Vamos pedir piedade…

“Quero cantar pros miseráveis / que vagam pelo mundo derrotados / Para essas sementes mal plantadas / que já nascem com cara de abortadas…” Os versos de Cazuza que abrem o Blues da Piedade caem como uma luva para ilustrar o comportamento e a atitude de milhares de jovens que estão para prestar o vestibular.

É comum ouvir desses jovens nos corredores de cursinhos renomados, que cobram mensalidades superiores a R$ 500, a intenção de se submeter (às vezes apenas) aos concursos de obscuras faculdades privadas, “porque o da Federal é muito difícil”. Pior: é ainda mais freqüente o número de adolescentes que desistem de tentar entrar no curso que desejam por causa da “concorrência”.

É uma lástima. Sentem-se tão despreparados que sequer cogitam a hipótese de sucesso. De fato, no Paraná, o vestibular mais disputado (ou o mais “difícil”) é o da UFPR. Mas é difícil para todo mundo, e alguém tem que passar. Quanto à concorrência, a imensa maioria é tão ou mais despreparada que qualquer candidato. E é praticamente certo que um jovem que sonhava em fazer Medicina, Publicidade ou Direito venha a ser um biblioteconomista ou um engenheiro de alimentos absolutamente frustrado (sem qualquer demérito para essas profissões).

O impressionante é que muitos desses jovens derrotados de véspera são filhos das elites, tiveram uma base familiar sólida, freqüentaram bons colégios particulares e estejam matriculados em caríssimos cursos preparatórios. Que os filhos de famílias carentes, alunos da alquebrada rede pública e excluídos dos cursinhos mágicos, não tenham muita esperança de freqüentar o ensino superior público e gratuito é até compreensível. Para esses, o vestibular muitas vezes é uma barreira intransponível. E mesmo assim, alguns acabam passando. Mas para os filhos da classe média para cima, tal comportamento é inadmissível.

Contribui para isso o terrorismo preconizado pelos próprios cursos pré-vestibulares, que tratam o concurso como uma esfinge, pronta a devorar quem não for capaz de decifrá-la – ou ainda, uma espécie de purgatório, que pode tanto alçá-lo ao paraíso quanto lançá-lo às chamas do inferno. A família, com expectativa e cobranças desproporcionais, também é responsável, sem falar na já citada deficiência do sistema educacional e na própria anemia intelectual e cultural da imensa maioria dos brasileiros.

O vestibular não é mais que uma prova, um prosaico e duvidoso teste de conhecimentos, que se repete a cada ano. É óbvio, porém, que um estudante reprovado sucessivas vezes deva reavaliar suas opções, e natural que tenda a procurar cursos menos concorridos em faculdades abertas para abrigá-los. E é evidente que as universidades públicas também estão longe de ser o melhor dos mundos. Mas não dá para desistir tão cedo.

Luigi Poniwass

é repórter de O Estado.

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