Súmula Vinculante: algumas considerações

1) Introdução

Desde a promulgação da Constituição de 1988, tanto o Poder Judiciário quanto as mudanças por ele requeridas têm sido objetos de intenso debate, não apenas em função dos aspectos materiais de seu funcionamento como pelo papel político que exerce na democracia brasileira, principalmente, o de confrontar decisões dos demais poderes do Estado.

Observa-se que a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 proporcionou uma oportunidade única e histórica de correção dos defeitos estruturais, equívocos e excessos processuais do Judiciário brasileiro, no qual não se verifica nenhum extraordinário ou revolucionário processo de modernização marcante dentro do Poder Judiciário, apesar de todas as transformações ocorridas nas áreas tecnológicas, no gerenciamento e administração e dos padrões de comportamento humano.

Entre as modificações que têm ocorrido na proposta inicial de reforma inclui-se a Súmula Vinculante, a qual traz uma alteração significativa nos andamentos processuais.

A Súmula Vinculante constitui um tema que tem gerado controvérsias, portanto, constitui objetivo desse estudo, verificar os argumentos utilizados por aqueles que se posicionam favoravelmente e por aqueles que discordam da inserção desse instrumento no ordenamento jurídico brasileiro.

2) Súmula Vinculante: algumas considerações

2.1 Conceito

Súmula é um termo derivado do latim summula, que significa sumário ou índice de alguma coisa. De acordo com De Plácido e Silva, súmula se refere a algo que "de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão"(1).

Antonio Carlos Diniz(2) afirma que, na acepção mais usual, súmula consiste em um enunciado sintético que contém a interpretação uniformizada de Tribunal sobre uma dada matéria. No entanto, continua o autor, nem todas as decisões dos Tribunais constituirão objeto de edição de súmulas, mas apenas aquelas que, devido à sua repetição, conexão e coerência com outros julgados tornam-se jurisprudência e, posteriormente, súmulas. Por outro lado, vinculação "implica a filiação obrigatória de uma decisão a outra, anterior, que a submete". Assim, a denominação súmula vinculante resultou da conjugação dessas duas expressões, sendo utilizada para "designar o resumo da jurisprudência dominante de um tribunal superior dotada de efeito vinculativo e eficácia erga omnes relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

Ivan Lira de Carvalho entende que a jurisprudência, a qual é formada por arestos reiterados, constitui uma fonte de direito inquestionável e que o Direito Sumular "é a elevação da jurisprudência esparsa, através do amalgamamento dos julgados ao patamar de ramo da arvore do Direito", cuja gênese pode ser atribuída ao Ministro Victor Nunes Leal, que em 1963, juntamente com seus companheiros da Comissão de Jurisprudência no Supremo Tribunal, "ousou […] um […] passo a frente, promovendo a criação da Súmula, de nítidas raízes brasileiras, sem cópia do stare decisis nem filiação a the restatment of the Law" (grifos do autor).(3)

A esse respeito, Evandro Lins e Silva afirma que a expressão súmula foi utilizada por Victor Nunes Leal para definir em pequenos enunciados o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo de modo reiterado sobre temas que se repetiam freqüentemente em seus julgamentos. "Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juizes". Simultaneamente, a súmula serviria de informação aos magistrados e advogados, permitindo que esses conhecessem a orientação da Corte suprema nas questões mais freqüentes. Na época, houve críticas e resistências à sua implantação devido ao temor de que ela "provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei", mas seu criador esclareceu que "a Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório", constituindo matéria puramente regimental a qual poderia ser alterada a qualquer momento.(4)

2.2 A Vinculação Jurisprudencial nos Ordenamentos Filiados à Common Law e no Ordenamento Romano-Germânico

A common law, sistema predominante na Inglaterra e nos Estados Unidos, não cultiva a lei como fonte principal, mas tem a jurisprudência como fonte formal de maior importância, cabendo à lei o lugar de fonte secundária, incumbida de trazer corretivos e adjunções aos princípios firmados pelos tribunais.(5)

Sobre a common law, José Camacho Santos(6) explica que nesse sistema vigora a regra do judge-made law, isto é, o juiz ou o tribunal faz, produz, cria a lei, o Direito. Verifica-se, portanto, o compromisso pragmático, alheio a qualquer conexão com os modelos abstratos, apegando-se ao método indutivo, uma vez que parte-se do caso concreto para a criação da solução jurídica adequada.

