Pedindo de joelhos

O cineasta italiano Ettore Scola, além de brindar o mundo com o magnífico filme O baile, em que, sem uma só palavra, conta a história de décadas através de cenas emblemáticas num baile público, também ofereceu à arte cinematográfica um filme em que mostra que nem todos os ricos são do mal e nem todos os pobres são do bem. Mas esse conceito resiste entre aqueles que acreditam e estimulam a luta de classes. E embasa os discursos de alguns líderes populistas que se esquecem que também há pobres muito sacanas.

Evo Morales, um indígena da Bolívia que liderava os sindicatos dos ?cocaleiros? (produtores de coca), pobre ou pelo menos representando os pobres, chegou ao governo do seu país. E já repete o discurso de Hugo Chávez, da Venezuela, falando em ficar no trono por tempo indeterminado.

Mal assumiu, com o apoio expresso do nosso presidente Lula, nacionalizou as reservas bolivianas de hidrocarbonetos. Em seguida, mandou soldados do Exército cercar as instalações da Petrobras. Não bastasse tal arbitrariedade, aumentou considerável e unilateralmente os preços do gás fornecido ao Brasil. Depois disso, forçou o Brasil a vender, a preço de banana, as nossas refinarias à estatal petrolífera boliviana. Não parou por aí, pois levou a Petrobras ao banco dos réus por fraude e contrabando.

Somos para eles os ricos. Talvez porque, sendo a Bolívia um país realmente pobre, sem capitais, teve de socorrer-se ao Brasil para explorar suas imensas reservas de gás natural. E precisa do Brasil como seu principal mercado.

Recentemente, a Argentina entrou num apagão. O governo brasileiro, muito bonzinho, abriu mão de parte do pouco de gás boliviano que continuou comprando da Bolívia para que esta socorresse os ?muy amigos? argentinos. Que bom, não acontecesse, como agora, que o governo do Brasil fosse obrigado a sonegar gás para indústrias brasileiras e postos de combustível a fim de atender usinas termoelétricas, acionadas para socorrer as hidrelétricas, procurando fazer o nosso País escapar de um apagão que o governo federal sempre disse que não vai acontecer. Apagão elétrico teria sido coisa do governo FHC.

Um bom governo deve ser previdente. E para ser previdente, precisa prevenir e prover. Talvez desconfiar que também há pobres sacanas.

Lula, há bem poucos dias, disse e reafirmou que não há risco de desabastecimento de gás. Mas o corte do gás às indústrias e postos, para abastecer principalmente táxis, desabastece estes setores que geram riquezas e dão empregos a milhões de brasileiros. Esta crise era previsível e foi prevista. Correspondências trocadas entre o nosso Ministério das Minas e Energia e a Petrobras há mais de seis meses a anunciavam. A suspensão no fornecimento de gás para a indústria e automóveis foi suspensa temporariamente pela concessão de uma liminar judicial. Mas liminar não produz gás. Portanto, o combustível continua faltando e a indústria está gastando fortunas para mudar sua matriz energética. E usando óleo diesel, que é mais caro e poluente. A Petrobras diz que vai pagar a diferença de preços, o que é, de qualquer forma, um prejuízo, pois não nos esqueçamos que aquela empresa, como o petróleo, é nosso.

Enquanto milhares de taxistas e dezenas de indústrias gramam uma crise assustadora, ameaçados de perderem os seus investimentos na mudança, aliás estimulada, de sua matriz energética para o gás que agora falta, Lula já anuncia que no próximo dia 12 de dezembro vai conversar, em La Paz, com o companheiro Evo Morales.

Será uma conversa importante, de baixo para cima, pois o Brasil entra nesse papo para pedir ?de rodil-las?. Traduzindo: pedir ?de joelhos?.

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