Índios da capital deixam de lado suas tradições

Desde 2008, o bairro Campo de Santana, em Curitiba, abriga 150 índios das etnias caingangues, xetás e guaranis. Juntos, eles formam a Aldeia Urbana Kakané Porã – que, em caingangue, significa “fruto bom da terra”. Eles vivem em regime de comodato, em casas de quatro cômodos construídas pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). O cacique Carlos Alberto dos Santos, 48 anos, cujo nome indígena é Kajer (macaco, em caingangue), teve participação ativa em todo o processo que permitiu a transferência das 35 famílias de índios que até então estavam instaladas de forma precária no Parque Cambuí, próximo a São José dos Pinhais.

De lá para cá muitas mudanças aconteceram, como o fato da maioria dos adultos estarem empregados nos mais diferentes tipos de atividades econômicas, principalmente na construção civil. Poucos ainda dependem do artesanato. As novas necessidades do grupo têm a ver com anseios de qualquer comunidade. Eles querem a construção de uma escola e um posto de saúde dentro da própria aldeia, que possui área de 44 mil metros quadrados. Também pensam em fazer um cemitério, pois dois integrantes da aldeia faleceram e os corpos precisaram ser enterrados em outras aldeias. “Fizemos o ritual, mas o transporte dos corpos foi bem difícil”, lembra o cacique.

Gerson Klaina
Filho de Carlos Ubiratan só quer saber de computador.

Mesmo afirmando gostar da aldeia urbana, tanto Kajer quanto o filho Carlos Ubiratan dos Santos trazem em cada fala ou lembrança uma saudade que conforto nenhum é capaz de suprir. Ambos viveram na reserva indígena de Mangueirinha. O cacique por 35 anos e o filho dele até os 10 anos de idade. Na memória, pai e filho carregam o sabor da liberdade em sua plenitude. Sem relógio para domesticar o tempo, o cacique conta que saía pela região montado em seu cavalo sem hora para voltar. “A gente vivia solto”, comenta. “Aqui eu não consigo fazer com que meu filho brinque da mesma forma que eu em Mangueirinha. Ele quer computador”, conta Carlos Ubiratan.

Na aldeia, ninguém mais planta ou cria animais. A orientação religiosa se divide entre católicos e evangélicos. E sobram carros e celulares modernos nas mãos de todos os integrantes das três tribos. Boa parte da tribo recebeu a vacina da gripe A neste ano, até porque o cacique pilota o carro cedido pelo governo federal para o transporte dos índios aos hospitais. “Virei motorista da tribo”, brinca o cacique.

Sem patrocínio, festa anual é adiada

Gerson Klaina
Cacique Kajer, o motorista da tribo, relembra com saudade do tempo em que viveu na reserva de Mangueirinha.

O grande momento de preservação da cultura indígena se dá em uma festa anual, normalmente celebrada em abril (perto do Dia do Índio, no dia 19), mas que este ano deverá ocorrer em junho. Nela, toda a riqueza da culinária indígena, do bolo de cinzas às carnes mais diferentes, como paca e tatua, podem ser apreciadas gratuitamente e por qualquer pessoa, já que eles abrem as portas para a comunidade. “No ano passado foram mais de 3 mil quilos de costela no chão”, conta o filho do cacique. Neste ano, a demora no patrocínio obrigou o adiamento da festa.

Índias querem ser a Bianca de Salve Jorge

A esposa do filho do cacique, El,isana Lopes de Oliveira, não é índia e há 12 anos vive na tribo. Manicure e cabeleireira, agora abriu um salão (Salão da Lisa) na própria comunidade. “Elas adoram novidades. Gostam de química e, agora, todas querem ser a Bianca (atriz Cléo Pires) da novela Salve Jorge. O salão também atende pessoas de fora da tribo. Quem quiser conhecer, o telefone é: (41) 3396-4880, de segunda a sábado.

Gerson Klaina
As 35 famílias que vivem nas casas da Cohab cobram construção de escola e posto de saúde na aldeia.