Assim, o common law não é direito anglo-saxão (das tribos e reinos da Inglaterra, antes do século X), não é direito inglês (engloba países independentes, como Irlanda, EUA, entre outros) e também, não é costumeiro (tem sua origem na jurisprudência e não no costume). Nesse sistema, a jurisprudência (o precedente) é a fonte formal do Direito, por excelência, uma vez que representa a criação de norma jurídica, de observância obrigatória. Portanto, é o Direito imposto pelo Estado-Judiciário, e não originado de prática espontânea do povo (como é o costume).(7)

A formação da common law se solidificou através do desenvolvimento histórico da Inglaterra, mais especificamente a partir da conquista normanda em 1066, que instaurou um poder centralizador, com destaque para os tribunais reais. Com o passar do tempo, ao lado desse sistema, em face do rigor dos julgamentos dos tribunais ingleses, surge um novo vocábulo, o qual passa a ser empregado, em sentido mais estrito, a equity, consubstanciada na súplica ao rei, representado pelo seu chanceler, para que interviesse de forma a eliminar injustiças.(8)

Observa-se que da mesma forma que a common law, a equity se manifestava em conformidade com a doutrina do precedente. Entretanto, nem tudo o que consta do julgado configura precedente, sendo duas as ponderações indispensáveis: a) apenas as questões de direito se dirigem aos casos futuros; e b) entre as proposições de direito afirmadas no julgamento, somente deve ser respeitado aquilo que foi considerado necessário para a decisão, denominado ratio decidendi, em contraposição ao obter dicta, o qual não merece ser considerado.(9)

No sistema romano-germânico, as normas escritas ocupam posição de destaque. Inserida a Constituição no ápice da pirâmide, posição esta garantida pela rigidez de suas normas e pela existência de um controle de constitucionalidade, os tratados, os códigos e os regulamentos constituem a base das condutas individuais e da Administração.(10)

Em outros termos, no sistema do Civil Law, de origem romano-germânica, a lei ou a norma é, ordinariamente, o ponto de partida. Toma-se o paradigma legal e, confrontando-o com o fato sub judice, busca-se a solução justa. O raciocínio é, portanto, predominantemente dedutivo. A lei, é a fonte formal, por excelência, contrariamente ao sistema do common law, no qual, a jurisprudência desfruta dessa primazia.(11)

Mesmo sem equiparação ao modelo do common law, em que a liberdade dos julgadores é quase absoluta, o sistema do Civil Law, inspirado pelo sentido social e pelo objetivo de realizar justiça, relativiza o império da lei, a sujeição à regra pré-posta, possibilitando que o ordenamento jurídico receba complementos e atualizações que o coloquem, sempre, de acordo com a realidade.(12)

2.3 A Influência do Precedente no Brasil

Embora o direito brasileiro ainda não tenha adotado a súmula vinculante em sua dimensão mais ampla, no curso de sua história, não permaneceu integralmente estranho à influência do precedente.

A esse respeito, Edílson Pereira Nobre Jr.(13) afirma que quando colônia de Portugal e, portanto, subjugados ao direito português, encontrava-se no Livro V, Título 56, § 1.º das Ordenações Manuelinas, de 1512, assentos firmados pela Casa de Suplicação, com a finalidade de dirimir dúvidas jurídicas articuladas durante os julgamentos dos casos a ela submetidos. Caso os magistrados dessa Corte não chegassem à resolução de determinado ponto controvertido, recorriam ao rei, que o solucionaria mediante a edição de ato de cunho normativo. Estes assentos foram mantidos nas Ordenações Filipinas (Livro I, Título V, § 5), de 1603.

