Progressão de regime: o requisito subjetivo e o princípio da razoabilidade e proporcionalidade

Matéria publicada semana passada neste Direito e Justiça, abordou a questão de que o STJ confirmou a cassação da decisão de um juiz de execução do Rio Grande do Sul, que concedeu a progressão de regime considerando outros aspectos, que não os laudos psicossocial e psicológico.

Com o advento da Lei 10.792/2003, inúmeras discussões surgiram a respeito do tema, haja vista que a teor do que dispõe o artigo 112 da LEP não se exige mais a emissão dos laudos técnicos consistentes no parecer da psiquiatria e psicologia, denominado de exame criminológico, que acompanhados do informe psicossocial, formam a avaliação do requisito subjetivo, e aliados ao atestado de bom comportamento do sentenciado emitido pela Direção da Unidade Penal, compõe o requisito objetivo. No entanto, não obstante a alteração da lei, muitos Juízes continuam solicitando tais laudos para subsidiar suas decisões acerca da concessão ou não do benefício.

Todavia, na prática a dificuldade é muito grande para a efetiva avaliação do sentenciado, pois além da ausência de profissionais para realizar tais laudos, muitos deles são repetitivos e contraditórios. Existem casos no sistema penitenciário em que o preso passa por várias avaliações e não obtêm êxito para a progressão de regime, mesmo tendo cumprido quase toda a pena imposta.

Exemplo: Um preso que cumpre pena numa das Unidades Penais de regime fechado deste Estado foi condenado por homicídio a uma pena de 13 anos, cumpriu até a presente data 12 anos e 6 meses, ou seja, faltam apenas 6 meses para que ele cumpra, na íntegra, a pena que lhe fora aplicada.

Desde a data em que adquiriu direito ao benefício teve 3 pedidos negados ao argumento de que os laudos emitidos não autorizam a concessão do benefício, porque “seu juízo crítico sobre seus atos delituosos encontra-se bastante empobrecido, e sua autocrítica diminuída”.

No entanto, com todo esse tempo de pena cumprida, 12 anos e 6 meses, é notório que o requisito objetivo esta mais do que preenchido. Ademais, ao longo de 12 anos que cumpriu pena não teve falta disciplinar de nenhuma natureza, seu comportamento sempre foi bom.

Considere-se, ainda, que há mais de 8 anos não recebe visita de seus familiares. E aí, pergunta-se: como pode preencher tal requisito subjetivo se durante todo esse tempo, tão simplesmente cumpriu sua pena, sem nenhum tipo de acompanhamento ou tratamento que o propiciasse melhorar esse tal juízo crítico? E a questão da ressocialização, a falta de apoio dos familiares, os aspectos sociais, onde estão inseridos?

Então, é de se questionar aqui a aplicabilidade efetiva da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, sobretudo, em seu artigo 1.º, que trata do objetivo da lei e assim dispõe: “A execução penal bem como objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e internado”.

Apesar de não mais haver previsão sobre a exigibilidade do exame criminológico, é de se respeitar o julgador quando o requer como um referencial para fundamentar sua decisão.

No entanto, o que não se pode conceber é a ausência de determinados princípios basilares que deverão ser aplicados quando se trata da liberdade do ser humano. E aí, cabe ressaltar a importância dos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e proporcionalidade, bem como da individualização da pena, sendo que esta individualização também deve ser analisada quando da análise do benefício da progressão ou livramento condicional. Ao que me parece, pelo menos implicitamente, este foi o fundamento utilizado pelo Juiz do Rio Grande do Sul ao conceder a progressão ao sentenciado.

Quando se fala em razoabilidade e proporcionalidade vem à tona o artigo 5.º, LIV, da Constituição Federal no sentido de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Muitas são as implicações deste enunciado, que complementado pelo princípio ,da reserva legal, previsto no artigo 5.º, II, da Constituição Federal, extrai-se que, se o legislador não está liberto de limites quando elabora as normas, mormente quando estas tendem a reduzir a esfera de algum direito fundamental, tão pouco poderá desvincular-se desses limites o aplicador do direito ao decidir sobre o beneficio a quem tem direito o sentenciado.

Já dizia Césare Becaria, “As penas que vão além, da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar ao súditos.” (in Dos Delitos e das Penas).

Por fim, considerando que nossa Constituição Federal é a fonte de maior diretriz da liberdade do ser humano, é de se reavaliar a aplicação dos princípios basilares, sobretudo da razoabilidade e proporcionalidade não somente na aplicação da pena, mas também, na concessão da liberdade àquele que, cumprido o requisito objetivo, é desprovido desse direito ao fundamento de critérios subjetivos, que poderiam lhe ser favoráveis se houvesse efetividade na aplicação da lei penal no sentido de propiciar reais condições para a harmônica integração social do condenado à sociedade.

Débora Veneral é advogada, doutoranda em Direito pela Universidad Católica de Santa Fé-Argentina, professora universitária e em cursos de pós graduação. Membro da Apacrimi.

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