o fato de um conteúdo ser bem produzido, Scandelari afirma que seu cliente não poderia ter tratado o assunto com descaso. “Se ele tirasse o celular do bolso e gravasse, com a mão, não seria condizente com a importância do momento. Ele escreveu um texto. Seria um descaso muito grande se não tivesse feito assim”, diz o advogado.