Posteriormente, quando proclamada a Independência, esta competência foi deferida para o Supremo Tribunal de Justiça, como previsto na Constituição Imperial, embora não tenha se concretizado na prática. O instituto foi extinto na República, na Constituição de 1891, porém pouco depois da promulgação desta Carta, a legislação processual, reservada aos Estados, concebeu o prejulgado, como ocorreu com o art. 22 da Lei 17 do Estado de Minas Gerais, de 20 de novembro de 1891; ou com o art. 103 do Dec. 16.273, de 20 de dezembro de 1923, que dispunha sobre a organização judiciária do Distrito Federal, entre outros.(14)

Atualmente, há disposições normativas que atestam a real utilização do instituto, segundo Carla Mendonça Dias Alves da Silva(15), a qual menciona, por exemplo, que o art. 557, caput, do CPC, com a redação determinada pela Lei n. 9.756/1998, atribui ao relator o poder de negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF, ou de Tribunal Superior.

Portanto, o instituto da súmula vinculante, embora ainda se encontre em tramitação nas casas legislativas federais, se faz presente, ao menos o seu núcleo, no ordenamento jurídico pátrio, em algumas leis esparsas, assim como na prática forense, e já vem sendo incorporado ao sistema recursal brasileiro, bem como às ações constitucionais.(16)

Para Carla Mendonça Dias Alves da Silva(17), dependendo do teor final da aprovação da matéria no Congresso Nacional, o caráter inovador e polêmico da súmula vinculante já estará superado, de forma que a posterior emenda à Constituição se limitará apenas a constitucionalizar uma prática consagrada por normas infraconstitucionais e de reiterada utilização jurisprudencial.

2.4 Correntes Contrárias e a Favor

Evandro Lins e Silva(18) destaca que a Súmula é um instrumento que pode ser utilizado pelos advogados como elemento de persuasão, mas que não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau, pois no sistema brasileiro, "a fonte primária do direito é sempre a lei, emanada do Poder Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder". O efeito vinculante apenas é aplicável às decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, ou seja, declarada a inconstitucionalidade por esse tribunal, desaparece o ordenamento jurídico.

Entretanto, Marco Antonio de Barros entende que a súmula vinculante

"representa uma medida absolutamente necessária na ordem jurídica […], pois ela contribuirá para minimizar a lentidão e o altíssimo custo da prestação jurisdicional, que seja em benefício das próprias partes, quer seja em prol da imagem do Poder Judiciário , […] sem vislumbrarmos a ocorrência de vícios e óbices constitucionais".(19)

Dessa forma, verifica-se a existência de duas correntes: uma que defende a manutenção da facultatividade da aplicação da súmula, e outra, que defende a forma vinculada.

2.4.1 corrente contrária

Luiz Flávio Gomes apresenta os seguintes argumentos contrários à aceitação das súmulas vinculantes:

– "Violam o princípio da independência judicial, que deve ser entendida como independência de cada juiz, […] no exercício da jurisdição, seja diante de poderes externos […], seja diante de poderes internos […], particularmente superiores (CF, art. 2.º);

– Conflitam com o princípio da separação dos poderes (art. 2.º e art. 60, § 4.º, inc. III da CF), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e abstratas, com validade universal […] por lhe faltar legitimação democrática para tanto;

– Fazem tábula rasa do princípio da tipicidade das leis, assim como do juiz natural imparcial (que inexiste nos sistemas de jurisprudência superior vinculante);

– Iludem o princípio do pluralismo político (art. 1.º, inc. V), que é a base das várias interpretações válidas do mesmo texto normativo;

– Ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III), à medida que retiram do juiz o que existe de essencial na atividade judicial, que é autodeterminação (tratar o juiz como incapaz de se autodeterminar, aniquilando sua criatividade, resulta em ofensa à sua dignidade)".(20)

Nesta corrente, Antonio Carlos Diniz cita que, protestando às disparidades e incompatibilidades entre a regra do stare decisis, tal como existe no sistema anglo-americano e a que se pretende instaurar de forma plena no Brasil, destacam-se Fábio Konder Comparato, Dalmo de Abreu Dallari, Carmen Lúcia Rocha, Lênio Luís Streck(21) e, Evandro Lins e Silva, para quem este novo instituto criaria em nosso meio a figura dos "juízes legisladores", como menciona Marco Antonio de Barros(22):

"Não estamos no Sistema da Common Law, onde há dois tipos ou efeitos das decisões judiciais sobre os casos futuros: o efeito meramente persuasivo, equivalente ao das atuais súmulas, entre nós, e o efeito vinculante (binding precedents). Mesmo nesta última hipótese, o efeito obrigatório do precedente é sempre relativo, podendo o juiz ora desconsiderá-lo por se tratar de fatos diversos e, também, mesmo reconhecendo a identidade do fato, caso ele seja "desarrazoado e inconveniente" (unreasonable and inconvenient), desde que o juiz decline cumpridamente as razões para esse julgamento".

