Fita revela pagamento de propina após assassinato de bicheiro

Depois de muito tempo guardada em uma das gavetas da Promotoria de Investigação Criminal (PIC), a comprometedora degravação de uma fita cassete chegou ontem à Corregedoria da Polícia Civil, para ser anexada à sindicância instaurada contra o delegado Gerson Machado (lotado em Pinhais), que se arrasta há quase dois anos. O delegado é acusado de receber propina do jogo do bicho para deixar de investigar a denúncia da participação de Francisco de Castro Feitosa, o “Chico Feitosa”, e de Fúlvio Martins de Oliveira – dois “capos” da contravenção penal no Paraná – no assassinato do também bicheiro Almir José Solarewicz, executado com vários tiros na noite de 20 de setembro de 2000, no Centro Cívico.

A complicada história, que até hoje tem apenas um acusado formalmente – Otaviano Sérgio Carvalho Macedo, o “Serginho”, que deverá ser levado a júri na primeira quinzena de novembro próximo – apresenta novas nuances que reforçam as acusações feitas pelos parentes (mulher e filhos) de Almir, de que os líderes do jogo do bicho se escondem atrás do dinheiro oferecido a policiais, para maquiar as investigações e limpar os nomes dos mandantes do crime, responsabilizando apenas um dos supostos envolvidos na trama.

Gravação

A fita foi gravada pelo próprio Fúlvio Martins, durante uma conversa telefônica que ele manteve com o advogado Antônio Pelizetti, quando negociava um “acerto” com o delegado Gerson Machado, que investigava a morte de Almir. Anteriormente, o caso já havia sido investigado pela Delegacia de Homicídios, sob o comando do delegado Fauze Salmem, que identificou somente “Serginho” como responsável pelo delito. Desde aquela época, já se dizia que os policiais tinham recebido grande importância em dinheiro para não levar o caso adiante. Negociação que aparentemente teria dado resultado, já que apenas “Serginho” foi indiciado, denunciado pelo Ministério Público e será, pelo menos por enquanto, o único a ser levado a julgamento. O delegado Fauze Salmem sempre negou qualquer recebimento de dinheiro.

Mais propina

Dois anos depois do assassinato, Gerson Machado, então delegado do 6.º Distrito (Cajuru), tropeçou em uma investigação que levava à morte de Almir. Passou a ouvir novamente familiares da vítima, levantar nomes de suspeitos, fazer ligações entre as atividades de Almir no ramo de caça-níqueis com a insatisfação dos bicheiros, que estavam perdendo a clientela para as “maquininhas” de apostas. Um dos investigadores, Aleardo Righeto, chegou a fazer um minucioso relatório para o inquérito, informando que Almir tinha sido morto pela desavença que estava tendo com os mandantes do jogo do bicho, Francisco de Castro Feitosa, o “Chico Feitosa” e Fúlvio Martins Pinto. O inquérito foi enviado à 5.ª Vara Criminal de Curitiba, mas não resultou em mais prisões, apesar de o próprio Tribunal de Justiça acreditar que o crime organizado está por trás da morte do bicheiro.

Com o caso novamente parado, surgiu a denúncia de que Gerson Machado também teria “negociado” cerca de R$ 30 mil para deixar de trabalhar nas investigações. O próprio Fúlvio, que já foi acusado de matar a mulher dele em um cassino de luxo no Uruguai, providenciou a gravação da conversa com o advogado Pelizzeti, que estaria intermediando a negociação. Suspeita-se que ele pretendia ter o delegado “nas mãos”, para não ser mais extorquido nem incomodado com as denúncias que o apotam como um dos mandantes do crime.

A conversa

Na fita, Fúlvio e Pelizzeti, conhecidos de longa data, combinam entregar “mais R$ 10 mil para Machado”, dando a entender que outros R$ 20 mil já tinham sido entregues. Além de R$ 3 mil para o investigador Righeto, para que ele mudasse o relatório comprometedor que havia feito. Na conversa, eles também se referem à entrega de mais R$ 1,5 mil para a diretoria da Polícia Civil. Na ocasião, Fúlvio ainda alerta Pelizzeti para que não fique com nenhuma porcentagem do dinheiro a ser entregue aos policiais. Pela intermediação, Fúlvio oferece a Pelizzeti um relógio Rolex, “dos pequenos”, mas valioso, como ele mesmo diz. Fúlvio ainda comenta que tem interesse em ficar com a jóia, caso Pelizzeti queira vendê-la.

Mistério

Até agora, a forma como a fita chegou à PIC ainda não está bem esclarecida. Sabe-se que teria sido entregue pelo advogado de Fúlvio, Edson Stadler, ao delegado Miguel Stadler (são irmãos), que na época estava lotado no Grupo de Repressão ao Crime Organizado (Gerco) da PIC, para que o delegado Machado fosse incriminado. O delegado Miguel confirma que a fita passou pelas suas mãos e foi entregue à PIC, mas não quer falar sobre o caso, uma vez que não faz mais parte do Gerco.

Degravada por dois investigadores, a papelada toda permaneceu na PIC até ontem, quando finalmente foi encaminhada à Corregedoria da Polícia Civil, para ser anexada à sindicância contra Machado. A sindicância tem como conselheiro-relator o delegado Roberto Nascimento, que diante do recebimento do documento, deverá se posicionar sobre a instauração ou não de um procedimento administrativo contra o delegado Machado, por crime de concussão, podendo inclusive pedir sua exoneração.

Em ocasiões anteriores, Machado negou terminantemente ter recebido qualquer quantia para deixar as investigações de lado e disse estar sendo vítima de uma trama desmoralizadora armada pelos bicheiros.

Voltar ao topo