Aumenta a procura pela espionagem

“Cuidado! As paredes têm ouvidos”. A velha frase repetida à exaustão nos filmes de espionagem está na moda mais do que nunca. Num mundo digitalizado e repleto de equipamentos em miniatura, capazes de captar vozes, fazer gravações e levar imagens a dezenas de metros de distância, falar ou fazer o que não se deve é cada vez mais arriscado. O “deslize” pode ser descoberto em segundos.

Para alegria dos “Sherlock Holmes” atuais, o mundo da investigação ganha cada vez mais ares de ficção. Detetives particulares – mesmo os formados em cursos por correspondência – podem contar com equipamentos de última geração, para apurar desde um simples caso de adultério até situações mais complicadas como sabotagens em empresas.

Há algumas semanas, a Academia Nacional de Detetives Profissionais (ANDP) – como sede provisória em Araucária – tem espalhado por toda a cidade folhetos, mostrando uma série de equipamentos mirabolantes que podem transformar qualquer mortal em um detetive. Lógico que o interessado tem que fazer os cursos oferecidos pela academia, comandada há anos pelo detetive particular Mister N. Santos (ele não permitiu divulgar seu nome completo). Orgulhoso, ele salienta que a sua é a primeira academia do ramo no País e que o trabalho é sério e muito profissional.

Os equipamentos anunciados são importados por uma empresa com sede em São Paulo – a Missão Impossível -e de lá distribuídos para todo o Brasil. Mas não basta fazer o curso e querer comprar as câmeras fotográficas, microgravadores e etc. É necessário, acima de tudo, ter muito dinheiro para adquirir as peças. A própria ANDP não possui a maior parte do acervo investigatório, pois uma simples caneta gravadora digital (que permite 70 minutos de gravação ) custa R$ 975. E está em promoção, conforme diz o folheto. Já o relógio de pulso que além de marcar horas é também uma mini máquina fotográfica (com capacidade para 100 fotos digitais) está custando R$ 2,1 mil.

Novidades

As novidades não param por aí. A coqueluche do momento é uma planta sintética, decorativa de ambiente, que esconde entre as folhas uma microcâmera sem fio, com áudio, que pode transmitir vídeo e áudio para uma estação receptora e gravadora a uma distância de até 200 metros. O conjunto todo custa R$ 3,5 mil. Instalada em qualquer ambiente, a planta não chama a atenção e pode servir bem aos propósitos de uma investigação, a menos que alguém não simpatize com o vaso artificial e o remova para outro lugar.

Não menos estranho que o vaso espião é o óculos microcâmera sem fio, que tem bateria recarregável e transmite imagens a aproximadamente 500 metros em área livre. O inconveniente é o tamanho do óculos. Grande, ele chama tanto a atenção que nenhum detetive conseguiria passar despercebido usando o equipamento. Seu preço também é de arrepiar: R$ 4.290,00.

Para o detetive de menor poder aquisitivo, restam equipamentos mais simples, como as famosas malas 007, binóculos, relógios, porta-documentos e chaveiros com o brasão da ANDP. E para os mais elegantes, porém menos discretos, há também a grife da ANDP, que conta com ternos – com o brasão da entidade bordado no bolso -, agasalhos, bonés, coletes, camisas e camisetas.

Profissional necessita de paciência

Mara Cornelsen

Ser um detetive profissional requer paciência, perspicácia e bons antecedentes. Para fazer o curso oferecido pela Academia Nacional de Detetives Profissionais (ANDP), o interessado não pode ter antecedentes criminais e precisa comprovar isso com uma infinidade de documentos.

“A pessoa pode até fazer o curso, que é por correspondência, mas na hora de receber o credenciamento tem que exibir toda a papelada”, explica Mister N. Santos, 35 anos, diretor da ANDP. Ele divide as tarefas de administrar a entidade com sua esposa, Miss Inês Santos, 28, que também é detetive. Santos assegura que já formou centenas de profissionais e mantêm pelo menos dez deles ligados à entidade. “Nós também aceitamos casos para investigar, por isso necessitamos de uma boa equipe”, comenta.

Ele mesmo já desenvolveu muitas investigações e diz ter começado na carreira aos 14 anos de idade, ao desvendar o primeiro caso quando ainda trabalhava em um supermercado. Ele descobriu uma quadrilha de estelionatários que vinha lesando o estabelecimento. Desde então, pegou gosto pela prática e não largou mais. Fez cursos em outros estados e hoje luta para que a profissão seja reconhecida. “No Brasil tem pelo menos 200 mil detetives formados por escolinhas diversas, mas muito poucas são sérias”, explica ele.

Aprendizado

Quanto ao curso que a ANDP oferece, ao custo de R$ 340 – que podem ser parcelados em até 6 vezes -, Santos garante que é de boa qualidade. O aluno estuda em casa, faz os testes, envia pelo correio e só aparece na academia para fazer os exames finais. Dependendo das notas nesse exame, o aluno pode até passar a fazer parte do quadro associativo e participar de serviços remunerados em todo o Brasil.

No programa do curso estão matérias como coleta de informações, perseguição de um suspeito, métodos de investigação, entrevistas e interrogatórios, e outras. Inclusive uma que ensina a usar os equipamentos de espionagem e contra-espionagem.

Ainda segundo a ANDP, a profissão de detetive existe desde 1950. Mas foi em 1957 que ela foi reconhecida por lei, sendo fixadas as condições necessárias para o funcionamento dos estabelecimentos prestadores de serviços de informações reservadas ou confidenciais. E, em 16 de junho de 1978, uma portaria do Ministério do Trabalho deu reconhecimento a atividade de detetive particular. A Polícia Civil mantêm uma sessão na Delegacia de Ordem Social de Curitiba para fiscalizar as agências de detetives a profissionais liberais que trabalham nesta área.

Pais pedem detalhes da vida dos filhos

Mara Cornelsen

Ao contrário do que muita gente pode pensar, um detetive particular não vive mais apenas de seguir maridos que “pulam a cerca” ou mulheres que arrumam amantes. Aliás, o adultério é o tipo de caso que está em baixa nas agendas dos investigadores.

“De uns anos para cá, caiu em 50% o número de pedidos para investigar essas ocorrências”, explica Mister M. Santos. Os casos mais comuns agora envolvem pais que pedem que seus filhos sejam seguidos para descobrir se eles não são homossexuais ou estão envolvidos com drogas.

Os clientes que desconfiam que estão sendo traídos pelo cônjuge, na maioria das vezes, pedem a investigação e provas da traição por motivos financeiros. “São pessoas que têm muito dinheiro e não querem deixar os bens com o traidor. Então nos pedem provas para apresentar em juízo e deixar a outra pessoa sem direito a nada”, explica o detetive. Causas trabalhistas também estão em alta, segundo Mister N. Santos, pois muitos empresários contratam os profissionais para provar que não precisam pagar indenizações a ex-funcionários. “Certa vez, esclarecemos um caso de um ex-empregado que dizia ter ficado paralítico ao sofrer um acidente na empresa que trabalhou e pedia uma altíssima indenização. Nós o flagramos jogando sinuca em um bar e caminhando pela cidade”, comemora Santos.

Para investigar um caso de adultério, que é considerado fácil, o detetive costuma cobrar 35 salários mínimos, cerca de R$ 7 mil, e ainda 35% de despesas extras. Já um caso de seqüestro, apontado como difícil, a investigação pode custar 200 salários mínimos, aproximadamente R$ 40 mil, e mais 20% das despesas eventuais.

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