Ivan Lira de Carvalho cita que contrário à súmula vinculante também está o Des. João Alberto Medeiros Fernandes, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual afirma que "o direito do cidadão de ver o seu caso concreto examinado pelo seu advogado e pelo seu juiz é inalienável, decorre de princípio constitucional, mas jamais de aplicações de decisões preconcebidas, também chamadas de stare decisis".(23)

2.4.2 Corrente a Favor

Defendendo a aceitação da súmula vinculante, Rodolfo de Camargo Mancuso cita que Anete Vasconcelos de Borborema admite que vários autores reconhecem

"um caráter normativo à jurisprudência contida na súmula, entendendo-a obrigatória para todos os juízes e tribunais do país […] constituindo o STF (e […] o STJ) os mais altos sodalícios da justiça brasileira e sendo suas decisões, […], irreformáveis por outro tribunal, não se pode conceber que juízes de primeiro grau e outros tribunais julguem à revelia das proposições constantes na súmula. Em face da autoridade que a Constituição outorga ao Supremo (e ao STJ), não dar fora de lei à jurisprudência dominante firmada em Súmula seria afrontar sua soberania, reconhecer a imperfeição do Poder Judiciário, impedir a certeza jurídica".(24)

Rodolfo de Camargo Mancuso enfatiza que para "se chegar a um ponto ótimo no ideal da uniformização" compete que as súmulas "obriguem sua aplicação nos casos nelas subsumidos", não bastando apenas o adjetivo "predominante" associado à jurisprudência, devendo dotá-la de "um algo mais, […] a nota da vinculação de seu enunciado" (grifos do autor).(25)

Em concordância com Rodolfo Mancuso, Fernando da Costa Tourinho Neto afirma que

"não se pode conceber que uma questão decidida pelo STF, a Corte mais alta do País, o Tribunal que dá última palavra, receba decisão diferente, em causas idênticas, nos tribunais e juízes inferiores, obrigando o vencido a interpor recursos, percorrendo um caminho difícil, penoso, demorado, para, depois de anos e anos, chegar ao Supremo, a fim de obter a reforma daquela decisão".(26)

Nessa mesma linha, Luiz Guilherme Marinoni entende que

"Se o juiz de primeiro grau diverge de entendimento contido em súmula do Tribunal, a parte que sustenta a tese consagrada na súmula é obrigada a recorrer. No caso de demandas múltiplas, isto pode significar milhares de recursos [o que] significa […] retardo na prestação jurisdicional e, portanto, prejuízo à parte que tem razão. Significa, ainda, mais custos e, também, um acúmulo intolerável de processos em segundo grau de jurisdição. […] é obvio que a interposição exagerada de recursos resulta na lentidão do serviço jurisdicional e, portanto, aprofunda a crise do Poder Judiciário, que tem o compromisso de atender ao Direito constitucional de todo cidadão a uma resposta jurisdicional tempestiva".(27)

Contestando ao argumento de Evandro Lins e Silva, Ivan Lira de Carvalho(28) afirma que a súmula vinculada não constitui uma "indébita invasão legislativa", pois conforme a posição da Associação dos Magistrados Brasileiros ? AMB, "a edição da súmula vinculante somente será dada pelo voto de 3/5 dos membros do STF e Tribunais Superiores, após reiteradas decisões sobre a validade, a interpretação e eficácia de normas ou matérias específicas e determinadas", o que significa que se faz necessário a ocorrência de "repetidas decisões sobre a validade, a interpretação e a eficácia de certas normas ou de matérias especificadas" o que afasta a citada invasão legislativa (grifos do autor).

A esse respeito, Marco Antonio de Barros(29) enfatiza que não se pode falar em desrespeito ao princípio da independência recíproca dos "Poderes do Estado", uma vez que a "inserção da súmula vinculante ao nosso ordenamento jurídico dar-se-á pela via legislativa, ou seja, os próprios representante do povo é que delegarão aos Juízes dos Tribunais Superiores a possibilidade de dizer o Direito de forma impositiva para os Juízes de instância inferior".

