Perdão judicial nos crimes fiscais

Nos crimes fiscais previdenciários, através da Lei n.º 9.983/2000 (em vigor desde 14/10/2000), nasceu a figura da apropriação indébita previdenciária e da sonegação de contribuição previdenciária. Diga-se, sem qualquer respeito à mínima técnica legislativa, criou os artigos 168-A e 337-A, no Código Penal, onde elencou ditas condutas.

A infração então prevista no artigo 95, letra “d”, da Lei n.º 8.212/91, pela citada norma, foi deslocada para o artigo 168-A, do Código Penal. Este dispositivo legal assim como o artigo 337-A, em seus diversos parágrafos e incisos, regularam outras matérias relacionadas com delitos de contribuição previdenciária, dentre elas, o perdão judicial ou aplicação somente da pena de multa.

Segundo o § 3.º do citado artigo 168-A, “é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I ? tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição previdenciária, inclusive acessórios; ou II ? o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.” O artigo 337, § 2.º, inciso II, repete a benesse prevista no citado inciso II, para os delitos de sonegação de contribuição previdenciária.

Veja-se que o benefício do perdão judicial ou aplicação somente da pena de multa tem incidência quando o acusado é primário e de bons antecedentes.

Quanto aos incisos segundo dos parágrafos segundo e terceiro, respectivamente dos artigos 168-A e 337-A, atualmente a Portaria n.º 4.910/99, do Ministério da Previdência e Assistência Social, fixa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para contribuições previdenciárias serem dispensadas de ajuizamento da ação de execução.

Já em relação ao inciso I, § 3.º, do artigo 168-A, há necessidade que o agente tenha “promovido” o pagamento, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia. Veja-se que não é o tradicional recebimento da denúncia, mas sim o seu oferecimento, cujo termo deve ser a data do seu protocolo, junto ao juízo competente.

Cremos que a promoção do pagamento antes de iniciada a ação fiscal (a lei fala em após), incide também à benesse prevista neste dispositivo legal, pelo princípio de que quem pode o mais pode o menos.

Quando o legislador utilizou a expressão “promover” o pagamento, ao invés do tradicional “efetuar”, inclusive previsto no § 2.º, do artigo em comento, como causa a enseja a extinção da punibilidade, deixou clara a sua pretensão.

O conceito do verbo “EFETUAR” é: “realizar”, “cumprir”, “executar”, “perfazer”, etc. Já o verbo “PROMOVER” tem o conceito de: “impulsionar”, “avançar”, “fomentar”, “diligenciar”, “requerer”, “solicitar”, “propor”, etc.

Diante desta inegável diferenciação entre o conceito destes verbos, não há como negar que esta atitude do legislador foi intencional. Por isso, mesmo para quem não aceita o parcelamento do débito tributário equiparável ao pagamento, para os fins de extinção da punibilidade, não pode negar a aplicação do perdão judicial ou somente aplicação da pena de multa, quando houver negociação da dívida, ainda que inadimplida.

Veja-se que o legislador pretendeu diferenciar a providência necessária para extinção da punibilidade (efetuar o pagamento) em relação ao benefício do perdão judicial (promover o pagamento). Tanto que se utilizou de verbos com conceitos bastante diversos.

Assim, sempre que o inadimplente do débito previdenciário tenha tomado providência efetiva no sentido de saldar a dívida, ela se enquadra no conceito do verbo “promover” o pagamento, ainda que não tenha sido concretizada ou efetuado.

Como providência podemos citar o requerimento de parcelamento da dívida; oferecimento de bens como dação em pagamento; oferecimento de bens à penhora em execução fiscal (mesmo que para garantir o juízo para propor embargos); proposição de pagamento através de título públicos; parcelamento da dívida (ainda que inadimplido); pedido de inscrição no REFIS (ainda que indeferido); etc.

Utilizando interpretação literal dos dispositivos em comentário, dá-se a impressão de que dito benefício aplica-se apenas aos delitos fiscais relacionados com contribuição previdenciária.

Entretanto, não é esta a modalidade interpretativa que deve valer-se o interprete, mas sim a sistemática, a qual indica que este benefício incide a todos os delitos fiscais.

Dada a exigüidade de espaço que artigos desta natureza exigem, citamos para abonar esta nossa assertiva os fundamentos lançados pela doutrina e jurisprudência para reconhecer que o benefício do artigo 34 da Lei nº 9.249/95 (que apesar de fazer expressa referência aos delitos definidos na Lei n.º 8.137/91, para os fins de extinção da punibilidade quando houver o pagamento do tributo antes de recebimento da denúncia), estendeu o benefício também para os delitos capitulados no artigo 95, letra “d”, da Lei 8.212/91, que cuidava de crimes fiscais previdenciários.

Valendo-se desta mesma interpretação, a lei que confere os benefícios aos delitos previdenciários pode ser estendida também àqueles elencados na Lei 8.137/91, e outras que tratam de crimes fiscais, não só de omissão como também de sonegação fiscal.

Diante desta rápida análise sobre as normas em comento, é importante ao intérprete observar o momento e a conduta do agente visando pagar a dívida, para aferir se se aplica a extinção da punibilidade, no caso de parcelamento do débito antes do oferecimento da denúncia, ou o perdão judicial.

Uma coisa e certa. Sempre que houver o parcelamento do débito fiscal antes do oferecimento da denúncia, ainda que não adimplido ou iniciado o seu adimplemento, incide a regra do artigo 168, § 3.º, inciso I, do Código Penal, independentemente de qual lei tipifique a conduta infracional.

Apesar da norma em comento dizer que é faculdade do juiz aplicar a benesse, cuida-se de direito público subjetivo do acusado. Assim, uma vez presentes os requisitos relacionados na lei, deve ser aplicado, merecendo obrigatoriamente ser fundamentada a decisão que negar sua aplicação, ainda que não seja alegado pela defesa, sob pena de nulidade do julgado.

Finalmente, deve ser observado que mesmo naqueles delitos em que haja condenação transitada em julgado antes da entrada em vigor da norma ora em debate, incide esta nova regra de benefício, em atendimento ao preceito constitucional de aplicação da lei nova mais benéfica, cujo requerimento deve ser dirigido ao juízo da execução.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUCPR, especialista em Direito Processual Penal pela PUCPR, e autor dos livros editados pela Juruá Editora: Execução Penal, Estelionato e Outras Fraudes, Homicídio Doloso, Apelação Crime, Liberdade Provisória Com e Sem Fiança, Código Penal Com Notas Remissivas , “Tóxicos”, segundo a nova lei, estando já na 2.ª Edição.

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