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Em balanço da Lava Jato, Deltan culpa Congresso e STF por atrasos no combate à corrupção

Jonathan Campos / Arquivo

Em balanço de seis anos da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol atacou decisões recentes do Supremo Tribunal Federal e iniciativas do Congresso Nacional, afirmando haver hoje um ambiente “mais difícil” de combate à corrupção se comparado ao do início da operação.

“No último ano, identificamos uma série de decisões e posições do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal que acabam resultando em dificuldades do exercício do nosso trabalho, das investigações e processos”, disse o chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal paranaense.

Embora ele não tenha feito referência a isso, a fala de Deltan, em entrevista coletiva nesta terça-feira (10), ocorre às vésperas de atos contra o Congresso e o Judiciário, incentivados pelo presidente Jair Bolsonaro e marcados para domingo (15).

Entre as críticas que destinou ao Legislativo, o procurador citou a aprovação, em setembro do ano passado, da Lei de Abuso de Autoridade. Segundo ele, há na legislação “regras boas”, mas outras que “impedem e dificultam a atuação de autoridades públicas contra corruptos poderosos”.

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O procurador avaliou de forma negativa a configuração final do pacote anticrime, elaborado pelo ex-juiz da Lava Jato e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.

“Vimos uma grande tentativa de aprovação de reformas por meio do pacote anticrime, mas infelizmente, ao longo de sua tramitação no Parlamento, boa parte das regras anticorrupção foram retiradas”, afirmou.

Após obter a prisão de políticos, empresários e operadores financeiros em seus primeiros anos, a Lava Jato sofreu uma sequência de reveses a partir de 2019, que incluiu a ordem do Supremo que barrou a prisão de condenados em segunda instância, definida em novembro passado.

Além disso, a operação teve sua credibilidade abalada com a divulgação pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de conversas pelo aplicativo Telegram de Deltan com outras autoridades, como Moro. Os diálogos mostraram a combinação de medidas e sugestões do então magistrado à investigação, o que indica quebra da imparcialidade do juiz.

Deltan reduziu suas aparições públicas a partir do episódio e acabou se tornando alvo de uma série de queixas no Conselho Nacional do Ministério Público, que ainda estão em tramitação.

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Na entrevista desta terça, o procurador se limitou a afirmar que o caso foi diversionista. “Foi um evento diversionista que desviou o foco da discussão daquilo que é real e grave para especulação, sensacionalismo e em grande medida, distorções”, disse.

Aos jornalistas Deltan elencou ainda várias decisões de 2019 do STF que, para ele, criaram um ambiente desfavorável no combate à corrupção, como a determinação, em março, de que investigações de propinas destinadas a campanhas políticas fossem encaminhadas à Justiça Eleitoral.

Citando como exemplo o caso Pasadena, anulado após o entendimento do Supremo, ele disse que outros casos da Lava Jato podem ser afetados. “Essa decisão do STF, para dizer o mínimo, gera uma grande insegurança jurídica com relação a casos já propostos que tramitam em Curitiba, inclusive casos já julgados”, afirmou.

O procurador também criticou a decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de suspender em julho do ano passado investigações criminais pelo país que usassem dados detalhados de órgãos de controle “como Coaf, Receita Federal e Banco Central” sem autorização judicial. A determinação acabou derrubada pelos demais ministros, em novembro.

Ele elencou ainda como retrocesso a determinação pela corte, em outubro, de que réus delatados só apresentem alegações finais após a manifestação de réus delatores, o que gerou, até então, a anulação de três julgamentos (dois criminais e um cível) de casos da Lava Jato.

Para o procurador, a decisão que barrou a prisão de condenados em segunda instância aumenta as chances de prescrição, “e, consequentemente, de impunidade”.

O chefe da Lava Jato em Curitiba pediu também que o STF priorize o julgamento dos casos ligados à operação, já que, até então, a corte emitiu apenas uma sentença sobre o caso.

“Entendemos que a dificuldade a levar efeito casos criminais é decorrente do sistema de foro privilegiado, contudo temos expectativa de que STF possa priorizar esses casos”, disse.

Ao falar, porém, sobre a produtividade do juiz de primeira instância Luiz Antonio Bonat, substituto de Moro na Justiça Federal de Curitiba, o procurador apontou que ele ainda está se inteirando dos casos.

“Sempre que existe uma troca de quadros da Lava Jato, há vários meses de adaptação para tomar conhecimento da imensidão do esquema criminoso, dos casos, das evidências, da massa de provas. Isso acontece não só na Justiça, mas também no Ministério Público Federal”, justificou.

Reportagem da Folha de S.Paulo apontou que, desde que assumiu o caso, um ano atrás, o número de processos à espera de sentença na 13ª Vara Federal da capital paranaense duplicou. Nesse período, o magistrado deu apenas uma sentença da operação.

Questionado sobre possíveis retrocessos gerados pela atuação do Executivo no combate à corrupção, como a ausência de vetos por Bolsonaro sobre itens criticados por Moro na Lei de Abuso de Autoridade, Deltan disse que, apesar de haver pontos negativos, a maior preocupação está no desempenho dos Poderes Legislativo e Judiciário.

“É quem mais pode impactar o combate à corrupção no país no médio e longo prazo. A mudança nas punições que favorecem ou desfavorecem a integridade dependem essencialmente de mudança de leis […] e também da aplicação dessas leis”, afirmou.

Durante a coletiva, integrantes da força-tarefa da Lava Jato focaram nos números da operação. Neste período, foram 70 fases deflagradas, resultando em 500 pessoas acusadas. Já há 52 sentenças com 253 condenações, que somam 2.286 anos e sete meses de pena.

As autoridades destacaram os valores recuperados: cerca de R$ 4 bilhões foram devolvidos do total de R$ 14,3 bilhões ajustados em 185 acordos de colaboração premiada e 14 acordos de leniência firmados entre a operação e acusados.

Segundo o superintendente da Polícia Federal no Paraná, Luciano Flores, o trabalho está “longe de acabar”.

“Seis anos depois [do início da Lava Jato], o Brasil é exemplo de combate à corrupção, de tecnologia contra a corrupção. E aquelas empresas que antes disseminavam meios de burlar a lei e de corromper agentes públicos, hoje estão colaborando com a Justiça e reparando seus erros por meio de acordos de delação e de leniência”, afirmou.