Destaca ainda o autor, que é preciso ressalvar que os Tribunais Superiores não ditarão novas regras, mas apenas firmarão o entendimento a ser adotado em casos semelhantes e repetitivos. Portanto, não ocorre a superposição de funções estabelecidas na Carta Magna, pois "uma coisa é criar a lei e outra bem diferente é interpretá-la sob o enfoque preciso do controle de sua constitucionalidade"(30). A esse respeito, Ivan Lira de Carvalho argumenta que os tribunais inferiores, o Ministério Público da União ou dos Estados, a União ou o Distrito Federal, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados dos Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros estariam aptos a solicitar alteração ou revisão das súmulas vinculantes editadas.(31)

Além disso, continua Ivan Lira de Carvalho, ao ordenar que os juízos inferiores obedeçam a um conjunto de decisões sumuladas não estará fazendo nada mais do que aquilo que faria de forma fracionada e, qual será a razão do magistrado de instância inferior cumprir uma decisão isolada, sem objetar discussões e "terá receios de cumprir um conjunto sumulado de decisões"? Questiona também o autor, se a mentalidade da magistratura brasileira está ainda "sediada na época em que a reforma de uma sentença consistia num aviltamento ao trabalho do juiz singular".(32)

Marco Antonio de Barros observa que é conveniente ponderar que a "súmula vinculante, por sua gênese, jamais poderá ser aplicada ao chamado caso `privado puro’, pois é de sua essência o caráter genérico e reiterativo das relações jurídicas postas em confronto, já que ela deve funcionar como eficiente antídoto à coletivização dos conflitos".(33)

Nessa mesma linha de raciocínio, Rodolfo de Camargo Mancuso cita que segundo o Dep. Jairo Carneiro, a súmula vinculante constitui um instrumento eficaz para inibir a ocorrência repetitiva em relação à determinada questão de direito, já decidida pelos Tribunais Superiores por pacificada jurisprudência, exemplificado pelas causas que tratam de devoluções de empréstimos compulsórios ou por aquelas relativas à correção monetária de salários de contribuição, para efeito de cálculo de aposentadorias, entre outras. Dessa forma, estaria o Judiciário liberado de tais questões, especialmente o STF, cuja missão é de guarda da Constituição, a qual se vê impedido de cumprir como se faz necessário por ser envolvido em milhões de processos praticamente iguais, "cujo julgamento nenhum progresso resultará para a ciência jurídica, já que se trata de um amontoado de peças padronizadas".(34)

Dois princípios devem ser preservados e compatibilizados com prioridade em uma democracia: o princípio do livre convencimento do juiz, o qual é corolário da independência judicial, e o princípio da igualdade na aplicação da lei. Em nome do primeiro princípio levantam-se as mais respeitadas opiniões contrárias ao instituto da vinculação. Com relação ao princípio da isonomia, Calmon de Passos destaca que não se pode interpretar a independência do julgador a ponto de distorcê-la e relegar a plano inferior bens igualmente importantes, tais como a rapidez da prestação jurisdicional, a coerência das decisões sobre casos concretos idênticos e a igualdade na aplicação da lei.(35)

3) Considerações Finais

Considerando os prós e contras da inserção da súmula vinculante apresentados destacam-se como pontos marcantes da discussão: 1) os argumentos contrários à súmula vinculante referem-se à violação dos princípios da independência, da separação dos poderes, da tipicidade, do pluralismo político e da dignidade da pessoa humana (no caso, do juiz); e, 2) os argumentos favoráveis resumem-se na defesa do caráter normativo da jurisprudência, no respeito à hierarquização presente no Poder Judiciário e na possibilidade de, uma vez inserida no ordenamento jurídico, a súmula vinculante constituir um instrumento que venha a diminuir o imenso número de recursos em ações similares junto às instâncias superiores, permitindo o efetivo cumprimento de sua missão, ou seja, de guarda da Constituição.

