Rumo e esperança

Para poupar a paciência do leitor e contribuir com algum lenitivo mais adequado a aumentar a paz de espírito, tão necessária diante da perplexidade que todos vivem hoje em dia neste País tão belo quanto vocacionado ao progresso dos concidadãos, vamos fugir à rotina deste espaço, ultimamente dominado por comentários proporcionados pelos desvios de comportamento de inúmeras personalidades escolhidas para a tarefa de zelar pela imagem ética e moral do aparelho de Estado.

O tempo pascal é, portanto, carregado de motivos para uma reflexão aprofundada sobre as aflições existenciais do homem pós-moderno e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de reencontro consigo mesmo e com os semelhantes. É tempo de dar e receber, de integração e oferecimento desinteressado.

Uma ocasião propícia para alimentar o perfil humanístico da personalidade e trocar com os que caminham ao lado nessa jornada, que se faz fatigante e interminável, um pouco do alento que ajuda homens e mulheres de têmpera a não perder o rumo e a esperança.

Nada mais recomendável que evocar a sensibilidade de velha página assinada pelo grande poeta Augusto Frederico Schmidt, lembrado no especial JK, escrita para servir como meditação de uma Páscoa longínqua e, bem a propósito, intitulada ?A tristeza de Jesus Cristo?. Dizia o poeta que a mais humana das passagens do Evangelho, narrada por Mateus, foi sua chegada a um lugar de nome Getsêmani, que ?assinala precisamente o momento da mais íntima solidariedade de Jesus para com os homens, para com os seres que tiveram uma parte tão grande na tristeza universal, na tristeza do mundo?.

Escreveu o poeta que ?deixara-se submergir o próprio Senhor no mar de lágrimas que banha os continentes, os espaços, os esconderijos dos mortais?, e esse capítulo de tristeza indizível no Horto ?é o mais próximo de nós, de nossa natureza contraditória, de nossa agonia intransferível?.

A figura combalida do Salvador é descrita com terno realismo: ?Rosto pendido para a terra, curvado sobre sua natureza, o Filho de Deus conhece e participa do grande abismo da criatura, partilha Ele próprio e se debate nessa voragem de frio a que se dá em língua humana o nome de medo?. E nesse aprofundar da fragilidade da carne diante do trágico destino profere as memoráveis palavras: ?Se for possível, Meu Pai, que se afaste de Mim o Cálice; no entanto, não prevaleça a Minha vontade, mas a Tua?.

Com olhos e sentimento de poeta, Augusto Frederico Schmidt enxergava nessa hora agônica um retorno à infância e o servo sofredor não mais que um filho falando à vontade paterna, ?um inocente invocando proteção contra o sofrimento e a morte, mas ao mesmo tempo não se esquivando nem se revoltando contra a decisão suprema?.

O poeta foi adiante e viu não um herói de tragédia grega, inflexível ante o martírio e o fim, voluntário do sofrimento, com a dureza do aço na alma. Ao contrário, Jesus provou-se um homem que teme e revela seu temor aos outros.

Na noite do Getsêmani, prosseguiu o pensador, por todo lado campeava ?a indiscrição, a estupidez, o jugo dos preconceitos, a tirânica prepotência do mais vil e do mais baixo interesse?. Não desejando estar só, Jesus pediu a Pedro e aos filhos de Zebedeu que O acompanhassem, mas enquanto Ele orava Seus amigos foram vencidos pelo sono. A amargura alheia, mesmo a de Deus feito homem, sempre causa tédio e sono.

Enquanto dormiam os amigos mais chegados, Jesus dialogava com o Pai rogando misericórdia para a humanidade enferma, ali simbolizada. E ao ser levado para fora do jardim, prisioneiro, o Cristo prestes a morrer e a ressurgir assumia a plenitude da missão de Cordeiro pascal. A verdadeira alegria da cristandade. Feliz Páscoa!

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