Para Fruet, a CPMI vai frustrar opinião pública

Apontado até por adversários políticos como um dos quadros mais bem preparados da CPMI dos Correios, o deputado Gustavo Fruet (PSDB) admite que a comissão não terá condições de identificar todo o esquema assumido por Delúbio Soares e Marcos Valério Fernandes e que o resultado das investigações vai frustrar a opinião pública, qualquer que seja ele.

"É uma história feita por profissionais, no bom e no mau sentido. Gente competente, que evita deixar rastro. Dificilmente o Brasil vai ter clareza sobre o que aconteceu. Pode ser que daqui a 100 anos, quando todos estiverem mortos, consiga-se ter maior clareza sobre o que se passou. Essa é uma história que nunca vai se fechar por completo", avalia Fruet, sub-relator de Movimentação Financeira da CPMI.

Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o deputado diz que há uma incompreensão generalizada sobre o poder das CPIs mas que, ainda assim, as investigações terão desdobramento na Justiça. "Virou novela, terminou o capítulo de ontem e já querem saber hoje quem será o próximo bandido da história. É como se nas CPIs tivesse de haver sempre o bandido e o herói. Essa construção gera uma distorção", observa.

Em entrevista ao jornalista Edson Sardinha, do site Congresso em Foco, da qual publicamos os principais trechos, Fruet aponta o aprofundamento da crise como método de "assepsia" política e faz um alerta para aqueles que apostam numa imediata melhoria do país após a onda de escândalos: "Que ninguém se iluda: não vai acabar a corrupção, o que pode melhorar são os instrumentos de controle. Crise significa também um degrau da purificação. Ela vai tornar as pessoas mais críticas e mais descrentes. Ou seja, mais criteriosas e rigorosas, sem acreditar que está vindo um messias para salvar suas vidas".

Suas intervenções na CPI dos Correios servem de contraponto às manifestações incendiárias de alguns de seus colegas de oposição, como os deputados Eduardo Paes (PSDB-RJ) e Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). O que não o impede de demonstrar irritação com a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dizer que não tinha conhecimento das irregularidades praticadas pelo PT em seu governo.

"Lula não é nenhum incompetente. Não é bobo, é muito inteligente. Chegou aonde chegou não por acaso, sabendo com quem lidava. Perdeu três eleições para ganhar na quarta. Ele sabe com quem lidou e o quanto pagou, em todos os sentidos, inclusive financeiramente, para chegar à presidência", afirma.

Também reage à investida do PT para cassar o mandato do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente nacional do partido, que teria recebido dinheiro de Marcos Valério nas eleições de 1998. Segundo Fruet, ao mirar em Azeredo, o PT corre o risco de precipitar a derrubada de Lula. "A justificativa de ambos é a mesma: a de que não tinham conhecimento do que se passava. Se o PT acha que acertou o general do PSDB, vai perder o seu marechal", brinca.

Filho do ex-prefeito de Curitiba Maurício Fruet, o deputado chegou à Câmara em 1999, assumindo a candidatura do pai, morto às vésperas da eleição. Com os 105 mil votos recebidos em 2002, renovou o mandato como o segundo deputado mais bem votado pelo Paraná. Após 13 anos de PMDB, filiou-se em 2005 ao PSDB, ao romper com o governador Roberto Requião. 

A omissão e a incompetência, às vezes, fazem mal igual à corrupção. De um presidente da República se espera mais que se sentir traído.

Quais tipos de crime a CPMI dos Correios conseguiu comprovar até agora?

Gustavo Fruet: Corrupção, advocacia administrativa, tráfico de influência, possivelmente lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal e crime eleitoral. A questão dos crimes eleitorais precisa ser analisada em separado. Verificou-se nos investigados a estratégia de resumir tudo a crime eleitoral, um crime de menor impacto e, na maior parte das vezes, já prescrito. Nós estamos em três frentes de investigações na CPMI dos Correios: a análise dos 38 contratos dos Correios, a movimentação financeira do Marcos Valério e de outros investigados e a movimentação telefônica. Já temos no sistema 1,5 milhão de ligações telefônicas de dez operadoras. Evidentemente que isso tende a aumentar. A partir daí queremos verificar se existia uma coordenação maior, passando por Marcos Valério, para financiar partidos e políticos neste governo. E isso não é caixa dois, porque aconteceu inclusive depois das eleições, já com pessoas e empresas que têm interesse no governo. E também verificar se houve degradação no processo de indicação das diretorias por partidos políticos.

Mas em que casos especificamente a corrupção está caracterizada?

Gustavo Fruet: São indícios que estão sendo verificados. Quando se constata que há irregularidades em contratos, fica evidente que há uma forma de repasse de recurso para uma contrapartida. É corrupção ativa e passiva. O fato mais explícito até agora são os empréstimos feitos por Marcos Valério para pagar pessoas ligadas ao PT. Nesse caso há três hipóteses. Ou os empréstimos foram feitos para não serem cobrados considerando-se as garantias que foram dadas, ou para que Marcos Valério pagasse tendo como contrapartida o aumento expressivo de contratos com o governo ou eles estão sendo usados para justificar uma origem que a gente dificilmente vai conseguir apontar devido à pulverização da movimentação bancária e financeira e da contabilidade das empresas de Marcos Valério.