Indiscutivelmente que a grave situação por que passam os órgãos da Justiça brasileira, especialmente os Tribunais Superiores, os quais se encontram repletos de processos com alto percentual de matérias idênticas, recursos protelatórios ou, ainda, que apresentam um desfecho previsível, é insustentável. Tais processos não podem continuar congestionando o Judiciário sem qualquer progresso para a ciência jurídica.

Assim sendo, a adoção do efeito vinculante das decisões judiciais constitui uma alternativa para tentar solucionar a crise em que se encontra o Judiciário, uma vez que inibiria as aventuras judiciais e aceleraria a prestação judicial, mas tropeça no temor de imobilização do direito e de agressão à liberdade de convencimento do juiz. Dessa forma, como mencionam Arnoldo Wald e Ives Gandra Martins, cogita-se em conciliar essas correntes, através da implantação do efeito vinculante, mas, quando se apresentasse uma "nova tese ou argumentação diferente da adotada pelos tribunais superiores", tal efeito seria afastado.(36)

Notas:

(1) DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 297. v. 3.

(2) DINIZ, Antonio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em: http://www1. jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=252. Acesso em: 02 mai. 2004. p. 1.

(3) CARVALHO, Ivan Lira de. Decisões vinculantes. Revista dos Tribunais, ano 86, v. 745, p. 48-58, nov. 1997. p. 52.

(4) SILVA, Evandro Lins e. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. Revista Consulex, n. 5, p. 43-45, mai. 1997. p. 44.

(5) NOBRE JR., Edílson Pereira. O direito processual brasileiro e o efeito vinculante das decisões dos tribunais superiores. Revista de Processo, v. 27, n. 105, p. 64-95, jan./mar. 2002.

(6) SANTOS, José Camacho. Pessoa jurídica: crise funcional e técnica desconsiderativa. Dissertação (Mestrado). Maringá. Universidade Estadual de Maringá, 2001.

(7) SANTOS, J. C. op. cit.

(8) NOBRE JR., E. P. op. cit. p. 67.

(9) Ib. Ibid.

(10) Ib. Ibid.

(11) SANTOS, J. C. op. cit.

(12) SANTOS, J. C. op. cit.

(13) NOBRE JR., E. P. op. cit.

(14) Ib. Ibid.

(15) SILVA, Carla Mendonça Dias Alves da. Efeitos vinculantes das decisões dos tribunais superiores: uma realidade. Revista do Processo, v. 29, n. 115, p. 164-177, mai./jun. 2004.

(16) SILVA, C.M. D. A. da. op. cit.

(17) Ib. Ibid.

(18) SILVA, E. L. e. op. cit. p. 44.

(19) BARROS, Marco Antonio de. Anotações sobre o efeito vinculante. Revista dos Tribunais, ano 86, v. 735, p. 100-106, jan. 1997. p. 105.

(20) GOMES, Luiz Flávio. Súmula vinculante e independência judicial. Revista Consulex, n. 8, p. 30-31, ago. 1997.

(21) DINIZ, A. C. de A. op. cit.

(22) BARROS, M. A. de. op. cit.

(23) CARVALHO, I. L. de. op. cit. p. 55-56.

(24) MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: RT, 1999. p. 287.

(25) Ib. Ibid. p. 289.

(26) TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal: uma solução para o Judiciário. Revista de Informação Legislativa, n. 12, p. 186, Brasília, out./dez. 1995.

(27) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: RT, 1997.

(28) CARVALHO, I. de L. op. cit. p. 57.

(29) BARROS, M. A. de. op. cit. p. 105.

(30) Ib. Ibid. p. 105.

(31) CARVALHO, I. L. de. op. cit.

(32) Ib. Ibid. p. 57-58.

(33) BARROS, M. A. de. op. cit. p. 106.

(34) MANCUSO, R. de C. op. cit. p. 293.

(35) PASSOS, Calmon de. Súmula vinculante. Gênesis Revista de Direito Processual Civil, v. 2, n. 6, p. 625-638, set./dez. 1997.

(36) WALD, Arnoldo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Efeito vinculante das decisões judiciais. Revista Síntese Trabalhista, v. 84, p. 125-126, jun. 1996.

Hugo Fernando Soares Sountachi é acadêmico do 4.º ano de Direito da Universidade Estadual de Maringá. Artigo 1.º colocado em concurso promovido pelo II Fórum de Direito Constitucional.

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