É “humanamente impossível” dar conta de tudo, dizem policiais

A estrutura da Delegacia de Homicídios de Curitiba é insuficiente para resolver o grande número de mortes que ocorrem na cidade. Pressionados pelo descompasso entre a ocorrência de centenas de assassinatos por ano e as condições de trabalho, os próprios policiais afirmam em documentos oficiais que é “humanamente impossível” dar conta de todo o serviço. O resultado: inquéritos incompletos e que ficam anos nas gavetas e mesas da delegacia, sem que o criminoso seja descoberto.

Os problemas começam com a falta de pessoal. Além do delegado titular, encarregado da gestão da unidade, há apenas quatro delegados que atuam na investigação dos crimes. Como aconteceram 597 assassinatos na capital em 2012, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), cada delegado ficou responsável por 120 inquéritos ao longo do ano. Isso significa que cada um teria de resolver um homicídio no prazo de três dias -sem contar os períodos de férias, licença e recesso de cada profissional e sem levar em consideração todas as investigações pendentes de períodos anteriores.

Sem divisão

Os delegados da Homicídios também precisam se desdobrar para investigar mortes na cidade inteira. Sem uma divisão por bairros, o policial não conhece a região e as disputas na área. A delegacia, por falta de gente e pela troca constante de pessoal, nunca conseguiu fazer isso. Como resultado, entre fevereiro e abril de 2013, por exemplo, um único delegado assumiu nove inquéritos em oito bairros distantes entre si: Centro Cívico, Prado Velho, Bom Retiro, Uberaba, Campo de Santana, Sítio Cercado, Pinheirinho e Cidade Industrial.

Para especialistas em segurança pública, as distâncias dificultam a investigação. “O correto é que a delegacia mais próxima corra ao local. Não pode deixar para a especializada. Ela deve assumir só em seguida”, afirma José Vicente da Silva Filho, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo.

Ciranda

A eterna ciranda de delegados é outro problema. Das mil mortes analisadas pela Gazeta do Povo entre 2010 e 2013, apenas 35,1% tiveram um único delegado investigando o caso do início ao fim. Dos 649 casos restantes, 166 passaram pelas mãos de quatro a sete delegados.

Na avaliação do promotor de Justiça Marcelo Balzer Correia, da 1.ª Vara do Tribunal do Júri, a rotatividade prejudica a investigação. “Não que derrube, mas enfraquece. Isso não só na polícia, mas em qualquer equipe. Se sai uma pessoa e entra outra, já muda tudo.”