Quanto à origem dos recursos que movimentaram esse esquema, em que sentido está comprovado que houve utilização de dinheiro público?

Gustavo Fruet: Os maiores contratos de Marcos Valério são com o governo. Por que ele faria empréstimos de R$ 55 milhões ao PT? Temos de ter clareza em um ponto. Está se esperando que ele diga o seguinte: "Emprestei os R$ 55 milhões e, em contrapartida, o governo me deu o contrato dos Correios" (…) A questão é: por que esses R$ 55 milhões de empréstimos não estavam sendo executados? Por que Marcos Valério fez isso? Qual a vantagem?

A CPMI já conseguiu identificar a participação dos bancos Rural e BMG nesse esquema?

Gustavo Fruet: No BMG já comprovamos a existência dos empréstimos e o pagamento nas contas de Marcos Valério e uma sucessão de coincidências. O BMG fez o primeiro empréstimo para o PT no dia 17 de fevereiro. No dia 20 de fevereiro, o presidente do banco esteve com o (então) ministro da Casa Civil, José Dirceu, e no dia 24 fez um empréstimo a Marcos Valério no valor de R$ 12 milhões por meio da SMP&B. Como garantia, ele teve contratos com a Eletronorte e os Correios. O segundo contrato de empréstimo, que teve como garantia um contrato de publicidade com os Correios, foi de quase R$ 90 milhões. Além disso, Marcos Valério deu como garantias CDBs (Certificados de Depósito Bancário) do próprio BMG. No caso do Banco Rural, ele deu como garantia um contrato de publicidade com o Banco do Brasil, que tem inclusive uma cláusula expressa proibindo esse tipo de negociação. No caso do Banco Rural, foram dados empréstimos sem respeito a provisionamento, o que já é objeto de fiscalização do Banco Central, e tendo como garantia um contrato de publicidade que tem uma cláusula expressa que proíbe sua utilização para esse fim.

Quando o publicitário Duda Mendonça admitiu, na CPMI dos Correios, ter recebido dinheiro de caixa dois do PT pela campanha de 2002, houve a sensação de que aquele depoimento havia atingido de forma irreversível o presidente Lula. Por que de lá pra cá houve um arrefecimento na CPMI em relação àquela denúncia?

Gustavo Fruet: Politicamente a crise já atingiu o presidente. As pessoas mais próximas dele foram pegas em contradições. O presidente Lula e o PT levaram anos para construir uma imagem. De repente, pessoas próximas ao presidente, como José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Duda Mendonça, foram pegas em uma série de contradições e desvios. O exemplo de Duda é emblemático. A pessoa que defendeu a ética e a verdade na política recebeu dinheiro para fazer a campanha de Lula no exterior, sem declarar à Receita Federal. Isso atingiu politicamente o presidente.

Mas há elementos que comprovem que o presidente Lula sabia das irregularidades?

Gustavo Fruet: Se o presidente sabia há de se lembrar que o ex-ministro Dirceu afirmava que tudo o que ele fazia era de ordem e conhecimento do presidente. Ou o presidente não sabia, o que é tão ou mais grave. A omissão e a incompetência, às vezes, fazem um mal igual a corrupção. De um presidente da República se espera algo mais do que se sentir traído ou indignado. Tem de tomar decisão.

Não existe a menor possibilidade de isso ser verdade?

Gustavo Fruet: O José Dirceu teve delegação para agir em nome dele (Lula) com os partidos e o Congresso. O presidente conversou com o Valdemar Costa Neto e o Roberto Jefferson. O Delúbio é da história do presidente. Lula não é nenhum incompetente. Não é bobo, é muito inteligente. Chegou aonde chegou não por acaso, sabendo com quem lidava. Perdeu três eleições para ganhar na quarta. Ele sabe com quem lidou e o quanto pagou, em todos os sentidos, inclusive financeiramente, para chegar à presidência.

Não há nenhuma dúvida também em relação à participação do ex-ministro José Dirceu nas irregularidades identificadas até o momento?

Gustavo Fruet: É o mesmo caso do presidente Lula. O Delúbio agiu sozinho? Nós estamos vivendo os extremos. De um lado, há de se ter provas. Não se pode fazer acusação sob pena de cair na leviandade. Por outro lado, parece que tudo o que já veio a público não satisfaz. Está todo mundo esperando o último recibo, o último cheque ou a última imagem. Pra mim, isso já é grave. Aponta desvio brutal em todos os sentidos, uma distorção no relacionamento com o Congresso. Está claro que compraram parte expressiva de dirigentes partidários para ter apoio no Congresso e que houve contrapartida.

Por mais que as investigações avancem, não fica sempre a impressão de que a CPI termina em pizza?

