Voto 2010

Jogo nebuloso do financiamento nas campanhas

Não é novidade que depois de eleitos, os políticos recorrem a serviços de empresas que investiram em sua campanha. Coincidência? Pouco provável. Embora não seja ilegal, pois afinal de contas muitas vezes a empresa passa por licitação e presta um serviço ao poder público, essa relação é, no mínimo, suspeita. Afinal, é bem difícil que uma empresa invista em um candidato sem supor que possa ter vantagens futuras com isso.

Os valores dessa campanha são vultuosos. Juntos, os dois principais candidatos ao governo do Paraná podem gastar até R$ 69 milhões em suas campanhas até o fim das eleições, conforme estimaram à Justiça Eleitoral. Se esse valor for somado ao montante estimado pelos quatro principais candidatos na disputa pelo Senado, a quantia chega a R$ 115 milhões. Além de autodoações e de verba proveniente de partidos políticos, o dinheiro para a campanha pode vir de pessoas físicas ou jurídicas que decidam investir no candidato. Se o dinheiro investido em campanhas é alto, o que as empresas recebem depois de fechar contrato com o governo pode ser maior ainda.

Um dos exemplos mais comentados dos últimos anos foi o caso da empresa Cequipel, em 2006 maior doadora da campanha do ex-governador e candidato ao Senado Roberto Requião (PMDB), com R$ 645 mil. Investimento que deu certo, tendo em vista o retorno que a empresa teve pela prestação de serviços ao governo estadual nos anos seguintes, ao vencer licitação. Só em 2007, o primeiro da gestão Requião, a Cequipel recebeu mais de R$ 21 milhões, em troca da compra de móveis para escritórios, quadros escolares e uma grande bolada para a polêmica compra das televisões de 29 polegadas de tela plana. Em 2008, foram mais R$ 1,9 milhão, segundo informado pelo site Gestão do Dinheiro Público, vinculado à Secretaria de Estado da Fazenda. Já o American Bank Note, outro grande doador de Requião em 2006, com R$ 500 mil, teve retorno de mais de R$ 50 milhões.

Do outro lado da disputa, uma falha na prestação de contas do candidato Beto Richa (PSDB) durante a campanha para a prefeitura de Curitiba em 2008 causou uma grande dor de cabeça. Por falta de rigor, o PSDB deixou de prestar contas de um comitê de apoio ao Beto, formado por dissidentes do PRTB. Outro problema de Beto foi o contrato da prefeitura de Curitiba feito com a construtora Iguatemi, do ex-presidente do PP de Curitiba Alberto Klaus, que foi inclusive alvo de investigação do Ministério Público Estadual (MPE). A construtora declarou ter doado R$ 2 mil na campanha de Beto em 2008. A empresa Risotolândia, terceirizada da prefeitura de Curitiba, doou R$ 35 mil na campanha de 2008, e fornece alimentação para diversos setores ligados à administração municipal.

De acordo com o advogado especialista em Direito Eleitoral Guilherme Gonçalves, esse não é um problema exclusivamente brasileiro, mas dos países que adotam a forma de financiamento em vigor hoje no País. Os Estados Unidos, por exemplo, servem como paralelo. Por lá pode-se optar pela forma de financiamento. A campanha pode ser integralmente financiada por fundos públicos, opção raramente utilizada pelos candidatos, já que eles deixam de receber doações particulares, ou o financiamento pode ser privado. Neste caso, a contribuição pode ser feita em dinheiro ou um gasto em favor de um candidato, por exemplo: a pessoa física ou jurídica é quem compra um comercial, pinta um muro ou faz uma placa.

Especialista diz que “não há mais coitadinhos, temos forças políticas organizadas”

Uma opção ao regime brasileiro de financiamento de campanha em vigor hoje é o financiamento público, muito mencionado nos últimos anos principalmente depois de escândalos de caixa 2 Brasil afora, como o Mensalão. Mas a discussão sobre a adoção de um financiamento público já permeia o direito eleitoral desde o fim da década de 1980, com a retomada da democracia brasileira. O financiamento exclusivamente público prevê um fundo, também públic,o, com limite para gastos eleitorais e tornaria as disputas iguais, em termos de despesas. A distribuição de recursos levaria em conta a representação dos partidos da Câmara dos Deputados e doações particulares estariam proibidas.

Os dois maiores questionamentos sobre o financiamento público são a estipulação do valor que seria gasto e se essa verba não seria muito alta para ser retirada de outras áreas consideradas prioritárias para a administração pública. Além disso, mecanismos teriam que ser pensados para controlar efetivamente que o candidato não receba doações externas. Atualmente, vinculados à reforma política, há dois projetos tramitando no Senado: um propondo o financiamento público e outro que sugere a implantação de um financiamento misto, ou seja, haveria o financiamento público que estabeleceria um teto para as campanhas privadas, que seria igual para todos.

Agência Senado
Há dois projetos no Senado sobre reforma política. Um propõe financiamento público, outro sistema misto.

A defesa do financiamento público parcial vem do advogado em Direito Eleitoral Guilherme Gonçalves. “No atual estágio de maturação da política brasileira, a disputa democrática pode ser vista com novos olhos. Temos maturidade e solidez jurídica para ter financiamento parcial público, com controle e fiscalização rigorosos”, acredita. A opção não inviabilizaria apoios privados. “Não há mais ‘coitadinhos’, temos forças políticas organizadas. Todos são participantes ativos e fortes do processo e, se determinada empreiteira quer financiar um candidato, isso faz parte da democracia”, completa o advogado.

Gonçalves é a favor que seja obrigatório revelar os doadores durante o processo eleitoral. “É uma segurança para o próprio doador, pois o eleitor forma seu convencimento de forma livre. As pessoas têm medo hoje de doar e esta seria uma forma mais transparente, na qual os doadores não precisariam se esconder e sem necessidade de se fazer caixa 2 nas campanhas”, opina.

De acordo com o que foi estabelecido pela Justiça Eleitoral, para a campanha deste ano pessoas físicas podem doar aos candidatos até 10% dos seus rendimentos brutos declarados no ano anterior e pessoas jurídicas podem doar até 2% do faturamento no ano anterior. Os candidatos não são obrigados a revelar seus financiadores a não ser depois que a disputa eleitoral se encerra.