Gustavo Fruet: Sempre vai haver essa história, mesmo que se cassem 18 ou 30 deputados, porque há uma incompreensão com relação ao funcionamento de uma CPI. Há, sim, uma compreensão com relação à tentativa de abafa, que evidentemente existe. Nós estamos em uma fase de guerrilha, porque se acostumou nos últimos dois meses com a necessidade de haver uma coisa impactante todo dia. Virou novela, terminou o capítulo de ontem e já querem saber hoje quem será o próximo bandido da história. É como se nas CPIs tivesse de haver sempre o bandido e o herói. Essa construção gera uma distorção.

Um dos próximos capítulos dessa novela deve ser a relação de Marcos Valério com o PSDB em Minas. Isso pode determinar um novo rumo para as investigações?

Gustavo Fruet: O PT está precisando de um troféu e escolheu o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Tem de investigar, mas, insisto, essa estratégia tenta confundir tudo com caixa dois. Em vez de responder, é tentar transferir responsabilidade. É legitimar um erro com um erro do passado. Se o Eduardo Azeredo errou, o PT fez um upgrade. Se quiserem cassar Eduardo Azeredo, vamos ter de cassar o presidente Lula. É essa noção política que o PT não está tendo. A justificativa de ambos é a mesma: a de que não tinham conhecimento do que se passava. Se o PT acha que acertou o general do PSDB, vai perder o seu marechal.

Como a CPMI vai lidar com essa disputa entre os fundos de pensão e o banco Opportunity pelo controle da Brasil Telecom?

Gustavo Fruet: É disputa comercial de cachorro grande. Há interesse dos fundos de pensão e disputa comercial pelo controle de operadoras. É uma coisa muito maior do que o Congresso. Isso é fato. Não conheço quem tenha dúvida sobre isso. E vai ficando claro que quem faz oposição ou defende esses grupos ou está fazendo isso porque tem interesses econômicos e isso tem de ficar muito claro ou porque tem alguma forma de relacionamento com eles. A CPMI tem de tomar cuidado, porque a questão dos fundos de pensão é muito maior do que o que está sendo investigado pelas comissões.

Isso pode comprometer os trabalhos da CPMI?

Gustavo Fruet: Há o risco de os fundos de pensão engolirem os trabalhos das CPIs. Por que começou essa investigação? Porque há suspeita de que recursos dos fundos possam ter sido usados por corretoras ou instituições financeiras que intermediaram compra e aquisição de títulos, negociaram taxas de juros e causaram eventuais prejuízos aos fundos, em benefício de corretoras, partidos políticos ou pessoas indicadas por Delúbio Soares. Essa é uma das linhas de investigação. Outra investigação é de que algumas operadoras de telefonia poderiam, para ter a simpatia de pessoas ligadas ao governo que têm influência sobre os fundos de pensão, ter alimentado esse sistema de financiamento. É uma história feita por profissionais, no bom e no mau sentido. Gente competente, que evita deixar rastro. Dificilmente o Brasil vai ter clareza sobre o que aconteceu. Pode ser que daqui a 100 anos, quando todos estiverem mortos, consiga-se ter maior clareza sobre o que se passou. Essa é uma história que nunca vai se fechar por completo.

Poucas vezes o Congresso Nacional teve uma imagem tão ruim. Que resposta dar à sociedade?

Gustavo Fruet: As últimas pesquisas estão dentro da imagem negativa histórica do Congresso. Pode haver um pico a mais ou a menos num determinado momento. Mas falar em política é pior que associar o nome de alguém a xingamento. Isso é histórico. Por isso temos que aprofundar a crise, até por um fator de assepsia. Mas sem ilusão. Não é o bem contra o mal. Parece até que o mundo é dividido entre os bons e os políticos. Se fosse assim, a gente isolava o Congresso e acabava com a maldade no Brasil. Há uma regra numa democracia que não precisa de lei: é o caráter. Se dentro do Congresso está o corrupto, lá fora está quem o corrompeu. Tem muita gente que passa uma imagem de santo e tenta transferir a responsabilidade só pra quem está na política.

Há o risco de a revelação desses escândalos não provocar mudança no país?

Gustavo Fruet: Será que isso vai mudar o posicionamento do eleitor, das pessoas, dos grupos políticos e econômicos no ano que vem? Não sei. Que ninguém se iluda: não vai acabar a corrupção, o que pode melhorar são os instrumentos de controle. Crise significa também um degrau da purificação. Ela vai tornar as pessoas mais críticas e mais descrentes também. Ou seja, mais criteriosas e rigorosas, sem acreditar que está vindo um messias para salvar suas vidas. Temos de entender que o Brasil é um país de muitas desigualdades, o grau de formação é muito diferenciado, as realidades locais são muito diferentes, assim como as demandas.

Uma crítica que se costuma fazer às CPIs é de que elas não alcançam os corruptores. Como mudar essa imagem?

Gustavo Fruet: Chega, mas aí depende da Justiça. Há uma distorção sobre o que é uma CPI. Ela não tem o ritmo de uma investigação policial. Esses processos de condenação têm grau de recurso, de ampla defesa e de contraditórios que devem ser assegurados e que, por vezes, levam anos. Até agora não temos respostas conclusivas da CPI do Banestado. A CPMI dos Correios vai ter desdobramentos. Essas decisões dependem do Judiciário, mas essa é uma outra história.

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